Ao julgar um pedido de suspensão do pagamento do auxílio-moradia a
todos os juízes, inclusive aos que têm casa própria e já residem na mesma
cidade em que estão lotados, como assinala a nota-editorial de O Estado de
S.Paulo, o ministro Luiz Fux, do STF, deixou de lado a questão do mérito e
optou por decidir com argumentos meramente formais. Começou dizendo que,
havendo sido o pedido feito por uma ação popular, o meio empregado pela
legislação em vigor não pode ser usado para questionar decisões judiciais.
Vale assinalar que a decisão
a que Fux se refere foi tomada por ele próprio há mais de três anos, quando
determinou o pagamento do auxílio-moradia aos juízes federais, por meio de uma
simples liminar.
Em seguida, como assinala a nota-editorial
do Estadão, ele ampliou o benefício para
membros da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar e dos Tribunais de Justiça.
E, não contente com essa distribuição, invocou a "simetria entre as carreiras", que estão
entre as mais bem pagas da administração pública, equiparou a verba paga aos magistrados ao valor pago
aos membros do Ministério Público.
O mais preocupante na matéria é
que"apesar dos recursos judiciais que foram impetrados na época contra
essas decisões, até hoje Fux não as julgou. E como também não encaminhou o caso ao plenário, desde então os cofres
públicos tem sido obrigados, mensalmente, a bancar o pagamento do auxílio
moradia - que é hoje de R$ 4.377,73. Pelas estimativas da AGU, a manutenção das
liminares concedidas por Fux já custou R$ 1 bilhão aos contribuintes. Pelos
cálculos da Consultoria Legislativa do Senado, o valor é estimado em R$ 1,6
bilhão.
Além de ser inconstitucional, como algnns ministros do STF já reconheceram publicamente, o auxílio-moradia
tem uma característica perversa, do ponto de vista moral. Como ele é pago a
título de benefício "indenizatório" e não "remuneratório",
os valores não estão sujeitos ao teto salarial do funcionalismo estabelecido
pela Constituição. Graças a esse subterfúgio, os beneficiários do
auxílio-moradia podem ultrapassar o limite de remuneração de R$ 33,7 mil.
Atualmente, o benefício é concedido
a 88 ministros de tribunais superiores, 2.381 desembargadores, 14.882 juízes de primeira instância, 2.390
procuradores do Ministério Público da União e a 10.687 promotores dos
Ministérios Públicos estaduais. E, embora os tribunais de contas não pertençam
ao Judiciário, pois são órgãos auxiliares do Legislativo, os nove Ministros do
Tribunal de Contas da União e os 553 conselheiros dos tribunais de contas dos
Estados,Distrito Federal e municípios também recebem o auxílio-moradia, em nome
da isonomia.
As decisões de Fux nessa matéria, que
beneficiam sua filha - desembargadora no Rio de Janeiro - têm sido apoiadas por
entidades de juízes e procuradores. Segundo seus porta-vozes, como o Executivo
não tem reajustado anualmente os salários das duas categorias,
"desvalorizando seus pleitos", o
Judiciário e o Ministério Público não tiveram alternativa a não ser
multiplicar os penduricalhos de natureza indenizatória, para poder burlar o
teto constitucional. Por mais imoral que seja, essa estratégia chegou a ser
endossada publicamente há alguns anos pelo presidente de um Tribunal de Justiça
de São Paulo, reconhecendo que os penduricalhos são "disfarce para
aumentar um pouquinho os salários, o que permite que procuradores e juízes não
tenham depressão, síndrome de pânico e AVCs".
Esse é apenas um dos lados do
problema. O outro está no modo de
funcionamento do STF. Apesar de ser um órgão colegiado, seus ministros se
sentem à vontade para engavetar processos ou abusar das decisões monocráticas.
O adiamento das decisões por tempo indefinido cria fatos consumados e impede o
desfecho dos julgamentos. A decisão
monocrática permite que os ministros se apropriem individualmente de um poder institucional, que é a manifestação do
plenário. Nos dois casos, a decisão
do colegiado acaba sendo evitada por longos períodos, o que tende a favorecer
corporações, o desprezo do interesse público e, acima de tudo, o descumprimento
da ordem jurídica, como os despachos do ministro Fux têm deixado claro no caso do auxílio moradia.
( Fonte: O Estado de S.
Paulo )
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