Muito
oportuno
o artigo de Demétrio Magnoli na Folha de hoje. A injustiça, que termina
em suicídio, é mácula que tem de ser expungida, doa a quem doer.
Há pontos importantes que não devem
ser lançados ao rio do Lethes[1]. Cancellier defendeu a sua honra com a ultima ratio do homem íntegro. Por seu
ato extremo, ele não poderá cuidar da própria defesa, a exemplo de outros.
O articulista alude em seguida ao
procurador Luiz Francisco, que perseguiu a Eduardo Jorge Caldas,
secretário-geral da presidência de FHC, mas que "desde o fim do governo
FHC, o procurador sumiu do palco."
Magnoli contrapõe esse exemplo ao
da delegada Erika Marena,"que mandou prender o reitor" e "foge à
obrigação mínima de reconhecer o erro monstruoso, preferindo inventar um
processo vazio contra um colega da vítima."
Mais adiante, Magnoli sinaliza
semelhanças que fazem pensar. "De Caldas a Cancellier, mudaram os tempos.
Sob o signo da Lava Jato, há cheiro
de sangue no ar. Da barriga da operação anticorrupção que desvendou tantos
crimes escorrem líquidos contrastantes."
E o articulista vai além, na sua
comparação: "nas suas imensas diferenças,
o acordo de imunidade judicial para Joesley e a prisão de Cancellier
ilustram o desvio escuro da Lava Jato.
Pois embora a Operação Ouvidos Moucos,
que vitimou o reitor, não tenha ligação formal com a Lava Jato, nela pulsa o espírito do arbítrio angelical".
"A delegada Marena
notabilizou-se na força-tarefa da Lava
Jato, em Curitiba. Deslocada para a Ouvidos
Moucos, levou para Florianópolis uma inclinação ao espetáculo que resultou
na tragédia."
"A acusação a
Cancellier de obstrução da Justiça, tinha as marcas kafkianas clássicas: a "prova" brandida pela Polícia
Federal era um ato oficial do reitor, avocando para si a condução da
investigação interna. Quem, no mundo, obstrui a Justiça, por meio de decisões
administrativas documentadas? Mas, sob o amparo da juíza Janaína Machado, o
arbítrio fez seu curso, impondo a um inocente a "pior de todas as
sentenças".
Segundo Magnoli, a
presença de Kafka nesse processo continua. "Em janeiro, diante de modesto
ato acadêmico em memória de Cancellier, a delegada Marena moveu inquérito contra
o professor Áureo Moraes, chefe de gabinete da reitoria, acusando-o do
"crime" de aparecer, num vídeo estudantil, à frente de cartazes de
denúncia do abuso de autoridade.
"A Justiça
converte-se em ferramenta de intimidação. 'Eles não têm nenhum cuidado com a
honra alheia e são tão cuidadosos quando criticam os seus', registrou o
Ministro do STF, Gilmar Mendes, conclamando o ministro Jungmann a
"instalar o Estado de Direito na PF".
Em seguida, Magnoli
alude aos "686 mil presos no Brasil, 236 mil são provisórios. A presunção
de inocência está morta para essa multidão de gente sem rosto que, atrás das
grades, aguarda julgamento pelo tempo médio de um ano."
"Na sua saga
judicial contra o abuso de autoridade, Caldas lutou para limpar seu próprio
nome, mas também por um princípio geral inegociável. O ato extremo de
Cancellier, tão diferente na forma, aponta o mesmo norte. Quando holofotes
iluminam as portas das delegacias e dos tribunais, quem não deve teme sim.
Dessa vez, não é comigo ou com você. Por mero acaso."
(
Fonte: artigo de Demétrio Magnoli "Cancellier, eu e você" , na Folha
de S. Paulo)
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