terça-feira, 21 de agosto de 2018

Uma Tragédia Grega


                                     

          A minha última embaixada foi em Atenas, com que pude satisfazer um velho desejo meu de terminar a carreira na Grécia, que sempre apreciamos, tanto para conhecer melhor os monumentos da civilização helênica, quanto pela simpatia que dedicávamos a esse país.
          E  a nossa estada nessa magnífica cidade, tanto pelas oportunidades que tivemos de conhecê-la melhor, assim como pelos sítios célebres do mundo grego que tanta influência produz sobre a Humanidade, terá sido uma dádiva da Providência para que aí encerrasse a carreira.
          Mas o escopo dessa dissertação pode ser visto como a benesse suplementar  que pude colher na minha derradeira destinação diplomática.
          Chegamos a uma Grécia que, por série de circunstâncias, vivia, sem sabê-lo ou então já o suspeitando, entrevistos os sinais de uma crise no superaquecimento da economia, e em manter existência que  principiava a configurar-se como acima das potencialidades reais das respectivas condições materiais  da própria situação econômica-financeira.
           Por atrás da aparente opulência, e dos preços dos alugueres residenciais, a Grécia de então vivia no sobreaquecimento da economia, mantido  pelo recurso desmedido ao crédito, que transmitia aos observadores duas impressões distintas: a par da grande disponibilidade de bens de consumo, muitos dos participantes tinham atuação econômica que mais se baseava no crédito do que em recursos próprios. E não era só o consumi-dor helênico que se valia de tal expediente.
             Grandes e pequenos empresários recorriam ao crédito, valendo-se da então liberalidade bancária. O artificialismo era patente, e qualquer um com algum conhecimento no ramo poderia sentir que o momento inelutável da quebra, ou das dificuldades,  não poderia tardar demasiado. As grandes crises na economia... começam nas finanças. Desde o século XVIII, na regência dos Orléans na França, se nos depara o fenômeno do endividamento excessivo, acicatado pela velha esperança do enriquecimento fácil, em que a banca costuma ser devorada por sanhudas inversões, grandes expectativas e pequenos lucros, ao invés das prelibadas riquezas.
                Então, sem o saber por inteiro, se vivía nas incertezas de um prelúdio, cuja artificialidade crescia à volta do mercado, sem que a maior parte dos agentes sentisse ou sequer suspeitasse da condição do chão em que pisavam, mais ocupados, ao parecer,  em dedicar-se à volúpia de atividade que semelhava o decifrado enigma da prosperidade, que já imaginavam muito cerca, dentro daquele cruel jogo de uma estranha roleta que parece  apenas somar, nunca reduzir, e que dizer então da louca euforia que a tais fenômenos acompanha e que prenuncia o que irá ocorrer a todos aqueles a que consome a insana ambição, sem que sequer se dêem conta das ominosas letras na parede da festa de Baltasar.
                   Quando parti, o festim mal começara, embora já se entrevissem os primeiros sinais de uma ilusão que os muitos só percebem quando os dados já foram lançados.
                    Então o exercício é demasiado fácil, pois o descobríamos a cada esquina, diante das lojas e negócios fechados, e das longas fisionomias dos comerciantes de antes,  muita vez com moscas como seus únicos fregueses.
                     Uma coisa é enfronhar-se nas páginas do noticiário estrangeiro das falências de um país que conhecemos de perto; bem outra, é revisitar as faces tristonhas de comerciantes antes efusivos, e só poder esboçar  um meio-sorriso  para as vendedoras com a expressão vincada pela quase certeza da dispensa no fim do mês.
                      Tais desgraças sóem ser produto da hubris de uns poucos, mas como dizem os locais, serão oi polloi (os muitos) que costumam pagar o preço.            

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