quinta-feira, 20 de abril de 2017

Abuso de autoridade ?

                              

        Segundo o Estadão, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Senador Edison Lobão (PMDB-MA) marcou a votação do projeto que atualiza a "lei do abuso de autoridade" para a próxima 4ªfeira.
         Nesse sentido, o correligionário do ex-presidente José Sarney mostra surpreendente energia. Pois Sua Excelência afirma que não vai admitir "obstrução, nem nenhum outro tipo de chicana regimental" para adiar a apreciação do texto.
          Assinale-se que, ontem, quarta-feira, dezenove de abril, a leitura do dito relatório consumiu mais de duas horas. De acordo com as previsões, o relator da proposta, Senador Roberto Requião (PMDB-PR) rejeitou o projeto de autoria do líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), apresentando substitutivo baseado na proposta alternativa do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, mas com diversas alterações.
           Desde fins de março, havia acordo informal para que a votação do texto ocorresse ontem. Tal não se confirmou, porque diversos senadores pediram vista - e sob o argumento de que Requião fizera modificações no texto do Ministério Público, eles solicitaram mais tempo para analisar o caso.
           É conhecido o expediente de pedir vista de um processo: em geral, ou se quer ganhar tempo, engavetar o projeto ou, no caso em tela, tendo presente que Requião fez modificações no texto do Ministério Público.
           Dadas as conotações deste projeto - de quem o primeiro corifeu foi o Senador Renan Calheiros - qualquer modificação a ser introduzida no projeto do Ministério Público só pode ser vista com muita atenção e até mesmo eventual suspeição.
           Os favoráveis ao projeto inicial participam do grupo interessado em criar dificuldades para a Operação Lava-Jato. A iniciativa partiu, como se sabe, do Senador Renan Calheiros. Não são as considerações a serem feitas a respeito. Por algum tempo, esse projeto esteve na esfera do Senador das Alagoas. Surgiram depois simpatizantes, como o Sen. Requião.
            É interessante como os partidários desse projeto sobre o abuso da autoridade a ele acorreram com entusiasmo. Em geral, podem ser opositores da Operação Lava-Jato. São como água e azeite: não se misturam.
              Será também interessante notar o quanto os motiva no seu empenho a possibilidade de inflar as velas desse estranho barco do "abuso de autoridade".
               Há cláusulas nesse estranho projeto que dão a impressão de servirem como empecilhos para o exercício da magistratura. É que esse projeto de lei arma o réu de uma defesa inesperada. Dá ao réu a possibilidade de atacar o magistrado por pontos à sua retaguarda, questionando o que se encontra sob exame, constituindo assim uma potencial causa que fragilize a autoridade do juiz, que pode, de repente, ver-se atacada ad personam, como se numa reviravolta os papéis semelhassem trocados.
                A meu ver, este projeto de lei - se porventura aprovado e sancionado - faz com que a magistratura brasileira se veja, de repente, colocada em posição estranha e desconfortável. Em termos militares, diria que é ver exposta a própria retaguarda ao lançar-se ao ataque.
                 Há muitos institutos  que permanecem estranhamente em nossa lei, como aquele do desacato. Ele recebe muitas críticas, a começar da Corte de São José, pelo seu escopo retrógrado, que concede à autoridade - qualquer autoridade - um poder excessivo, e é por isso que a Corte interamericana de Direitos Humanos vem solicitando ao Brasil que o regule de forma consentânea com o direito humanitário, e não entregando o particular a uma vis que reside unicamente na autoridade coatora. O instituto do desacato tem sido objeto de grandes e merecidas críticas, e, não obstante, ele continua de pé, porque há autoridades que muito prezam esse direito quase absoluto que esse alegado instituto legal lhes fornece.
                   Com o Ministério Público, partilho as suas inquietudes quanto aos eventuais descaminhos desse estranho projeto sobre o abuso da autoridade. Por outro lado, ao ver exposta a posição do Brasil até hoje sobre o instituto do desacato, e os ouvidos de mercador que no Brasil se fazem às observações da Corte dos Direitos Humanos, quer-me parecer que ao invés de atacar supostos abusos de autoridade segundo o projeto ora em exame no Senado Federal, lucraríamos muito mais deixando a Lava-Jato seguir seu rumo pela restauração do respeito em nossa terra ao patrimônio nacional, aplicadas aos eventuais responsáveis as penas que lhes cabem pelo desrespeito do Patrimônio Público.


( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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