quarta-feira, 19 de abril de 2017

Vitória de Pirro ?

                          

       O termo "vitória de Pirro" se reporta a Pyrrhus do Épiro (319-272 a.C.) que se celebrizara por triunfos conseguidos à custa de pesadas baixas, sobretudo na sua campanha contra Roma. É clássica a menção dos cumprimentos recebidos de seus generais, a que o monarca respondera que mais uma vitória como aquela (Ausculum- 279 a.C.), e estaria perdido...
       A persistência é um dos atributos de Recep Tayyip Erdogan, como de novo se verifica no referendo do último domingo. O apertado triunfo de 51.3% dos votos obtidos contra 48,7% da oposição não reflete, porém, as inúmeras caracteristicas negativas quanto à igualdade de oportunidades para os dois campos.
       Segundo os observadores europeus é quase jocoso dizer que os dois lados dispuseram das mesmas oportunidades. Batalhar pelo não na Turquia de Erdogan terá sido enfrentar não só dificuldades de expor de forma ostensiva o respectivo ponto de vista quanto ao dito referendo. Implicou também coragem física para tomar a palavra em público, diante dos concretos riscos de confrontação com os agentes do poder, manifestos ou não, e os constrangimentos de toda ordem - até mesmo cruamente físicos - impostos por seus capangas, fardados ou não.
        Não é de hoje que Erdogan persegue o mando sem limites. Para tanto, armou-se de impávida paciência. Tem ou inventa inimigos, seja na vasta Turquia, seja até nos Estados Unidos, através do clérigo Fethullah Gulen, a quem acusou de maquinar a tentativa de golpe da noite de 16 de julho último. Gülen vive asilado nos Estados Unidos, na Pensilvania,e como  fundador do Hizmet, movimento educacional, que é adrede demonizado por Recep Erdogan.
        É de notar-se que desde a tentativa de putsch acima citada, a Turquia vive em estado de emergência, o que permitiu ao governo demitir ou suspender cerca de 130 mil pessoas, por suspeita de conexão com o suposto movimento subversivo, assim como prender cerca de 45 mil.
         Por outro lado, a junta eleitoral não descurou de, além de incrementar os requisitos para provar a fraude no voto, assim  quanto validar a acusação de estufar urnas.
           O novo sistema instituído neste fim de semana vai abolir o sistema parlamentarista atual, que passará a presidencialista.  O Chefe de Estado terá poderes para emitir decretos-lei e nomear juízes e autoridades responsáveis em validar as decisões presidenciais.
           O presidente - no caso Erdogan - disporá de dois quinquênios,com a possibilidade de um terceiro, se o Parlamento reduzir o segundo, em convocação de eleições antecipadas.
           A despeito de todas as 'maldades', Erdogan não obteve a maioria de vinte pontos com que supostamente sonhava. Teve de contentar-se com raquítica vantagem. Tudo isso malgrado os inúmeros constrangimentos a oposição - vedando com pretextos o sufrágio de grande parte da minoria curda - além do servir-se do terror como arma institucional, cuja força e capacidade de convencimento crescem desproporcionalmente à medida que a votação se desloca para o amplo interior, aonde não sóem existir peias para o poder do soberano de turno.
           As suas relações com a Europa saíram machucadas pelas inúmeras minicrises que Erdogan tentara criar, para motivar o apoio "patriótico" do eleitorado. Dentre essas, a promessa de reinstituir a pena de morte acabaria com qualquer possibilidade de eventual adesão à Comunidade Européia.
           Ao cabo de tudo, restará Recep Tayyip Erdogan, o contestado vitorioso, sob o peso daquelas 'fabulosas vitórias' fabricadas pela força bruta, fraude, e formidáveis temores.


(Fontes:  Folha de S. Paulo, The New York Times, Nouveau Petit Larousse Illustré, Paris, 1952) 

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