segunda-feira, 3 de abril de 2017

O Brexit e sua herança maldita (3)

                                       

       Como sucessora de David Cameron será Theresa May a escolhida. Qualificou-a sua atuação como Home Secretary (Ministra do Interior), cargo delicado em que se houve a contento.
       A treze de julho de 2016, após a audiência com a Rainha Elizabeth II, estavam atendidas todas as exigências formais para que ela assumisse o posto da Thatcher. No parlamentarismo inglês, dada a renúncia de Cameron, derrotado no plebiscito, e que, por conseguinte, não tinha obviamente mais condições para continuar como gestor de tarefa a que se opusera, a posição de May era ainda favorecida pela circunstância de que o brexit havia sido reforçado pela questão migratória.
       Malgrado o tom triunfalista da Primeira Ministra, não terá escapado aos assistentes - não eram muitos, eis que se realizou a portas fechadas a cerimônia em que Donald Tusk, presidente do Conselho da Europa, recebeu das mãos de Tim Barrow, embaixador da Sua Majestade Britânica junto à União Européia, a carta de confirmação do óbvio, em que por seis páginas de texto Theresa May deflagrava como via o desenvolvimento dos princípios que norteariam o contencioso.
         A pérfida Albion, depois de inúmeras dúvidas de percurso, uma delas anterior sanada por um não ao dissídio, tentava agora estabelecer as regras que presidiriam à ruptura.
         Como todos aqueles que participam de uma herança ao revés - qual seja o rompimento de resolução que motivara, no passado, tantas ressoantes palavras de confiança no futuro comum da Europa Unida - terá sido com o franzimento fisionômico de personagens a quem doravante toca a obra dificultosa da separação que tais autoridades mergulhavam em realidade que por ser  nova não deixava de ser desagradável.
          A agria aspereza da apressada, abrupta ruptura, às carreiras feita, acorrendo às aliciantes promessas do verão ainda que nas franzinas areias do Canal, agora  se abria à outra parte prometendo "a cooperação sincera". Enquanto a Primeira Ministra declarava na sessão do Parlamento, também cerrada ao público, que "não pode haver volta atrás", não se pejando sequer de proclamar como "momento histórico" a ruína do monumento que os seus predecessores haviam acreditado pôr de pé. Se a luta então foi grande, será sempre fácil destruir as obras e as uniões, eis que parece mais fácil abater do que alevantar.
              Depois de declarar que não pode haver volta atrás, pediu que as negociações com a U.E. sejam construtivas e resultem em "cooperação sincera" (sic), em especial nas áreas econômica, segurança e defesa." Talvez sem dar-se conta da contradição lógica, asseverou "sem dúvida, agora mais do que nunca, o mundo precisa dos valores liberais e democráticos da Europa". Aparentemente sem sentir a contradição de o que  acabara de entoar, a premiê se apressa em comemorar o Brexit que define como "um grande momento nacional". Winston Churchill se vira na tumba. Oradores pedestres só podem dizer palavras chãs.
                Diante de tal retrocesso no comércio internacional - retornado alacremente ao velho nacionalismo, posição essa que o Reino Unido da segunda metade do século passado tentara superar diante da cancela fechada por de Gaulle através de engenhosos acordos comerciais com os países colaterais, e mais tarde, partido para sempre o General, ao lograr aceder ao então Mercado Comum. Agora se celebra  empreitada estival,  decidida à la légère, e qual pavilhão armado às pressas era colocado diante da provada U.E. como se a volta ao passado significasse a redenção nacional, atingida em tarda explosão de devaneio individualista nacional.
                  Por outro lado, a arma nacional que a recaída no slogan do brexit trazido como se solução fosse por um cansado Reino Unido, deixa como alternativa o urso russo. A Velha Europa, passado o trauma da súbita recaída no velho nacionalismo à ocidental, abrirá os braços para a velha Escócia e a provada Irlanda.
                 Se queres o nacionalismo, breve o terás às tuas portas, depois de mante-lo cativo por tanto tempo.
                   Lemas não constróem países, nem abrem parques industriais.
                  Mas nem tudo pode ser simples, nem um  lado dispor de todas as vantagens e prerrogativas. Por isso, é de toda importância espiar forças e fraquezas da outra fortaleza, se quisermos repor o equilíbrio, que uma parte pensa poder conservar e a outra, quem sabe se possível fosse, até aumentar!

( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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