Como nota o New York Times,
uma das características da obstrução é a de aparecer nas fases finais do
processo. É um recurso extremo da autoridade.
Dada a gravidade desta ofensa, não é que apareça nas fases iniciais, em
que nos caules das flores há ainda poucos espinhos. Ela irrompe quando o
sujeito da ação sente que não há muito a perder, e como no ditado francês il
faut risquer le tout par le tout[1].
O articulista do New York Times - porque aqui se trata de editorial do jornal -
aponta para a implícita gravidade da situação de Mr Trump. O ano de 2017 ainda
não terminou e o homem que, por uma série de circunstâncias, negou a Hillary
Clinton, primeira mulher a pleitear com real chance de vitória a presidência,
que ela viesse a empolgá-la, pretende continuar presidente aferrando-se a uma
tese já ultrapassada.
Como bem assinala o editorial do Times, Trump reconhece ter um problema
sério, em menos de onze meses de exercício, e já carece de apoiar-se na
definição de Richard Nixon de o que é legal.
Dessarte, a abstrusa tese de John
Dowd, principal advogado pessoal de Trump, que em entrevista disse: "o
Presidente não pode obstruir a justiça, porque ele é a principal autoridade de
implementação da Lei, segundo a Constituição,
e tem todo direito de expressar a sua opinião sobre qualquer caso".
Isto será novo para o Congresso, que
já aprovou leis criminalizando a obstrução de Justiça, e que por duas vezes nas últimas quatro
décadas determinou que quando um presidente viola essas leis ele comete uma
ofensa digna de impeachment.
Assim, em 1974, o primeiro artigo do
impeachment redatado pela Casa de
Representantes acusava o Presidente Nixon de "interferir ou tentar interferir com a condução de
investigações pelo Departamento de Justiça
dos Estados Unidos, pelo Bureau
Federal de Investigações, pelo
escritório da Força Especial da Promotoria de Watergate."
Por sua vez, o Presidente Bill
Clinton sofreu o impeachment pela Casa de Representantes, entre outras coisas, por ter
"prevenido, obstruído e impedido a administração da Justiça" e por
ter-se "engajado pessoalmente e através de seus subordinados e agentes, em
um curso de conduta ou esquema que visava a atrasar, impedir, encobrir e
esconder a existência de provas e testemunho". Cabe assinalar, contudo,
que o impeachment neste caso não foi
levado a termo, porque o Senado Federal votou pela permanência de Bill Clinton
à testa do Poder Executivo estadunidense.
Na manhã de sábado, sob o impacto
da bomba que foi a confissão de culpa por Michael Flynn, o ex-Assessor de
Segurança Nacional do Presidente, por mentir para os agentes do FBI sobre as suas comu- nicações com autoridades
russas no final do ano passado, Mr Trump
tuitou: "Tive de despedir o general Flynn porque ele mentiu para a
vice-Presidente e o FBI".
É bom lembrar que a
justificativa original pela exoneração de Mr Flynn tinha sido simplemente que
ele enganara o Vice-Presidente, mas, além disso, nada fizera de errado. Esta foi a justificativa feita por Mr Trump
no dia seguinte à demissão de Mr Flynn, quando o presidente alegadamente tentou
encerrar o inquérito do FBI nas ligações
de sua campanha com autoridades russas, ao dizer para James Comey, que era
então o diretor do FBI, em um encontro privado no Escritório Oval: "Eu
espero que V. se organize a sua atividade de modo a afastar-se disso, e assim
deixar Flynn partir."
Em maio, Mr Trump demitiu Mr
Comey, falando para autoridades russas
no Escritório Oval no dia seguinte, que a exoneração de Mr Comey o tinha livrado de "grande
pressão" sobre ele, e referindo-se a Mr Comey como "um
doido". Em uma entrevista com a
NBC, Mr Trump disse: "Quando decidi
fazer aquilo, disse para mim mesmo, 'Você sabe, esta coisa russa com Trump e a
Rússia é uma história inventada.'
