sábado, 22 de dezembro de 2018

Stupid woman ?


                                            
         Jeremy Corbyn, o líder trabalhista, preza a reserva, e de um tal modo, que a sua bancada por vezes se incomoda com o seu excessivo silêncio. Afinal, ele é contra ou a favor do Brexit? Trazendo as próprias cartas muito próximo do colete, não estaria sendo demasiado discreto, e por isso até capaz de induzir em erro a seus liderados?
           Mas a atual batalha no Parlamento inglês é uma luta renhida, e as palavras stupid woman terão sido ouvidas pela bancada dos tories, e de imediato atribuídas a alguma observação ferina do leader Corbyn a respeito da Primeira Ministro.
           As novas regras do convívio humano tornariam tal comentário um anátema parlamentar a ser evitado de toda maneira. E foi o que fez o líder Corbyn, explicando à cética Premier que ele se reportava a women (mulheres no plural) e que decerto não se referia à Primeira Ministra.
             Merecendo ou não o apodo, os protagonistas dessa batalha originada do plebiscito de 2006 muita vez dedicam mais atenção a questões colaterais do que propriamente ao problema central, i.e., qual é o interesse do Povo inglês nessa questão ?
              Os pioneiros, aqueles que por primeira vez colocaram a aspiração britânica de integrar o Mercado Comum - e sofreram a negativa do general de Gaulle - pensavam no essencial da questão, e por isso não alimentavam dúvidas sobre quaisquer desvantagens que adviriam para o povo inglês, eis que se limitavam às essências do interesse nacional, e as vantagens que lhes adviriam, se comparadas com as da rede esparsa da Associação de Livre Comércio, um fraco substituto para o gordo prêmio do Mercado Comum.
                Já a leva seguinte - que não nutria dúvidas sobre as vantagens comparativas - aproveitou pressurosa a oportunidade de aceder à organização de Bruxelas. Havendo passado  pelas deficiências do substitutivo,  conheciam demasiado a questão para terem dúvidas em matéria de vantagens comparativas.

                Com os anos cinzentos da planície,  a presença do Reino Unido em Bruxelas perderia com o tempo a própria essencialidade do benefício.  Ao insular companheiro de jornada, como que recolhido na planície de uma convivência já longa, eis que lhe tornam os românticos pensamentos dos grandes triunfos da Álbion no passado, e o quanto agora, na companhia continental, lhes luziam com o brilho da ascendência nos mares e dos triunfos em terra, contra aqueles mesmos povos continentais que com ela conviviam nos grandes salões da grande organização europeia de que hoje participavam, assim como muitos outros povos sem história a ela comparável ?

                    Essa difusa insatisfação levaria ao primeiro plebiscito, que Tony Blair convocaria. Naqueles dias não se deu muita importância a que se houvesse, por vez primeira, considerado a consulta como necessária, a ponto de motivar aquela pergunta sobre a saída do mercado comum europeu.Retrógrado ou não, o desejo de secessão permanecia válido às novas gerações. Na verdade, as ilusões das glórias passadas e de um certo magnífico isolamento do Continente permaneciam. E de forma quase sub-reptícia, a possibilidade de reverter à situação anterior permaneceria válida para muitos.
                    Por isso, aquela incrível consulta no verão de 2006 seria encenada de novo. Os irredentos do passado, esquecidos das vantagens do intercâmbio com o Continente, acharam natural que David Cameron, com a mesma displicência com que cruzava os largos salões da organização continental a que ora a velha Inglaterra pertencia, também acedesse a organizar naquele período estival mais um referendo sobre se valeria a pena permanecer num bloco com todos aqueles países, alguns dos quais desconhecidos para ele ?
                       Parece que não se deram conta que aquela disjuntiva - se quer permanecer (remain) ou se quer deixar (leave) a Organização - era na verdade uma pergunta trágica, que deveria ser lida dessa maneira:  tem plena consciência das vantagens que adquiriu, e que ora concorda em abandonar, nisso contrariando o bom senso dos líderes do passado?     

                       E aquele quesito já tinha até um paraninfo - David Cameron !


( Fontes:  Folha de S. Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo )

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