Inaugurado em 2014, o aeroporto de
Nacala se destaca em Moçambique. Situado
no norte daquele país, esse aeroporto é uma jóia arquitetônica. Saído de
escritório de arquitetura em São Paulo,
é formado por um jogo de curvas e retas que levou para esse país africano o
modernismo.
No entanto, Nacala tem um defeito. Foi realizado sem que se atendesse ao
pormenor de um estudo de mercado.
A receita é brasileira. Foi construído pela Odebrecht e financiado
pelo BNDES, a obra foi realizada sem atentar-se para um outro pequeno detalhe: o
público.
Por faltar gente, e por isso
passageiros, a obra não foi paga. E o calote de US$ 22,5 milhões veio parar na conta do Brasil.
Como em outros calotes, faltou seriedade. A pista de 3.100 m foi construída para um Boeing
747, mas é usada apenas por um Embraer 190,
de cem lugares.
Ao todo, são dois vôos por
semana, das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).
Segundo dados oficiais, o aeroporto opera com 4% da própria capacidade,
que seria de quinhentos mil passageiros/ano.
No entanto, como nenhum voo decola ou aterrissa com mais de cinquenta
pessoas, o movimento real, com toda probabilidade, é a metade de o que diz o
governo.
Custo da obra: US$ 125 milhões,
financiados pelo BNDES. Desde novembro último,
Moçambique deixou de pagar três presta-ções. No total, o calote foi de US$ 22,5 milhões.
A Odebrecht, que construíu o
aeroporto, recebeu a dívida por meio do Seguro do Crédito à Exportação (SCE) -
cobertura dada pela União contra riscos comerciais e políticos.
Assim, para variar, a conta
caíu no colo do Tesouro Nacional e virou negociação entre Maputo e Brasília.
Tanto o Governo de Moçambique,
quanto o brasileiro defendem a obra como um "projeto de longo prazo",
que aposta no crescimento do Norte de Moçambique, impulsionado pela exploração
do gás natural . Um projeto da Vale também usaria a cidade como base para
exportação de carvão.
Entretanto, os estudos de
mercado existem para avaliar a demanda presente, e não um feixe de
expectativas.
Como assinala o
artigo, enquanto o futuro não chega, Nacala continua com seus 200 mil
habitantes, poucos dos quais tem recursos para pagar um bilhete de avião da LAM - a passagem mais barata até Maputo custa R$
1,400.00, ida e volta.
Por outro lado, a
capacidade de assumir compromissos de Moçambique foi prejudicada por um escândalo creditício - cerca de US$ 2 bilhões em empréstimos com os bancos VTB, da Rússia, e Crédit
Suisse, tudo em segredo, feito
pelo gabinete de Monsieur le Président
Armando Guebuza, mas sem o aval do Parlamento, o que é inconstitucional... Tudo isso foi feito entre 2013 e 2014, e em janeiro, a consultoria Kroll,
especializada em investigações corporativas, descobriu que o dinheiro
(alegadamente para comprar barcos) fora parar em Abu Dhabi, nos Emirados
Árabes, e depois ... sumira.
Sem
crédito - com o fechamento das
torneiras pelo FMI e países credores - e
o preço das commodities em queda,
Moçambique entrou em crise e deixou de pagar suas dívidas ... inclusive a do
aeroporto de Nacala.
Obras
superfaturadas ou desnecessárias não
são, por certo, exclusividade de Moçambique. Tampouco a relação entre corrupção
e financiamento de contratos públicos. Em acordo de leniência com o Depar-
tamento de Justiça dos EUA, em dezembro de 2016, a Odebrecht reconheceu que
pagou US$ 900 mil para funcionários do governo moçam-bicano dos quais US$ 250 mil especificamente para
"convencê-los a realizar um projeto de construção". Os pagamentos
foram feitos entre 2011 e 2014, período da construção do aeroporto - embora a
obra não seja mencionada no acordo feito com o governo estadunidense.
Entre os delatores da
Lava-Jato, Antonio de Castro Almeida, ex-executivo da Odebrecht, garante que
uma funcionária da Camex (Câmara de Comércio Exterior) recebeu 0,1%
do valor do contrato para agilizar
a aprovação do financiamente do aeroporto de Nacala. Ofi-cialmente, a
empreiteira garante que está colaborando com a Justiça dos países em que
atua.
Nesse sentido, veja-se
só o primor da nota da empresa Odebrecht enviada à reportagem do Estado de S.
Paulo: "A empresa está comprometida a combater e não tolerar mais a
corrupção."
( Fonte: O Estado de S. Paulo )
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