terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Trump: Obstrução de Justiça ?

                              

        Como nota o New York Times, uma das características da obstrução é a de aparecer nas fases finais do processo. É um recurso extremo da autoridade.  Dada a gravidade desta ofensa, não é que apareça nas fases iniciais, em que nos caules das flores há ainda poucos espinhos. Ela irrompe quando o sujeito da ação sente que não há muito a perder, e como no ditado francês il faut risquer le tout par le tout[1].
        O articulista do New York Times - porque aqui se trata de editorial do jornal - aponta para a implícita gravidade da situação de Mr Trump. O ano de 2017 ainda não terminou e o homem que, por uma série de circunstâncias, negou a Hillary Clinton, primeira mulher a pleitear com real chance de vitória a presidência, que ela viesse a empolgá-la, pretende continuar presidente aferrando-se a uma tese já ultrapassada.
         Como bem assinala o editorial do Times, Trump reconhece ter um problema sério, em menos de onze meses de exercício, e já carece de apoiar-se na definição de Richard Nixon de o que é legal.
          Dessarte, a abstrusa tese de John Dowd, principal advogado pessoal de Trump, que em entrevista disse: "o Presidente não pode obstruir a justiça, porque ele é a principal autoridade de implementação da Lei, segundo a Constituição,  e tem todo direito de expressar a sua opinião sobre qualquer caso".
          Isto será novo para o Congresso, que já aprovou leis criminalizando a obstrução de Justiça,  e que por duas vezes nas últimas quatro décadas determinou que quando um presidente viola essas leis ele comete uma ofensa digna de impeachment.
           Assim, em 1974, o primeiro artigo do impeachment redatado pela Casa de Representantes acusava o Presidente Nixon de "interferir ou tentar interferir com a condução de investigações pelo Departamento de Justiça
dos Estados Unidos, pelo Bureau Federal  de Investigações, pelo escritório da Força Especial da Promotoria de Watergate."
            Por sua vez, o Presidente Bill Clinton  sofreu o impeachment pela Casa de Representantes, entre outras coisas, por ter "prevenido, obstruído e impedido a administração da Justiça" e por ter-se "engajado pessoalmente e através de seus subordinados e agentes, em um curso de conduta ou esquema que visava a atrasar, impedir, encobrir e esconder a existência de provas e testemunho". Cabe assinalar, contudo, que o impeachment neste caso não foi levado a termo, porque o Senado Federal votou pela permanência de Bill Clinton à testa do Poder Executivo estadunidense.
              Na manhã de sábado, sob o impacto da bomba que foi a confissão de culpa por Michael Flynn, o ex-Assessor de Segurança Nacional do Presidente, por mentir para os agentes do FBI  sobre as suas comu- nicações com autoridades russas no final do ano passado,  Mr Trump tuitou: "Tive de despedir o general Flynn porque ele mentiu para a vice-Presidente e o FBI".
                É bom lembrar que a justificativa original pela exoneração de Mr Flynn tinha sido simplemente que ele enganara o Vice-Presidente, mas, além disso, nada fizera de errado.  Esta foi a justificativa feita por Mr Trump no dia seguinte à demissão de Mr Flynn, quando o presidente alegadamente tentou encerrar o inquérito do FBI  nas ligações de sua campanha com autoridades russas, ao dizer para James Comey, que era então o diretor do FBI, em um encontro privado no Escritório Oval: "Eu espero que V. se organize a sua atividade de modo a afastar-se disso, e assim deixar Flynn partir."
                Em maio, Mr Trump demitiu Mr Comey,  falando para autoridades russas no Escritório Oval  no dia seguinte,  que a exoneração  de Mr Comey o tinha livrado de "grande pressão" sobre ele, e referindo-se a Mr Comey como "um doido".  Em uma entrevista com a NBC, Mr Trump disse:  "Quando decidi fazer aquilo, disse para mim mesmo, 'Você sabe, esta coisa russa com Trump e a Rússia é uma história inventada.'
                Já foi bastante ruim para o Presidente tentar interferir de algum modo com a implementação da lei na investigação de um dos seus mais importantes assessores. Mas no tuíte de sábado, Mr Trump admitiu que ele sabia que Mr Flynn havia cometido  um crime federal na época em que ele demitira Mr Comey por recusar-se a interromper a sua investigação do seu alto ex-auxiliar.  Para a maior parte  das pessoas capazes de formar um juízo, isto soa como se Trump estivesse admitindo "interferir,  ou tentar interferir com a condução de investigações" e "impedir a administração da Justiça."
                Mr Dowd confundiu o país ainda mais ao dizer que ele próprio havia redigido o tuíte  - estranha pretensão para um advogado que prepara uma declaração que incrimina o seu cliente. Então, ele foi ainda além, com a asserção para  Axios de que não é possível para um presidente obstruir a Justiça. O argumento, pelo que ele vale, é que o presidente é o mais alto agente na implementação da Lei, e tem autoridade constitucional para supervisionar e controlar o Executivo, o que inclui tomar decisões sobre investigações e pessoal.
                    Mas mr Trump não tentou apenas encerrar algum caso even-tual sem renome. Ele tentou encerrar uma investigação nos próprios laços com os esforços do governo russo para mudar a direção da eleição de 2016 em seu próprio favor.  Como essa investigação continua a revelar, os  prin-cipais associados de Mr Trump tem sido sistematicamente mentirosos acer-ca de seus contatos e comunicações com autoridades russas.
                    No tuíte de sábado, Mr Trump também escreveu. "É uma ver-gonha porque as suas ações durante a transição foram legais. Não havia na-da a esconder!" Se realmente não havia nada a esconder, se essas conversas com os russos eram só parte de um processo normal de transição presiden-, cial, por que então todas essas mentiras?
                    Qualquer criança poderia dizer-lhe a resposta: As pessoas mentem quando sabem que fizeram algo de errado. Mr Flynn e outros na campanha de Mr Trump e na equipe de transição estavam secretamente ten- tando sabotar a política externa dos Estados Unidos, enquanto cidadãos pri-vados  - o que não é só errado, mas uma violação criminosa da Lei Logan. Pior, a política que estava sendo sabotada era a punição pelo Presidente Barack Obama de um adversário estrangeiro por causa de sua interferência em uma eleição americana, e os sabotadores - o time de Mr Trump - eram exatamente as pessoas que mais diretamente se beneficiaram com aquela interferência.
                       Por causa de alguma perspectiva histórica, Richard Nixon uma vez mais é de utilidade.Nos últimos dias da campanha presidencial de 1968, Mr Nixon determinou que H.R. Haldeman,  mais tarde seu diretor de gabinete, para jogar um "macaco"  nas conversações de paz vietnamesas, sabendo que um movimento pra-valer para terminar a guerra prejudicaria as suas chances presidenciais. Mr Nixon negou esse fato até a sepultura; as notas de Mr Haldeman, descobertas depois de sua morte, reve- laram a verdade.
                      Entrementes, como as provas  tanto de subterfúgio, quanto de obstrução continuam a crescer, os incansáveis enroladores de Mr Trump e os sofistas estão trabalhando para convencer o público americano que tudo isso não é grande coisa. É um embaraçoso e nada persuasivo argumento, mas ele não é surpreendente.  Nesse ponto, já não lhes resta nada mais para o que apelar.

( Fonte: Editorial do 'The New York Times' )



[1] É preciso arriscar tudo se se deseja mantê-lo

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