Não surpreende que Papa
Francisco venha a ser atacado por gente da ala ultra-conservadora da Igreja.
Que o Arcebispo Carlo Maria Viganò chegue a pedir-lhe a renúncia poderia
defini-lo como contratempo, um acidente menor no caminho, que decerto não
merece a atenção que esse gesto terá provocado.
A velhos fantasmas dos tempos dos
pontífices Borgia eles podem até tentar reviver, como eventuais tempi bui (tempos tenebrosos) na
história da Igreja, a que o oportunismo barato busca recorrer.
Assim, como a um seu grande
antecessor, Papa Francisco sói incomodar a vieille
garde, e por isso as figuras que
saem das sombras, pensando valer-se de antigas querelas ou, pior ainda,
passados ressentimentos para tentar incomodar quem, à maneira de Papa Giovanni, prefere abrir janelas
por muito tempo fechadas nos palácios vaticanos, do que mantê-las cerradas, a
exemplo de outros pontificados que se aferram à linha conservadora.
Recordo-me do longo itinerário do
bom Papa (il Papa buono), cuja
santidade, manifesta para tantos fiéis, incomodava os adeptos de um sucessor
seu, vindo do Norte, que trouxera, no dizer de teólogo de nomeada, o inverno
para a Igreja. Mas a Cúria pontifícia sói ser demasiado humana, e, por
conseguinte, condicionada às mudanças dos tempos.
Para um fiel que,
em momentos difíceis, costumasse recorrer às grutas vaticanas, na tumba de Pontífice
que morrera em aura de santidade, surpreenderia acaso que amiúde aparecessem
freirinhas que lhe despojassem o seu então pétreo leito das muitas flores que
lhe trazia a devoção de caudais de fiéis?
Naquele tempo em
que reinava um sucessor de Pedro vindo do Norte, a demasiada devoção que, no
silêncio das Grutas vaticanas, continuara a trazer flores que falavam de
esperanças nutridas por altri tempi,
aquele cristão, na sua anônima e silente devoção, contemplava, com alguma
ocasional tristeza, os intentos vãos de sufocar culto que contrariava os ares
do Papado reinante. Pois as flores, malgrado as silentes freirinhas,
continuavam a chegar, imémores dos tempos oficialistas. Pois as devoções verdadeiras,
muita vez sóem ser mais fortes e duradouras do que aquelas do gosto do Papa
reinante e de sua entourage.
Eram tempos diversos aqueles
então experimentados. De um lado, a flor solitária colocada em vaso de cristal
esguio no preito silencioso, por uma discreta freirinha. Mas por mais bem
cuidada que fosse aquela tumba, lhe faltava dos fiéis o indefinível calor. Mais
além, demorava o então pétreo leito de er
Papa Buono, a que o rio da devoção
como que despejava flores de um culto que não carecia das atenções da hierarquia,
porque vinha nas múltiplas mãos de anônimos populares. E o espectador, que atravessa horas difíceis, se abebera naquelas visões, para muitos inaferráveis. Ali chegar e
orar, era uma lição de quão vão pode ser o poder, se ousa contrariar vontade e fé
de um Povo.
Naquelas silentes, porque
espirituais audiências, ele via quão volúvel pode ser a expressão do poder.
Delegado por vezes, ele então reflete circunstâncias aleatórias. A suprema
ironia de que a devoção tem a ver amiúde com vontades temporais, que sóem ser
breves, posto que carreguem a ambição de uma força que se crê eterna enquanto
dure.
E lá ficava a meditar sobre as
contingências humanas que nos espreitam por trás daqueles rituais.
Assim, como consolo pensava na
precariedade das humanas situações. Tinha muito presente que, mais cedo ou mais
tarde, a vontade oficialista seria
varrida com a mesma naturalidade que ora preside às correntes da negação. Que
importa se na obstinação do império negavam-lhe a crescente presença da fé?
E, não obstante, ele via aquele
estranho ritual com muita tristeza. Pois lhe assaltava a dúvida de que não mais
lá estaria, quando todo aquele exercício contra a fé seguisse o seu curso, e os
diligentes instrumentos da vontade temporal desaparecessem por fim, tangidos
pelos ventos da circunstância que lhes estavam acima, muito acima do que então
poderia imaginar.
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