sábado, 4 de agosto de 2018

Cancellier clama por Justiça


                     
          Muito oportuno o artigo de Demétrio Magnoli na Folha de hoje. A injustiça, que termina em suicídio, é mácula que tem de ser expungida, doa a quem doer.
            Há pontos importantes que não devem ser lançados ao rio do Lethes[1].  Cancellier defendeu a sua honra com a ultima ratio do homem íntegro. Por seu ato extremo, ele não poderá cuidar da própria defesa, a exemplo de outros.
            O articulista alude em seguida ao procurador Luiz Francisco,  que perseguiu a Eduardo Jorge Caldas, secretário-geral da presidência de FHC, mas que "desde o fim do governo FHC, o procurador sumiu do palco."
              Magnoli contrapõe esse exemplo ao da delegada Erika Marena,"que mandou prender o reitor" e "foge à obrigação mínima de reconhecer o erro monstruoso, preferindo inventar um processo vazio contra um colega da vítima."
               Mais adiante, Magnoli sinaliza semelhanças que fazem pensar. "De Caldas a Cancellier, mudaram os tempos. Sob o signo da Lava Jato, há cheiro de sangue no ar. Da barriga da operação anticorrupção que desvendou tantos crimes escorrem líquidos contrastantes."
                E o articulista vai além, na sua comparação: "nas suas imensas diferenças,  o acordo de imunidade judicial para Joesley e a prisão de Cancellier ilustram o desvio escuro da Lava Jato. Pois embora a Operação Ouvidos Moucos, que vitimou o reitor, não tenha ligação formal com a Lava Jato, nela pulsa o espírito do arbítrio angelical".
                  "A delegada Marena notabilizou-se na força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba. Deslocada para a Ouvidos Moucos, levou para Florianópolis uma inclinação ao espetáculo que resultou na tragédia."
                    "A acusação a Cancellier de obstrução da Justiça, tinha as marcas kafkianas clássicas: a "prova" brandida pela Polícia Federal era um ato oficial do reitor, avocando para si a condução da investigação interna. Quem, no mundo, obstrui a Justiça, por meio de decisões administrativas documentadas? Mas, sob o amparo da juíza Janaína Machado, o arbítrio fez seu curso, impondo a um inocente a "pior de todas as sentenças".
                      Segundo Magnoli, a presença de Kafka nesse processo continua. "Em janeiro, diante de modesto ato acadêmico em memória de Cancellier, a delegada Marena moveu inquérito contra o professor Áureo Moraes, chefe de gabinete da reitoria, acusando-o do "crime" de aparecer, num vídeo estudantil, à frente de cartazes de denúncia do abuso de autoridade.
                         "A Justiça converte-se em ferramenta de intimidação. 'Eles não têm nenhum cuidado com a honra alheia e são tão cuidadosos quando criticam os seus', registrou o Ministro do STF, Gilmar Mendes, conclamando o ministro Jungmann a "instalar o Estado de Direito na PF".
                          Em seguida, Magnoli alude aos "686 mil presos no Brasil, 236 mil são provisórios. A presunção de inocência está morta para essa multidão de gente sem rosto que, atrás das grades, aguarda julgamento pelo tempo médio de um ano."
                           "Na sua saga judicial contra o abuso de autoridade, Caldas lutou para limpar seu próprio nome, mas também por um princípio geral inegociável. O ato extremo de Cancellier, tão diferente na forma, aponta o mesmo norte. Quando holofotes iluminam as portas das delegacias e dos tribunais, quem não deve teme sim. Dessa vez, não é comigo ou com você. Por mero acaso."

( Fonte: artigo de Demétrio Magnoli "Cancellier, eu e você" , na Folha de S. Paulo)











[1] Rio do Olvido (mitologia helênica).
 

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