quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Notas sobre as Tribulações de Theresa May


                    

          Talvez o erro básico não esteja com a pobre Theresa May, mas a sorte madrasta que persegue os imprudentes não pode ser afastada com manobras apressadas e exorcismos baratos.
            A imprudência é falta grave aos olhos dos deuses. Líderes prudentes não apóiam os próprios planos contando com a derrota da infeliz Mrs May, como sucedeu com Boris Johnson.
             Mas afastemos o incidental de nossas preocupações, pois males mais sérios nos defrontam.
              De suas sepulturas ou dos próprios asilos, os lideres conservadores e trabalhistas que afinal tinham vencido o temível obstáculo de De Gaulle, como poderiam eles supor que, após o seu desaparecimento político, surgissem na Álbion próceres suficientemente estúpidos (ou levianos) que beirassem a insanidade em co- locar em jogo - e, por conseguinte, em risco - o que demandara aos respectivos antecessores uma existência política para tornar realidade?
                Os estultos sóem jogar ao vento as laboriosas construções passadas, de que não participaram, nem sequer dedicaram tempo para considerar o que lhes traria a perda respectiva, exposta a preciosa conquista aos ventos da incúria, sem uma onça de prudência e reflexão, mas largada aos despautérios dos desastres da imbecilidade, daqueles que vivem ao sabor de palpites e calamitosas apostas.
                 Agiu conforme às próprias luzes o Primeiro Ministro David Cameron, que, como se fora piparote, ou espúrio jogo de azar, decidira que era outra vez tempo de testar o que gente sábia jamais poria em risco, eis que não se semeiam nem ventos, nem tempestades, para que os pósteros não venham a imprecar-lhes, seja por estupidez ou leviandade. Nada pior para o político que chegue a Downing St. 10, que desprezar ou subestimar o valor das conquistas passadas. Pois se tal erro vier a cometer,  tornará breve a própria estada nesse marcante endereço, que pode soprar-lhe benfazejo, ou jogar-lhe sal no respectivo jardim, se o morador não estiver à altura dos toynbeeanos desafios daquela tão britânica residência.
                 De meia em meia vitória, a May vai construindo um caminho de rato no embate com a União Europeia. Depois de buscar evitar o voto de confiança no Parlamento, por temer-lhe o resultado,  a Primeira Ministra se descobre confrontada com o sufrágio da própria bancada, e a oposição intra-partidária, se não tem força bastante para desalojá-la de seu bunker, mostra a funda rachadura no partido de Winston Churchill, e o consequente impasse que visita aos enfraquecidos da política, num arco que vai da própria Theresa May ao sôfrego opositor intrapartidário Boris Johnson, eis que ambos não logram descortinar nas urnas parlamentares os bons signos que lhes prometam vitória.
                 O futuro costuma ser perverso com os medíocres. Ao não saber desatar o presente infernal que ela acreditara descortinar nos próprios augúrios, restará à Theresa algo de mais substancial que aquele leve, quase sub-reptício resquício de sorriso, com cativante capacidade restrita ao encantamento de líderes do porte de Donald Trump?

                  No ir e vir entre Bruxelas e Londres, um claro enigma se alevanta diante das tribulações da May. Ela não mais pode sustentar por muito uma falsa maioria, eis que forças como as de Jeremy Corbyn por ela aguardam, na volta do caminho, quando soará a hora e a vez de surgirem novos campeões e - quem sabe? - até dos velhos, como o trabalhista, que tanto valor dá às palavras a ponto de por vezes usá-las como quem desfia colar de reluzentes pérolas?   
                             
( Fontes: The New York Times, The Independent; Arnold Toynbee, Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa )           

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