O presidente Vladimir Vladimirovich Putin anunciou na quarta-feira que se
candidatará às eleições de março de 2018. Será o seu quarto mandato como
presidente, o que o manteria no poder até 2024.
Não é que haja alguma dúvida no Povo e
na mídia russos de que gospodin Putin
sempre teve tal propósito em mente. Ele está no poder desde o ano 2000, quando
foi convidado por Boris Ieltsin, então presidente, para tornar-se Primeiro
Ministro. Depois de livrar-se dos oligarcas,
seria eleito presidente de 2004 a 2008, quando passaria a Dmitry Medvedev, seu fiel imediato, a presidência e ele ficaria
como Primeiro Ministro. Essa jogada se
destinara a dar-lhe um período de pouca exposição, pelo desgaste que sofreu no
primeiro periodo presidencial. O fiel
Medvedev ocupou a presidência e embora não restassem dúvidas sobre quem empolgava
o poder, Putin ficou de bom grado na
penumbra, deixando a Medvedev os encargos da presidência até a primavera de
2011, quando voltou a ser presidente, reassumindo Medvedev como Primeiro
Ministro.
Agora Putin se prepara para nova
reeleição. A autocracia russa é infelizmente uma tradição. Vladimir Putin,
antigo KGB, estava na Alemanha Oriental (DDR) quando a estação de Dresden foi
'ameaçada' por demonstrantes alemães orientais. Ele teria defendido os arquivos
dessa estação, alegadamente impedindo que os alemães deles se apossassem.
A sua carreira posterior seria na
prefeitura de Saint Petersburg, cidade na qual nascera em 1952, quando se
chamava Leningrado, e suportara o cerco mais longo de sua história, pelos
exércitos invasores alemães. Masha Gessen nos fala em seu livro sobre a
improvável ascensão de Vladimir Putin.O fato mais estranho dela é que as
pessoas que o elevaram ao trono pouco ou
quase nada dele sabiam. Mas quando Berezovsky o considerou como um sucessor
para Boris Yeltsin, "ele terá presumido que as mesmas qualidades que os
tinham mantido longe dele, tornariam
Putin o candidato ideal. Sendo aparentemente despojado de personalidade e de
interesse pessoal, tais 'qualidades' o fariam tão maleável, quanto
disciplinado. Berezovsky não poderia estar mais equivocado."
E, pergunta-se Masha Gessen "o
que sabia Boris Yeltsin acerca de seu sucessor a ser ungido proximamente? Ele
sabia que era um dos poucos homens que tinha permanecido leal a ele. Sabia que
era de geração diversa daquele dele Yeltsin, de seu inimigo Primakov, e do seu
exército de governadores, e que não tinha ascendido pelas fileiras do Partido
Comunista, e não teve, portanto, de mudar publicamente as próprias alianças
quando do colapso da União Soviética. Ele parecia diferente de todos aqueles
homens, sem exceção marcados e para sempre enrugados. Putin, ao invés, era
pequeno e agora com o hábito de ternos
europeus bem cortados, e parecia por isso muito mais com a nova Rússia que
Ieltsin prometera para seu povo dez anos atrás. Yeltsin também, acreditava, ou pensava que
sabia, que Putin não permitiria a perseguição, judicial ou não, do próprio
Yeltsin após a sua aposentadoria. E se
Yeltsin ainda possuísse mesmo uma fração de sua capacidade de sentir político,
ele saberia que os russos iriam gostar desse homem que estavam herdando, e que
herdaria a eles. A nove de agosto de 1999, Boris Yeltsin nomeou Vladimir Putin
como Primeiro Ministro da Rússia. Uma semana mais tarde, seria confirmado por
uma larga maioria da Duma: ele se mostrou tão digno de ser apreciado, ou pelo
menos livre de objeções, quanto Yeltsin tinha intuído.
Não pretendo, outrossim, cansar os
leitores com as marcas que caracterizariam a trajetória ulterior de Vladimir
Putin, que se ocupa, em grande parte, o livro da professora americana Karen
Dawisha "A Cleptocracia de Putin". Ele nos leva até a anexação ilegal
da Criméia, uma 'vingança' de Putin, na primavera de 2014. A resposta
americana, tomada pessoalmente por Obama, sinalizou os cupinchas de Putin, nas
suas contas e nas próprias empresas. Porque bem escolhidas, tais sanções
golpearam fundo. O povo ucraniano desejava a aproximação com a União Europeia,
e não com a União aduaneira com a Rússia, que era o prato oferecido por Putin e
aceito pelo então presidente Viktor Yanukovych.
O corrupto Yanukovych, que
mandara prender politicamente a sua rival na eleição presidencial, e anterior
Primeira Ministra Yulia Timoshenko, foi escorraçado do poder pela revolução
popular da Praça Maidan, em 16 de março
de 2014.
Por força dessa revolução, Yulia
Timoshenko sairia do hospital-cárcere em que fora encerrada, por julgamento
político, ordenado pelo seu rival Yanukovych. Ela logo viria a Kiev, para
associar-se a então já vitoriosa Maidan.
No própria júbilo, eis que
Maidan era a manifestação política por um acordo com a União Europeia, que
abrisse para a Ucrânia as perspectivas da C.E., e não o ramerrame da União
aduaneira com a Rússia.
