domingo, 26 de agosto de 2018

Da Intervenção Militar no Rio


                                    

         Não há negar a amplitude do desafio apresentado para a intervenção militar no Rio. Tampouco teria havido, segundo o Comandante do Exército, algum engajamento da população carioca que fosse comparável à dedicação  dos militares ao problema da criminalidade na cidade do Rio de Janeiro.
           Na verdade, porém, o povo do Rio - refiro-me, sobretudo, àquele que vive nos seus bairros residenciais - tanto a Zona Norte, quanto a Zona Sul, e que terá aguardado com confiante esperança dos efeitos pacificadores da vinda do exército para cá, por que não terá reagido diante de tal  repto, e dado a esse comando uma resposta mais interativa, e mais integrada à missão de confrontar esse desafio, que é o crescimento da criminalidade em níveis que ultrapassam qualquer expectativa?
           De uma parte, se compreende, na verdade, a insatisfação do general Eduardo Villas Bôas, pela falta de integração de outros setores da administração pública e da sociedade civil no combate à criminalidade no Rio.
           De outra, porém, não se pode dizer que o carioca não ansiasse pela vinda da força militar, com o número e o armamento necessários, para arrostar o desafio do crime na antiga Cidade Maravilhosa. Quero crer que a falta de entrosagem entre o governo do estado do Rio de Janeiro, as Forças Armadas e a população carioca veio a existir pela falta de liderança não só do poder civil, mas também do segmento castrense.
             Além da morna resistência da governança do estado, tampouco surgiu no estamento civil uma associação e até mesmo uma liderança que verbalizasse o quanto o estado do Rio de Janeiro carecia da presença militar, para que a oportunidade da intervenção pudesse sair do espaço burocrático e refletir-se como devera na realidade desta Cidade que já passou por muitos desafios - a começar pelo ataque francês no seu próprio nascimento - e durante a Colônia, após receber a governança da Bahia, atravessar esses séculos, por vezes sacudida por visitas indesejáveis de corsários e piratas, para afinal afirmar-se como sede da Corte de dois imperadores, até desembocar no evento, para alguns melancólico, de presidir ao desaparecimento da única república - leia-se democracia - como pranteou o quinze de novembro um estadista argentino - e,  não obstante seguindo através de metade do século XX ainda como capital do Brasil.
               A chamada decadência do Rio de Janeiro não é atribuível ao grande presidente Juscelino Kubitschek - pois não eram apenas frades os que clamavam pela interiorização do poder no Brasil - mas ela constitui um fator inegável, que nem uma Olimpíada será suscetível de mascarar.
                A crise do Rio de Janeiro, ela não se reflete apenas nesta cidade - e tal fato não é tão paradoxal quanto parece. O problema social no Brasil tem crescido bastante, e a Folha de S. Paulo tratou ultimamente da questão da criminalidade, e o quanto ela tem inchado no tempo recente. Para minha geração, que hoje se encaminha para outros campos, é difícil entender o veio da criminalidade e da consequente insegurança com que se torna, por vezes, uma componente intratável da sociedade. Nos dias que correm, a segurança e a tranquilidade social não mais constituem fator permanente do dia-a-dia do cidadão. Estão aí os problemas surgidos no Rio Grande do Norte, no Amazonas, e em outras paragens desses vastos Brasis, para que se tenha de abandonar, ainda que com pesar, a antiga visão idílica dos passeios públicos.
                   Mas me releve o Senhor Comandante cuja vontade de realizar plenamente a missão que lhe foi confiada pelo Senhor Presidente é clara e irrefutável.  O Rio de Janeiro, o antigo município da Corte, talvez tenha oferecido no passado uma visão idílica, quase ingênua, que vemos até hoje na marchinha de André Filho. Hoje, este sonho na realidade se transforma numa espécie de pesadelo, aumentado pelo crescimento sem controle, e também por uma infeliz governança de quem tinha muito para ter êxito, mas terá esquecido do pai as lições do trabalho sério e da honradez.
                    O seu lugar-tenente, que tampouco logrou dominar a contento o desafio da mala-vita, não terá compreendido o alcance de sua missão, General Villas-Bôas.  Da intervenção no Rio de Janeiro e das suas dificuldades, surge por último a incrível e irresponsável votação pela Assembleia Legislativa de mais vantagens para uma categoria, que, sobretudo dadas as suas consequências legais, devem ser de pronto desfeitas, pela sua manifesta ilegalidade e desrespeito tanto com o Povo do Rio de Janeiro, quanto com o grupamento militar que nos honra com sua presença.
                      Nenhum combate está perdido se o seu Comandante tem presente o próprio desafio, e a necessidade imperiosa de levá-lo a termo com o apoio de uma população que,não por acaso, já foi alcunhada de mui leal e heróica.

( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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