quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Nancy Pelosi, como Madam Speaker


                                            

          Sempre me surpreendeu a maneira agressiva com que a Deputada Nancy Pelosi,  líder da bancada democrata, tem sido tratada pelos republicanos da Casa, e até por alguns democratas de direita.
             Ficava a perguntar-me o que tinha de ameaçador e de desagregador essa grande líder democrata. Sem saber ao certo a motivação de tanta propaganda e de representações demoni-zantes da Pelosi, intrigava-me tanta agressividade e, mesmo, tanta propaganda negativa dessa importante líder do Partido Democrata.
              Nesse aspecto da demonização da grande líder da bancada ainda hoje minoritária dos democratas, surpreendeu-me deveras que em  recente bye-election para preencher cadeira deixada vaga, o candidato democrata que se apresentou assumiu o esdrúxulo compromisso de afastar-se da Câmara, no caso de que Nancy Pelosi fosse eleita  Speaker[1].
              Já conhecia a hostilidade que votam à Pelosi os políticos e os representantes do GOP, mas espantou-me formulasse esse esdrúxulo compromisso em dissociar-se, por antecipação de Madam Speaker Pelosi, um deputado da direita democrata.
               Paul Krugman, conhecido articulista do New York Times, cuidaria de afastar tal perplexidade, em artigo de há poucos dias atrás. Com a franqueza,  visão de conjunto que lhe são características - a par de seu conhecimento de economia e de política - esse prêmio Nobel me faria o grande obséquio de explicar as razões dessa autêntica chasse aux sorcières[2] que é empregada com comovente pertinácia pela mídia de tendência republicana ou conservadora, como se a grande política democrata fosse uma perigosa - e com olhos revoltos (wild-eyed) representante, que é descrita aos conservadores republicanos como se fora quase um perigo público.
                  O artigo de Krugman desmonta essas mentiras e mesmo calúnias, que são incen-tivadas pelos meios ditos conservadores e republicanos em geral.  O temor que o Grand Old Party vota à Pelosi se deve basicamente as suas grandes qualidades como legisladora e last but not least, enquanto Speaker - que é o termo que se atribui na Câmara de Representantes ao Presidente da Assembleia.
                    A longa permanência da maioria republicana na Câmara se deve essencialmente ao gerrymander, essa invenção americana de falsear os resultados eleitorais para as câmaras, basicamente dividindo um estado (para a eleição dos deputados) por dois ou três mega distritos, que congregam os votos de tendência democrata (liberal), e dividindo os distritos restantes entre a população que tende a votar majoritariamente pelos republicanos. 
                      Ainda que pareça tosco, o método é tristemente eficaz, eis que constitui deslavada fraude da vontade popular. Por isso, tende a ser utilizado pelo GOP, na medida em que lhe assegura bancadas que não correspondem, v.g. ao sentir político de uma comunidade estadual, eis que mascaram as bancadas, contribuindo para inchar as republicanas e adelgaçar as democratas.  Como tal sistema depende do desenho fraudulento dos distritos eleitorais, no âmbito federal,  ele só serve para a Câmara de Representantes, e é por isso que, desde o segundo ano do primeiro Governo Obama, a Câmara de Representantes tem sido presidida por Speakers do GOP, e a qualidade de o que sai dessa Assembleia tem sofrido bastante pelos agudos males de irreparável, sólida mediocridade política de uma artificialidade que não só contraria a vontade soberana do Povo americano, senão contribui com mão pesada para a baixa do nível da representação política.
                      Como mostra no seu luminoso e abrangente artigo Paul Krugman, há uma comovente disparidade entre as cavalgaduras e outras sólidas mediocridades políticas re- presentadas pelos diversos Speakers que se sucederam à Nancy Pelosi, depois que o jovem Obama converteu por um tempo a Casa Branca em um local para seminários econômicos, mas um tanto afastado da realidade do dia-a-dia estadunidense. Com o gerrymander ocorrendo na passagem do século - e da cronologia eleitoral - compreende-se o famoso shellacking (tunda) que sofreria o Partido Democrata. Perdida a maioria, e com a ajuda do censo, perde a Câmara de Representantes a presença como Speaker da excepcional Nancy Pelosi, que nos dois aninhos que restaram aos democratas de maioria na Câmara de Representantes, ela conseguiu fazer aprovar - sem nenhum voto do GOP - a reforma dos Bancos (que os republicanos ora já tratam de desfigurar), dita Reforma Financeira, e a mais importante reforma, o Affordable Care Act
                         Além disso - e este é  talvez o seu maior feito - logrou fazer aprovar pela Câmara de Representantes  a Reforma da Saúde sem nenhum voto republicano, tal foi a radicalização incentivada pelos petroleiros irmãos Koch (pronuncia-se Konk), que não querem saber de meio ambiente protegido, nem de reforma sanitária.    
                           Pelosi cresce ainda mais se a cotejarmos com o grupelho de Speakers republicanos que a sucederam, todos pavoneando uma patética mediocridade que Krugman no seu artigo no Times ressalta com a precisão e cogência que lhe são peculiares. Por isso, o Prêmio Nobel de Economia a designa com a sua escorreita precisão, como um gigante entre anões.  Os anões abrangem o dito pedófilo Dennis Hastert, John Boehner que tampouco se distinguiu por qualidades de Speaker (a sua função foi especificamente a de opor-se aos principais projetos de Barack Obama) e, por fim,  Paul Ryan,  sem presença política de relevância.  Krugman o considera flimflam[3] e  os anões obviamente sendo Dennis Hastert, John Boehner, que se distinguiu apenas em tentar contrariar todos os planos de Obama.  Assinale-se que nos dois anos em que Nancy Pelosi permanece como Madam Speaker, ela conseguiu fazer aprovar a Reforma da Saúde  (Affordable Care Act) sem um voto sequer dos republicanos, e a importante - hoje desfigurada - reforma dos Bancos, sem falar na Lei de Estímulo, que reativou a economia americana abalada pela crise das hipotecas subprime.  

  (Fonte: The New York Times, artigo de Paul Krugman )                          



[1] Speaker é o termo tradicional para designar o Presidente da Câmara de Representantes.  
[2] Caça às feiticeiras.
[3] uma ninharia, político  de pouco valor.

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