O que os patriotas ucranianos não
contavam seria a violenta reação do Senhor do Kremlin, que desencadearia, em
curto intervalo, um processo de "espontânea insurreição" nas
províncias orientais e nas áreas limitrófes com o urso russo. Por ver-se livre
de um governante corrupto, e que nada via senão a união com Moscou, o povo
ucraniano pagaria um alto preço a gospodin Putin, eis que logo irromperia com
uma hitleriana gana um "processo revolucionário" que reviveria velhos
e esquecidos planos de revoltas secessionistas no oriente ucraniano.
A cynosure[1] deste projeto estava, na
realidade, na Crimeia, para a qual o Kremlin organizou, no estilo nazista, uma
invasão militar, supostamente a pedido de quislings
locais, por um estranhamente descaracterizado exército russo. Por essa cínica
conquista, a ONU - que não pode condená-la pelo Conselho de Segurança, porque a
Rússia vetaria - sô pôde cingir-se a uma recomendação da Assembléia Geral das
Nações Unidas. Nesse particular a diplomacia do Itamaraty, sob as ordens de
Dilma Rousseff, ignara tanto da Constituição, quanto da tradição de nossa
política externa, manchou a própria memória abstendo-se - e não votando contra,
como devera - da absurda anexação manu
militari da Crimeia pela Federação Russa. Tristemente, o que as nossas
instâncias competentes deveriam ter afirmado, e pela instância das Nações
Unidas, só constou de relevante artigo "Os perigos do revisionismo
territorial", publicado em O Globo de 3 de maio de 2014, e da pena dos
professores Monica Herz e João Nogueira (do Instituto de Relações Internacional
da PUC-Rio): "A complacência brasileira diante da intervenção na Crimeia
em abril compromete a credibilidade de uma política externa que,
tradicionalmente, se pauta pela defesa dos princípios da igualdade e da não
intervenção."
Na terra do Barão do Rio Branco e
de Alexandre de Gusmão, por temores ou abjetos interesses, os representantes de
então só puderam seguir, ou melhor, rastejar nas supostas conveniências do
chavascal que se lhes deparava.
Gospodin
Putin defende uma ideologia que mal esconde a sua tendência de afirmar a
própria força junto aos paises, que com a Federação Russa tem talvez a má-sorte
de colindar.
Tal é especialmente sentido pelos
seus vizinhos, sobretudo os menores, como já se verificou em muitos exemplos
que aqui não cabe elencar. Existe no idioma russo uma expressão que levanta
suspicácias nos países com que mantém fronteiras comuns. É a expressão estrangeiro próximo,
que abre a possibilidade de disposições legais ou administrativas, que tendem a
constar das relações, seja administrativas, seja políticas, seja consulares, com
tais nações vizinhas.
Mas esse despretensioso artigo já se estende demasiado, e ainda não
tratou de aspectos relevantes. Esse quarto mandato, que a eleição prevista para
março de 2018 representa o Rubicon a ser cruzado, e lhe daria a possibilidade
de ficar 25 anos no poder, vale dizer, no Kremlin.
O grande adversário de Putin é
Alexis Navalny, a quem não falta coragem para enfrentar o Presidente. A
situação atual já cuidou, à maneira soft do
Kremlin, de inviabilizar a candidatura de Navalny - cuja popularidade é
indubitável - pela suposta via
judiciária (esse ramo do poder estatal, nominalmente autônomo, que não o é no
regime legal-autoritário, instituído por Putin).
Por sua coragem - assinale-se
que vários adversários putativos do Senhor do Kremlin já desapareceram, em
geral através de contract-killers -
Alexis Navalny é uma figura popular e carismática. Participou de muitas manifestações em
Moscou e alhures, mas agora as autoridades democráticas russas tornaram
proibitivo esse gênero de protesto.
Quanto à condenação, por um
tribunal de província, de uma suposta transação faltosa de Navalny, há poucas
dúvidas de que se trata de acusação forjada. Por essa alegada improbidade
administrativa, o candidato Navalny foi condenado a cinco anos de prisão. A
pena está suspensa, por que na verdade, o que interessa para o Poder é ela ser
aplicada no caso de querer concorrer com o presidente. E o leque da autocracia
se abre ainda mais com várias condenações por fomentar protestos.
Há poucas dúvidas quanto ao
estágio de corrupção na Federação Russa. O seu longo braço - em um Estado tradicionalmente caracterizado
pela força - estará sempre disponível, no caso de que uma eventual ameaça de um
candidato numericamente forte para ameaçar o poder de alguém que, se não tem
estatura de gigante - tem presença marcante em uma terra que só conhece regimes
democráticos, em breves clarões, que logo são sucedidos por autocracias ou,
como afirma a experta em Rússia, a professora Karen Dawisha, na contra-capa de
seu livro "A Cleptocracia de Putin" : "Jornalistas russos
escreveram parte dessa história quando a
mídia russa ainda era livre. Muitos deles morreram por causa desta história, e
o seu trabalho foi apagado em grande parte da Internet, e até das bibliotecas
russas. Mas uma parte desse trabalho permanece."
( Fontes: Putin's Kleptocracy - Who owns
Russia?, de Karen Dawisha; "The Unlikely Rise of Vladimir Putin", Masha
Gessen; O Estado de S. Paulo.)
[1]
centro de atração ou interesse.
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