domingo, 23 de abril de 2017

A Pauperização do Rio

                      

        A queda no nível de renda que assola o estado do Rio de Janeiro          é uma vergonha que o carioca sente em cada canto da cidade. As causas são muitas, mas notadamente podem ser alinhadas a (i) a corrupção epidêmica no estado com os dois desastrosos governos de Sérgio Cabral; (ii) a ineficácia de seu sucessor, Luis Fernando Pezão, a quem igualmente se acusa de corrupção, mas que também teve de enfrentar longos meses no hospital para combater um câncer linfático  (com linfoma não Hodgkin). Na sua ausência, governou  o Rio interinamente o vice Francisco Oswaldo Neves Dornelles, que é mineiro e tem 81 anos de idade.
         O Estado do Rio,  herdeiro do Distrito Federal, onde se sediava a capital da República, viveu por muito tempo à sombra do munífero poder federal, eis que toda a maquinária do poder estava aqui situada. Na verdade, o Rio era capital do Brasil desde a independência, marcada como é sabido pelo Grito do Ipiranga,  pronunciado pelo Príncipe dom Pedro às margens daquele riacho, já em setembro de 1822.
          Com algumas modificações, o Rio continuou a ser a Corte desde aquele tempo, até o dia 21 de abril de 1961, quando o Palácio do Catete não mais sediaria nem gabinete presidencial, nem seria palco de grandes crises, como o foi aquela que precedeu o suicídio do Presidente Getúlio Dornelles Vargas, em 24 de agosto de l954.
          Consumou-se, assim, naquele 21 de abril a passagem da bandeira presidencial para os Palácios do Planalto e da Alvorada (o velho Catete e seu parque serviam para os dois fins: residencia do Primeiro Mandatário e sua sede de governo).
          Como se dizia na minha terra, não vou aqui chorar pitanga pela grande meta do governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira - a interiorização da Capital Federal. Sabemos todos os funcionários federais atingidos pela nova disposição que os primeiros tempos de JK em Brasília acarretaram algum desconforto para os funcionários  ( e suas famílias) que, por cargo ou condição, deviam ser transladados para a então poeirenta Novacap.
           Os problemas acarretados pela mudança da Capital, uma heróica tarefa, foram a princípio de alguma monta, sobretudo em termos de conforto pessoal e de outras amenidades. Dada a minha situação à época - bastante júnior na carreira - não estava eu nas primeiras turmas que foram escaladas para abrir o escritório do Itamaraty em Brasília (os ministérios, por enquanto, permaneciam no Rio). Já a situação do Itamaraty era diferente. Se ainda permanecia um mero escalão avançado no Planalto, também é fato que as embaixadas - todas sediadas no Rio - observavam com inquietude a aproximação da data em que seria necessário arranchar-se em Brasília.
             Mas tudo isso não poderia ser implementado nem com uma dinâmica juscelineana (JK em breve terminaria o seu mandato), nem o seu sucessor, com o respectivo brevíssimo governo (Jânio Quadros) trataria efetivamente da questão.
              Contudo, o ponto inelutável - e o que aqui nos interessa - mais dia, menos dia, as repartições federais no Rio partiriam para Brasília. A perda de prestígio e também do efeito colateral das dotações ministeriais se consumava.  Lenta, mas inexoravel-
mente o Rio de Janeiro virava uma capital estadual como as demais. Ainda lhe restavam talvez algumas mordomias, mas todos os envolvidos e atingidos sabiam que agora era uma questão de prazos.  O Rio podia continuar como Cidade Maravilhosa, e podia ser a Velhacap,  mas deixara de ser a Capital Federal, o centro de todos os poderes nacionais. E como os habitantes do Rio se capacitariam, isso não é pouca coisa.
                   Mas não prolonguemos por demasia essa estória da lenta, mas inexorável decadência do Rio de Janeiro.   
                    Se ela existe, e faz parte da ordem das coisas - como diziam antigamente - o bom povo carioca não entende por que os poderes que por aqui ficaram ou surgiram, tenham de ser tão radicais no seu afã de agravar a situação.
                     Parece óbvio que o Rio se acostumara por tempo demasiado das facilidades de existir ao lado do poder federal. Mas este já partiu desde 1961 (oficialmente), de modo  que, com o passar dos anos, todas as vantagens e mordomias decorrentes da condição anterior foram sendo lixiviadas de forma inelutável e inexorável.
                     O Estadão  dedica hoje, domingo,  o seu cabeçalho de primeira página, e a sua principal reportagem à seguinte matéria:

