sexta-feira, 14 de abril de 2017

Causas do Brexit

                                               
        Na verdade, além de termos presente o papel do então Primeiro Ministro David Cameron para que se configurasse o Brexit, reporto-me de início ao que já escrevi sobre o tema.
        David Cameron sempre manteve certa frieza quanto à  questão das relações, seja de trabalho, seja oficiais, com as instâncias da Comunidade Europeia. Enquanto Primeiro Ministro, em suas idas a Bruxelas, tenderia a evidenciar uma postura um tanto distante, como não se sentisse muito à vontade na sede da Comunidade Europeia.
         São decerto impressões de um observador à distância, e mediadas seja pela cobertura das sessões de trabalho, seja pelas movimentações da então maior autoridade política do Gabinete de Sua Majestade.
         Para o diplomata que o observasse, seria árduo entrever na sua postura seja um sentido de participação, seja certo espírito de natural conviviabilidade porventura experimentado na sede do organismo diretor da União Europeia.
          Não se poderia afirmar que Cameron agisse como se fora um estrangeiro. O fato é que, visto à distância, ele não se comportava nem como alguém que ali se sentisse inteiramente à vontade, nem que a sua reserva pudesse ser atribuída ao conhecido stiff upper lip dos britânicos.
          Por outro lado, a reserva de Cameron, e o seu natural distanciamento dos companheiros europeus podem explicar, de certo modo, a própria decisão de servir-se de um referendo sobre a participação - ou não! - do Reino Unido como modus faciendi para ganhar tempo sobre a consideração de outro tema, a que desejava afastar.
           Quisesse ou não deixar tal impressão, salta aos olhos que se realmente prezasse e valorizasse a participação na União Européia, David Cameron agiria de outra forma. Não mais se tratava, passados mais de quarenta anos, de encarar a situação com a postura de antecessores seus de nomeada, como Edward Heath, que  não trepidaram em pôr a carreira política a prêmio para lograr o seu objetivo maior, que era a integração do Reino Unido no organismo de Bruxelas.
           Chegado muito depois e sem o peso de alguns de seus antecessores em Downing Street 10, a postura de Cameron não transmitia a impressão de que ele atribuía à participação em Bruxelas o peso e a relevância que fosse similar àquelas de outros primeiros ministros europeus.
            Político conservador, que galgara o poder já passados muitos anos na relação de Londres com Bruxelas, ele não via com o interesse prioritário que lhe concederam muitos de seus antecessores em Downing Street. De certo modo, a União Européia retinha a seu ver um interesse menor do que os seus predecessores lhe davam.
             Havia um certo distacco (aloofness)[1] do conservador David Cameron quanto aos organismos da União Europeia em Bruxelas. E foi esta falta de empatia que tornou possível uma atitude que aqueles predecessores seus que haviam posto a carreira política em jogo, e arrostado a oposição do general de Gaulle, já aqui mencionada, decerto não compreenderiam, seja economica, seja politicamente.
              Pode-se presumir que Cameron via na Organização de Bruxelas, não a ideia primeira, que acendera o sonho de uma Europa não mais dilacerada por guerras intestinas, e em que se partilhasse a ideia comum da paz, da reconstrução, e do desenvolvimento conjunto, como a primeira entidade, do Carvão e do Aço, partilhada pelo núcleo duro de uma Europa empenhada no desenvolvimento e na reconstrução econômica.
               Político conservador, da geração pós-guerra, David Cameron não tem a ascendência, nem o peso político de antecessores seus. A sua saída de Downing Street 10, tornada inevitável pela derrota no referendo de que era o principal responsável, mostra, por um lado, que se conformara à tradição do posto, ocupado no passado por personagens como Winston Churchill, Anthony Eden, Edward Heath e Margaret Thatcher e mais algumas pouquíssimas figuras que possam pretender algum espaço nesse camarote.
                 É norma política do sistema parlamentarista britânico que o chefe do gabinete assume a responsabilidade pelo bem e pelo mal. Se o primeiro costuma ser fácil, o segundo não o é. Aí está uma das grandes virtudes do  sistema inglês, que é bem mais flexível do que o presidencialismo         
                Faltara a David Cameron o peso, a cultura e a habilidade de governo em negociar, nos arrecifes da política, uma rota satisfatória para os seus objetivos. Subestimando a força dos movimentos da reação - o nacionalismo como válvula de escape, a visão idílica do passado de glórias pré-Comunidade Europeia, além de outras forças menos declináveis como o jingoismo e a xenofobia - Cameron foi arrastado por uma consulta mal-preparada e a princípio subestimada. A vontade popular, ainda que expressa em circunstâncias pouco adequadas, e convocada de forma canhestra, acabou produzindo o monstro do Brexit, que além de exigir como vítima humana uma pobre representante trabalhista, chegou ao cúmulo de exibir partidários como Boris Johnson capazes do dúbio feito de escrever manifestos seja pro-Brexit, seja contra-Brexit!
                  Por 51 contra 48% se decidira este jogo macabro, em que os dois lados da refrega já sairam perdedores.
                   Nesses casos, as cortinas da cena política, mais do que caem, desabam sobre os aturdidos espectadores.
                  Depois de 44 anos de união, uma ab-rupta separação como a determinada pelo Brexit tem necessariamente de criar um ambiente em que duas realidades se defrontam, com espaço para pré-nostalgia e as confusas visões de um novo, súbito e ameaçador estado de coisas, que é a um tempo desejado e abominado. Nele a nostalgia se mistura com pré-visões de uma realidade deformada.
                  O que antes parecia adquirido e certo, torna-se dúbio, esquivo, incerto.
                 Nesse sentido, o belo artigo de Sarah Lyall, publicado pelo New York Times em 11 de abril de 2017, com fotos de Sergey Pokomarev dá ao leitor uma visão de uma realidade metastática, simbolizado pela estação ferroviária internacional de St. Pancreas, construída no século XIX, com renovada arquitetura Vitoriana, e que liga a Londres de hoje com a Gare du Nord, em Paris.

( Fonte: The New York Times )



[1] distanciamento.

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