Quando supostos salvadores da pátria, morrem, legam a quem deixam
como sucessor dupla maldição: incompetência e corrupção.
Se podem subsistir dúvidas sobre o
que venha primeiro, se a incompetência ou
a corrupção, talvez na pobre Venezuela se possa atalhar a dúvida pela raiz, ao
dizer que, no caso da infeliz pátria de Bolivar, semelha dizer quem chegou
primeiro, como no célebre problema infantil, se ovo ou galinha.
Hoje - será forçoso dizer - é um
falso problema.
Feito o leito, o indicado governante
nessa quase monárquica sucessão nos mostra pela própria inépcia que se trata de
um reles, porque claro enigma.
Se o coronel Chávez, que desencadeara
o processo da crise democrática na Venezuela,
cometera erros garrafais no seu governo: (a) pensou que a riqueza do petróleo era eterna; (b) poderia transformá-la em instrumento
de poder - e vou repetir: quase doando o ouro negro a Cuba e outros países
carentes com cotações subsidiadas; e (c)
pensando que o passageiro era perene, desviando os rendimentos da grande
riqueza venezuelana para a afirmação política (que é, por essência, transitória)
para igualmente subvencionar uniões
internacionais como a OEA chavista, que era apenas criatura
do próprio (fugaz) orgulho.
Em meio à obra que reputava prioritária,
lhe ceifou a doença. Poder-se-á atribuir
à enfermidade haver bafejado a Nicolás Maduro como o próprio sucessor.
O desastre conjuminado pelo herdeiro
é tal que poupa ao comentarista
maiores observações. Pois na verdade,
Maduro tem a parca habilidade dos governantes ineptos. Chávez empunhara
o mando por dezenove anos. A sua morte foi revelada a cinco de março de 2013,
mas teria ocorrido a trinta de janeiro...
Esse truque de carteado - tão irrelevante quanto à significação - teria
sido jogo de cena do já sucessor (o vice Nicolás Maduro) para assegurar-se que
a herança do caudillo lhe caísse às mãos sem intervenções de outrem.
Se a crise já existia quando o
coronel Hugo Chávez se achava nas vascas da agonia, só mesmo alguém com as
características de herdeiro designado que lograria conjuminar uma tal portentosa crise.
As causas dessa crise de fome
são, na verdade, simples. Premido pela escassez de fundos em dólares ou outra
moeda de reserva, o governo desvia recursos para pagamentos prioritários como
os dos militares (que garantem o governo) assim como os da corrupta casta dos
chavistas classe "a". Dada a insuficiência dos fundos que cobrem os
gastos do regime, compreende-se que
venham por último aqueles destinados a remédios e alimentos infantis. Daí o
falso enigma das prateleiras vazias nos super-mercados e nos armazéns. O que devia ser gasto em alimentos (e
remédios) é desviado para despesas prioritárias (militares e gente do regime).
A falta de alimentos leva a
gente famélica a revirar latas de lixo e quejandos, na busca de o que sobra da
mesa dos ricos. E é triste reconhecê-los que quase todas as crises se parecem. As crises passam - como as do Brasil e da
Argentina. Mas na Venezuela, é
diferente. A incompetência do poder determina que elas se estendam, com a sua
colheita maldita de miséria e fome.
A má-fé da casta chavista dominante não consegue
ocultar o seu grande segredo. Por cinco
meses, o New York Times acompanha o
cotidiano dos hospitais públicos venezuelanos.
Segundo os médicos, despojados de medicamentos que cruel preferência nas
magras importações reserva a necessária prioridade ao exército, condestável do
regime, e à classe chavista, o número de mortes por desnutrição é recorde. Apesar dos esforços do governo Maduro, o jornal americano revela em reportagem de ontem que onze mil,
quatrocentos e quarenta e seis crianças com menos de um ano, morreram na
Venezuela, em aumento de 30% em relação ao ano anterior. Por outro lado, 2,8 mil casos de desnutrição
infantil foram verificados por médicos venezuelanos no último ano - e dessas
crianças quase quatrocentas morreram.
"Às vezes, eles (bebês) morrem de
desidratação nos meus braços",
afirma a médica Milagros Hernández, na
sala de emergência de hospital pediátrico na cidade de Barquisimeto. Ela diz
que o aumento de pacientes desnutridos começa a ser notado no fim de 2016.
"Em 2017, o aumento foi terrível. As crianças chegam com o mesmo peso e
tamanho de um recém-nascido." Se antes de a economia entrar em colapso,
quase todos os casos de desnutrição registrados nos hospitais públicos eram
devidos à negligência ou abusos por parte dos pais, as coisas mudam quando se agrava a crise, entre 2015 e 2016,e
o número de casos no principal centro de saúde infantil de Caracas triplica.
Nos últimos dois anos a
situação piorou ainda mais. Se na maioria dos países, a desnutrição grave é
causada por guerras, secas ou outras catástrofes, como terremotos, - segundo a
médica Ingrid Soto de Sanabria, chefe do departamento de nutrição, crescimento
e desenvolvimento do hospital -
"mas na Venezuela, ela está diretamente relacionada à escassez de comida e
à inflação."
Se por quase dois anos, o
governo Maduro não publicou nenhum boletim epidemiológico ou estatísticas
relacionadas com a mortalidade infantil. Em abril, porém, eis que um link apareceu subitamente
no site do Ministério da Saúde, contuzindo os internautas a boletins secretos.
Os documentos indicavam que 11.446 crianças com menos de um ano morreram em
2016 - um aumento de 30% em um ano.
Solução dada ao problema pelo
Governo Maduro: depois que os dados ganharam manchetes nacionais e
internacionais, o governo declara que o site havia sido hackeado. Em seguida, os relatórios foram retirados do ar. Antonieta
Caporale, ministra da Saúde, como a culpada da vez, é demitida e a
responsabilidade de monitorar os boletins é passada... aos militares! Nenhuma informação é divulgada desde então.
Sem embargo, médicos
entrevistados, em nove dos vinte e um hospitais investigados, mantiveram ao
menos algum tipo de registro. Esses médicos verificaram aproximadamente 2,8 mil
casos de desnutrição somente neste ano de 2016 - e crianças famintas sendo
levadas regularmente para a emergência. Dessas, cerca de quatrocentas
morreram, de acordo com os pediatras.
" Nunca na
minha vida vi tantas crianças famintas ",
declara a médica Livia Machado, pediatra que oferece consultas grátis em
uma clínica particular.
( Fontes: O Estado de S. Paulo, The New York Times )