                  FALIDO, RIO DEVE PASSAR PELO
                  MENOS UMA DÉCADA EM CRISE

                  Para os cariocas natos e aqueles adotivos esse artigo não surpreende. Muitos vem tomando conhecimento dessa realidade madrasta não pelas páginas de diários, mas sim pelas dificuldades do dia-a-dia.
                   Se a pessoa é aposentada do ente estadual, o atraso nos contra-cheques não mais a surpreende.  Não sei se a Administração carioca estaria por acaso imitando a gaúcha, que parcela os décimos-terceiros a perder de vista, quando não atrasa a pensão do aposentado ou o eventual adicional de férias.
                    Por outro lado, tampouco é fora do comum que o atraso nos pagamentos dos respectivos salários ou pensões não venha também a trans-formar-se em suspensões que se prolongam sem que o servidor  e o aposentado seja inteirado do tempo que levará o pagamento.
                     Ainda na primeira página, a foto de uma pensionista - cuja mísera pensão foi descontinuada há meses - que teve de recorrer a ir para a  praça da Assembléia e com um cartaz que a mostra "Sem Salário e Sem dignidade" pede uma esmola. Com o que essa senhora arrecadou pôde pagar a sua conta de luz, e evitar que ela fosse cortada...
                      Dentre as causas dessa magna crise na administração carioca, está o Governo Sérgio Cabral, como símbolo da Corrupção que assolou e ainda assola o Rio de Janeiro. Há duas semanas, o procurador da República Eduardo El-Hage, da força tarefa da Lava Jato afirmou que a gestão Sérgio  Cabral (PMDB) "roubou dos cofres públicos em todas as áreas". A declaração foi dada depois que a Operação Fratura Exposta mostrou que ao menos R$ 300 milhões foram desviados da Secretaria da Saúde.
                        Cabral está encarcerado desde novembro de 2016. Réu em sete ações penais relativas à Lava-Jato,o ex-governador é acusado de instituir propina de 5% sobre todos os contratos celebrados com o Estado e ter-se apropriado  de ao menos R$ 270 milhões.
                         A aliança entre Cabral e o PT do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2007, fortalecida pela adesão,  dois anos depois, da prefeitura carioca sob Eduardo Paes (PMDB) criou um cenário político sem oposição,  segundo o cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael.
                           A partir daí, parcerias foram firmadas, linhas de crédito facilitadas,grandes eventos, marcados. "A aliança entre Rio e governo federal era vista com bons olhos pela elite carioca (representada pelos empresários Fernando Cavendish e Eike Batista, ambos alvo da Lava-Jato), e  o mundo político abraçou o projeto. Não existia, na prática, oposição. Os mecanismos de controle foram enfraquecidos."
                            O professor de Direito da PUC-Rio Manoel Messias Peixinho concorda. "A impressão é de que o poder de Cabral era ilimitado. Ele era o rei. E todos queriam ser  amigos do rei. A vida política e social parecia girar em torno dele".
                             Outro aspecto deveras interessante era a aliança entre o PMDB de Sérgio Cabral e o PT de Lula da Silva. Em diversas comissões de inquérito, por ordem - que se supõe do Planalto - diversas gestões não prosperavam se se voltassem para uma eventual fiscalização do Governo Sérgio Cabral. E a palavra corrente em Brasília era que havia uma aliança não-declarada, mas efetiva de qualquer forma, entre o PT do Presidente Lula, e o PMDB de Sérgio Cabral, o que levava à blindagem de qualquer iniciativa tendente a investigar ou a fiscalizar de algum modo a atuação do Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
                                 A queda ulterior de Sérgio Cabral se originaria do fenômeno da húbris.  Tantas fizera e aprontara, sem que nada de o que fizera, acarretasse alguma ação dos órgãos coatores da Administração Pública que o Governador Cabral terá pensado que estaria acima de tais vicissitudes.
                                   Mas as evidências foram muitas e a soberba de Cabral, que se julgava acima das vicissitudes da Administração Pública Estadual, acabou por condená-lo.  A corrupção atacou por toda a parte, inclusive na previdência do Estado.
                                  Por outro lado, a falta de fundos afeta uma suposta vitrine da gestão Cabral e agora Pezão. Assim, as UPAs (unidades de pronto atendimento) vivem momento sério: a crise provocou atrasos nos pagamentos às Organizações Sociais  (OSs) e isto se traduziu em menos médicos e menos remédios para a população.
                                    De acordo com o relato de pacientes, as farmácias estão esvaziadas e não há reposição de insumos. Médicos e enfermeiros estão sobrecarregados.  Se não forem retomados os repasses regulares "Não há luz no fim do túnel", conforme frisa o presidente da Cremerj, Nelson Nahon.
                                     A Secretaria de Saúde declara que atua com 40% do orçamento previsto  para 2007 e mantém abertas 30 UPAs. A pasta responsável negou que faltem medicamentos.



( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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