sábado, 1 de abril de 2017

O Brexit e sua herança maldita (2)

                              
    
        Para que se entenda  a atmosfera política que presidira ao lançamento do chamado brexit a personalidade de David Cameron, que era o Primeiro Ministro de Sua Majestade, carece de ser melhor entendida.
        Recordou-se Cameron que, entre os seus compromissos, ele se manifestara anteriormente sobre a eventual oportunidade de realizar um referendo sobre a eventual permanência do Reino Unido dentro da União Europeia.
        Na verdade, era um compromisso de que ele reconhecera  a eventual admissibilidade, mas não com o firme propósito de que constituísse um problema maior. À época, não se veiculava a questão com qualquer intensidade. No entanto - e tal constituirá no futuro matéria para muitas, intermináveis elucubrações - julgou Cameron que poderia servir-se dessa promessa, para então seguir com as questões que lhe pareciam merecer maior atenção.
        Ao levantar essa questão, pensava ele ganhar tempo para então tratar de matérias que julgava de maior importância.
         David Cameron nunca dera impressão de conceder grande importância no sentido positivo ao tópico da União Europeia.  Político conservador, sempre aparentara uma relativa frieza quanto ao tópico de Bruxelas. Preocupavam-lhe, mormente, as despesas e as responsabilidades atinentes à ligação de Londres - de mais de quarenta anos - com a organização sediada em Bruxelas.
          Mostrara ele, no passado, a tendência de colocar em jogo, ainda que de certa forma, a ligação de Londres com a U.E.  Por mais de uma vez, mencionara  a  eventualidade  - um referendo sobre a continuação do Reino Unido como membro da U.E. -  e, em procedendo de tal forma, transmitia a impressão de que não valorizava como seus antecessores os laços com a organização de Bruxelas, a ponto de que chegava a julgá-lo como se fora possível dele utilizar-se qual argumento político, que lhe servisse para afastar outro tópico, de que desejava desvencilhar-se.
             Em outras palavras, ao empregar a questão da permanência ou não do Reino Unido em Bruxelas enquanto argumento para ganhar tempo, Cameron revelava que para ele a questão da participação britânica na U.E. admitia duas interpretações não necessariamente excludentes: pôr em jogo a condição do Reino Unido como  membro da UE, ou implicava em absoluta segurança quanto ao resultado do referendo, na medida em que confirmasse a continuada presença em Bruxelas, ou punha em jogo um resultado incerto, em uma questão de óbvia maior importância.
               Enquanto Primeiro Ministro, David Cameron subestimou as possibilidades do resultado negativo, jogando pela janela como se fora coisa de somenos importância, justamente aquilo por que Edward Heath tanto lutara para afinal lograr atingir o seu objetivo, dando início aos quarenta e tantos anos de permanência do Reino Unido na União Europeia.
               Cameron pensou que se livraria do incômodo como o antecessor Tony Blair. Certo de que tinha sob controle o imponderável, em raro exemplo de autônoma imprudência concordou em abrir os pesados portões da caverna de Eolos, como se os deuses fossem concordar em atender àquele seu capricho, que assumiu isoladamente, posto que ninguém para tanto o obrigara.
                Por mais inconsciente que tenha sido, não é de duvidar-se que a questão da saída do Reino Unido logo iria mostrar àqueles que conheciam do peso e relevância que teria para a imprudente Álbion, a máquina infernal que o inconsequente David Cameron pusera em funcionamento.
               No período que antecedeu à consulta, não só os ânimos se crisparam. E que não era um jogo só para deleite de demagogos, o povo inglês se daria conta, diante do estúpido assassínio da deputada trabalhista Jo Cox, partidária da continuada união com Bruxelas, e esfaqueada por um demente, adepto do brexit,  quando  saía da biblioteca onde se encontrara com seus eleitores, como de hábito.  
                  Se os dois grandes partidos ingleses,  o Conservador, de David Cameron, e o Trabalhista, de Jeremy Corbyn apoiaram a permanência do Reino Unido na U.E., e além de partidos anões, como o Ukip (independentista) de Nigel Farage - defensor extremado do brexit,  tal brusca mudança no alinhamento europeu de até então levaria a questão para o dúbio terreno das escolhas individuais, à falta de uma grande liderança que imantasse o campo dos adeptos da permanência na UE.
                  Colocada a questão do brexit, a posição díspare dos irmãos Johnson mostraria a que ponto o oportunismo poderia determinar as respectivas posições. Boris Johnson formulou um candente manifesto pró-Brexit - interpretado como se tal posição se deveria ao fato de aspirar à liderança do Partido Conservador, o que só seria possível se defendesse o polo oposto ao encabeçado por David Cameron. 
                   Mas não ficaria nisso a discussão sobre qual o alinhamento de Boris Johnson. Com efeito, não tardaria a surgir outro manifesto, também redigido por Boris Johnson, que no caso empregava argumentos candentes para que o Reino Unido escolhesse... Bruxelas.
                  A votação aconteceria a 24 de junho de 2016, uma sexta-feira. Para surpresa de muitos, o brexit colheria 51,9% dos votos, contra 48,1%  a favor da permanência na UE. A diferença foi de 1,2 milhão de sufrágios em favor do brexit.
                  Tão logo conhecidos os resultados,  o Primeiro Ministro David Cameron renunciaria, para que fosse escolhido alguém que estivesse a favor do movimento.  Dentre os demais países que integram o Reino Unido, a Escócia e a chamada Irlanda do Norte, sob administração inglesa votaram a favor da permanência com Bruxelas.

                                                                            
                                                                                                       (a continuar)                    

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