Já foi bastante ruim para o Presidente tentar interferir de algum modo com a implementação da lei na investigação de um dos seus mais importantes assessores. Mas no tuíte de sábado, Mr Trump admitiu que ele sabia que Mr Flynn havia cometido um crime federal na época em que ele demitira Mr Comey por recusar-se a interromper a sua investigação do seu alto ex-auxiliar. Para a maior parte das pessoas capazes de formar um juízo, isto soa como se Trump estivesse admitindo "interferir, ou tentar interferir com a condução de investigações" e "impedir a administração da Justiça."
Já foi bastante ruim para o Presidente tentar interferir de algum modo com a implementação da lei na investigação de um dos seus mais importantes assessores. Mas no tuíte de sábado, Mr Trump admitiu que ele sabia que Mr Flynn havia cometido um crime federal na época em que ele demitira Mr Comey por recusar-se a interromper a sua investigação do seu alto ex-auxiliar. Para a maior parte das pessoas capazes de formar um juízo, isto soa como se Trump estivesse admitindo "interferir, ou tentar interferir com a condução de investigações" e "impedir a administração da Justiça."
Mr Dowd confundiu o país ainda
mais ao dizer que ele próprio havia redigido o tuíte - estranha pretensão para um advogado que
prepara uma declaração que incrimina o seu cliente. Então, ele foi ainda além,
com a asserção para Axios de que não é possível para um presidente obstruir a Justiça.
O argumento, pelo que ele vale, é que o presidente é o mais alto agente na
implementação da Lei, e tem autoridade constitucional para supervisionar e
controlar o Executivo, o que inclui tomar decisões sobre investigações e
pessoal.
Mas mr Trump não tentou apenas encerrar algum caso even-tual sem
renome. Ele tentou encerrar uma investigação nos próprios laços com os esforços
do governo russo para mudar a direção da eleição de 2016 em seu próprio
favor. Como essa investigação continua a
revelar, os prin-cipais associados de Mr
Trump tem sido sistematicamente mentirosos acer-ca de seus contatos e
comunicações com autoridades russas.
No tuíte de sábado, Mr
Trump também escreveu. "É uma ver-gonha porque as suas ações durante a
transição foram legais. Não havia na-da a esconder!" Se realmente não
havia nada a esconder, se essas conversas com os russos eram só parte de um
processo normal de transição presiden-, cial, por que então todas essas
mentiras?
Qualquer criança poderia dizer-lhe
a resposta: As pessoas mentem quando sabem que fizeram algo de errado. Mr Flynn
e outros na campanha de Mr Trump e na equipe de transição estavam secretamente
ten- tando sabotar a política externa dos Estados Unidos, enquanto cidadãos pri-vados - o que não é só errado, mas uma violação
criminosa da Lei Logan. Pior, a política que estava sendo sabotada era a
punição pelo Presidente Barack Obama de um adversário estrangeiro por causa de
sua interferência em uma eleição americana, e os sabotadores - o time de Mr
Trump - eram exatamente as pessoas que mais diretamente se beneficiaram com
aquela interferência.
Por causa de alguma
perspectiva histórica, Richard Nixon uma vez mais é de utilidade.Nos últimos
dias da campanha presidencial de 1968, Mr Nixon determinou que H.R.
Haldeman, mais tarde seu diretor de
gabinete, para jogar um "macaco"
nas conversações de paz vietnamesas, sabendo que um movimento pra-valer
para terminar a guerra prejudicaria as suas chances presidenciais. Mr Nixon
negou esse fato até a sepultura; as notas de Mr Haldeman, descobertas depois de
sua morte, reve- laram a verdade.
Entrementes, como as
provas tanto de subterfúgio, quanto de
obstrução continuam a crescer, os incansáveis enroladores de Mr Trump e os
sofistas estão trabalhando para convencer o público americano que tudo isso não
é grande coisa. É um embaraçoso e nada persuasivo argumento, mas ele não é
surpreendente. Nesse ponto, já não lhes
resta nada mais para o que apelar.
( Fonte: Editorial do 'The New York Times'
)
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