Desde muito, acompanho
com atenção a carreira pública como político e notadamente enquanto Governador
do Espírito Santo, de Paulo Hartung, que se encontra no fim de seu terceiro
mandato como chefe do Executivo daquele pequeno Estado.
Em uma terra que vem primando nos
últimos tempos pelo desrespeito da Lei de Responsabilidade Fiscal - talvez o
principal dom do governo de Fernando Henrique Cardoso à República - Hartung tem
primado pelo respeito inflexível à LRF. Para que se contextualize - na pobreza
circunstante - o valor singular da atuação de Hartung como Governador, bastaria
ter presente o último e lamentável desrespeito da atual cultura política, que o
recente gesto do presidente da Câmara,
Rodrigo Maia, desfigurando sem qualquer veto a publicação de lei para as
finanças municipais, acolhendo um lamentável facilitômetro para a legislação de
que o presidente Temer, ausente em compromisso externo, anunciara a intenção do
respectivo veto.
Tenho acompanhado a trajetória como
Governador do Espírito Santo de Paulo Hartung por motivos sobejos, que o texto
a seguir torna manifestos. Pois no fim de seu terceiro mandato como governador,
Hartung lançou recentemente livro sobre sua experiência na gestão da crise no
governo capixaba - o único Estado a ser avaliado com a nota máxima no
equilíbrio fiscal pela Secretaria do Tesouro Nacional em 2018.
A seguir, ocupo-me da
entrevista do Governador Hartung. Quero crer, no entanto, que o mais importante é cingir-se
a certos aspectos fundamentais, e, dessarte, acentuar o que realmente me parece
básico no pensamento de Hartung e que deveria, por consequência, ser enfatizado
e aprofundado.
Hartung se refere à lei de
responsabilidade fiscal e a conversas com novos governadores. Ele tem estimulado que eles abram um diálogo com o STF, no
sentido de julgar uma ação no Supremo que trata de um dispositivo da LRF. O primeiro
aspecto é muito importante: o orçamento
público é uma estimativa de receita e
uma fixação de despesa. Se você
estima uma receita e depois tem um
frustração de receita, essa frustração só vale para o Executivo, mas não vale
para o Judiciário, para a Assembléia, e tampouco para o Ministério Público,
para o Tribunal de Contas, e também não vale para a Defensoria Pública. Nós
precisamos resolver esse dispositivo que está judicializado. A Lei de
Responsabilidade Fiscal permite que você diminua a jornada de trabalho e
salário no momento em que você estoura o limite da LRF. Isso está judicializado.
Era importante e pedagógico, no momento em que um dispositivo desses funcionar,
eu tenho certeza de que até os sindicatos que representam os grupos funcionais
vão se preocupar com o limite de gasto público.
É preciso mudar a LRF? Com esse clima bagunçado que está no Brasil,
toda vez que se mexe na LRF é para piorar, como o Congresso fez em relação aos
gastos dos municípios. Então, o melhor é não mexer na LRF. Esse instrumento é
bom, porque o único jeito de você devolver para a sociedade uma parte dos
impostos que são pagos. Precisamos
cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. A única coisa em que eu trabalharia é
em relação a essa ação que está no Supremo.
O que esperar do governo Bolsonaro ? Acho que o nosso primeiro dever é
soltar esse cabo de guerra e o País voltar a ter capacidade de discutir os seus
problemas. Quero ressaltar que o governo Bolsonaro toma posse com muito capital
político da eleição, que não é pequeno. Não foi baixa a votação do PT, mas a
margem de diferença de votos foi significativa, deu uma legitimidade. Trazer o
Moro para o Ministério da Justiça agregou mais capital político. Então, o governo toma posse com muito
capital político na sociedade, no Parlamento. Evidente que é uma lua de mel que
tem prazo. O problema é não perder tempo e a impressão que eu tenho, eu sinto
que o governo tem dois governos dentro dele. Um que está pensando de maneira
mais reformista e um pensa de maneira mais corporativa.
Tivemos
recentemente a Cúpula Conservadora das Américas. É um assunto primordial no
Brasil? O Foro de São Paulo precisa de um contraponto?
