quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Os Visitantes da Noite

Se bem examinarmos o comportamento de certas facções do P.T., veremos que a teimosa simpatia concedida pelo grande chefe Lula ao companheiro Hugo Chávez não é fenômeno inexplicável. Existem mais afinidades entre a chamada revolução bolivariana do caudilho venezuelano e o entranhado petismo, aquele representado sobretudo pela esquerda do partido, do que possa parecer ao observador desatento.
Na verdade, esta facção se assemelha talvez àqueles agregados da família que só aparecem nas grandes ocasiões, como se deles o núcleo principal só tolerasse a presença em momentos especiais. Já no dia-a-dia seriam relegados aos socavões e aos quartos de despejo.
Contudo, a imagem deve sofrer alguns retoques no caso em tela. Não é que as correntes majoritárias do partido lhes enjeitem as ideias. Lá no seu íntimo até as aprovam, mas as julgam incômodas e pouco apresentáveis para sua representação de grêmio respeitável.
Guindado às responsabilidades do governo, o P.T. aprendeu depressa a relativizar as teses pregressas e, em consequência, dar o dito como não dito.
Posições doutrinárias extremadas – como a rejeição da Constituição cidadã e o combate à reforma do Real – foram abandonadas. Mesmo para aqueles que desconhecem teoricamente o princípio, a Realpolitik costuma impor-se sem tardança e se não for na teoria, o será na práxis.
Na realidade, essa adaptabilidade política não deve ser censurada, porque evidencia uma certa capacidade de lidar com situações novas e no interesse de um público mais amplo.
Em tal sentido, a atuação do P.T. e sobretudo do presidente Lula reflete tal contingência. Dessarte, a fisionomia da administração não difere muito da anterior em termos de gestão da economia, se bem que com o avanço do segundo mandato a feição neopopulista venha crescendo. Em outros aspectos, o governo Lula busca igualmente guardar as aparências, como um interlocutor viável e confiável. Há exceções – ou escorregões – para tais práticas, como no singular episódio da hospedagem de Zelaya na chancelaria brasileira em Tegucigalpa, um canhestro e malogrado exercício de não-diplomacia.
Existe, todavia, um aspecto de irredento esquerdismo que é uma segunda natureza do P.T., e que há de repontar em certos momentos de seu governo. Essa tendência petista surge notadamente, ou de forma inadvertida – como sintoma de mal-curada afecção - , ou de modo instrumentalizante, no período pré-eleitoral.
A famigerada Ancinav é exemplo do primeiro sintoma. Gestada no ministério da Cultura, almejava controlar nada menos que a produção audiovisual do país. Comporia o quadro o chamado Conselho Federal de Jornalismo, que se propunha patrulhar as redações da imprensa profissional e independente. Tais intentos não estão entre os feitos memoráveis do primeiro governo Lula.
Quanto à segunda manifestação, ela faz parte daquela abertura de cancelas que caracteriza o período pré-eleitoral. Nessa fase, o radicalismo costuma ser bem-vindo, máxime em suas feições mais extremadas (reprimidas por conveniência administrativa em outros tempos). A liberdade de imprensa – garantida por cláusula pétrea da Constituição – volta a ser objeto de um ataque concertado, em que se vê aplicada estratégia já empregada na Venezuela de Chávez e na Argentina dos Kirchner, com resultados divergentes.
A ofensiva pode estar a cargo de vetores múltiplos. Como o Programa Nacional de Direitos Humanos, em que uma censura disfarçada à imprensa pode tentar imiscuir-se, dentro do princípio da transversalidade. Ou na dita ‘Conferência Nacional de Comunicação’ (Confecom) que arremeda vezos anteriores do pecezão, carregando no seu bojo propostas que muitas vezes são o inverso daquilo que os títulos apregoam.
E a exemplo daqueles agregados que são tolerados nas grandes ocasiões, essas propostas grandiloquentes logo hão de mergulhar no breu de onde saíram. Eles talvez saibam que estão sendo usados. Mas como parecem não ter alternativa, prestam-se de bom grado à encenação.

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