Não.
O Presidente Fernando Henrique, em uma entrevista que concedeu recentemente,
coloca alguma coisa de que isso é uma
falsa questão. Nós não estamos na discussão de comunistas versus anticomunistas, não é isso que está sendo debatido no País.
Isso beira uma certa fantasia. O que nós temos de fortalecer são as
instituições democráticas do País.
Como é que o centro político do
País deve se organizar, após uma eleição na qual se fragmentou e sofreu uma
derrota significativa?
Primeiro fazer uma
autocrítica bem-feita. Se nós perdemos relevância na política nacional - e eu
estou me colocando junto - seguramente, isso não vem por acertos, vem por
erros. Segundo, eu acho que o nosso papel nesse momento é debater, apresentar
boas propostas para o país. A terceira coisa é a gente ter paciência e não ser
precipitado. Tem um quadro que vai decantar agora naturalmente. Qualquer
movimento agora é um movimento fora de hora. Todo movimento que a gente puder ajudar, seja o Renova, o Agora!, o Livres,
para produzir novas lideranças, que tenham capacidade de pensar o País. É
visível o vazio de lideranças que se formou no País nesses últimos tempos. Tem muito tempo que não se injeta sangue no
Congresso e agora tem. Quando chegar
eleições municipais precisamos ter mais gente nova e qualificada disputando
prefeituras, disputando Câmaras municipais e perder esse preconceito.
O empresário Luciano Huck já é um
desses líderes?
Fizemos
uma mesa aqui recente, eu, ele (Luciano
Huck) e o Edu (Eduardo Mufarej, empresário) discutindo formação
de lideranças, foi um belo debate. Eu acho que o Luciano quando ele decidiu não
ser candidato ele simultaneamente decidiu continuar ajudando na formação de
lideranças, foi uma atitude bacana. Acabou a eleição ele deu uma entrevista
dizendo: 'Olha, estou dentro, vou continuar participando'. Ele está mantendo a
vida profissional dele com sucesso e ao mesmo tempo dando uma contribuição
nesse campo de formação de lideranças.
E o PSDB? Qual vai ser o papel do PSDB? O ex-presidente
Fernando Henrique admitiu até deixar o partido se a legenda tomar uma posição
de apoio irrestrito ao governo Bolsonaro. Como será a participação do PSDB na
formação desse novo centro?
Eu sou um social-democrata
que aprendeu com a vida as limitações de meios. Acho que você operar na
política brasileira sem olhar a desigualdade social, esquece, né? Estou fazendo
isso para chegar dentro do PSDB. Por que eu acho que tem que ter calma e não
ter precipitação? As coisas precisam decantar. Fui fundador do PSDB. Eu tenho muitos amigos dentro do PSDB e tenho
que ser cauteloso em relação a isso.
Seguramente, quando eu falo no campo reformista do País - da centro-esquerda
até os liberais reformistas da economia - essa turma está dentro disso. Não
adianta precipitar. É passo a passo, vamos ver o que mais à frente a gente faz
em termos de diálogo nesse campo.
Mas esse movimento não terá
de convergir em um partido ?
Bem provável. Mas não está
na hora de mexer com o partido. Eu estou muito cauteloso com as palavras até
aqui, me perdoe. Mexer com o partido agora é gastar energia boa com uma ação
que não é uma ação construtiva no momento. Também não quero fugir de nenhuma
resposta. Acho que esse momento vai chegar e na hora que chegar a gente discute
essa questão de uma maneira muito aberta e transparente. Mas não é hora para
isso. A hora nossa é de formar novas lideranças, é de apresentar boas políticas
públicas, boas propostas para esse momento que o País está vivendo, de ajudar
para distensionar o País, para diminuir a intolerância, a intransigência, essa
coisa raivosa e às vezes até odienta que a gente tem percebido nas redes e
infelizmente também nas ruas. Acho que temos uma agenda boa para trabalhar nesses
primeiros tempos de 2019. Vou cumprir uma missão profissional na vida privada,
mas vou estar também dedicado em ajudar numa ação de boa política, de política
de qualidade.
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
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