quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Obama e a Derrota em Massachusetts

A despeito de toda a correria de última hora, das intervenções de Obama e do ex-presidente Clinton, a sorte de Martha Coakley já estava gravada nas pesquisas de opinião. O rival republicano, o senador estadual Scott Brown, conseguiu o que há semanas atrás seria coisa impensável: com 99% dos sufrágios contados, ele venceu a Promotora Martha Coakley por 52% contra 47%.
Como adiantara no blog de ontem, com esse resultado os democratas perdem a sua maioria de dois terços no Senado, passando das mágicas sessenta cadeiras à prova de filibuster, para cinquenta e nove.
A liderança democrática no Senado – a menos de uma improvável adesão de algum republicano moderado, o que neste partido é uma espécie em extinção – já não poderá sequer pensar na viabilidade de forçar a conclusão de um debate, porque não mais dispõe dos aludidos sessenta votos (com que lograra ultimar o projeto de lei do Senado, que ora estava submetido à chamada Conferência pelas delegações das duas Casas).
Sob o golpe incrível da derrota em Massachusetts, compreende-se a revolta dos democratas com a campanha medíocre, displicente e sobretudo incompetente que logrou catapultar para o Senado um virtual desconhecido, que ao lançar-se candidato tinha desvantagem de mais de dois dígitos em relação à Martha Coakley.
Se Martha Coakley, pela sua singular contribuição para tal súbita mudança nos horizontes da Administração Obama foi arremessada na lata de lixo da história, é imperativo ter presente que a candidata à sucessão de Edward Kennedy não causou toda essa reviravolta sozinha.
Os democratas no estado de Massachusetts e, posteriormente, a direção nacional do Partido e a própria administração Obama deveriam ter procurado consertar antes do irremediável o que a má gestão da campanha de Coakley logo começou a pressagiar.
Scott Brown logrou valer-se desse caldo de irresponsabilidade juntado às diversas e disparatadas insatisfações do eleitorado – do fascistóide movimento de tea party (a ultra-direita contra a reforma sanitária) ao difuso descontentamento com o governo de Barack Obama – para dar este presentaço à minoria republicana no Senado, encabeçada por Mitch McConnell. De novo poderão pontificar com a sua mensagem retrógrada senadores como Jim DeMint, da Carolina do Sul, que vem assumir o papel do falecido senador Jesse Helms (Rep-Carolina do Norte). Agora eles poderão voltar a realizar a função em que mais excelem, que é a de destruir , em especial, tudo aquilo que visa tornar menos acintosas as vantagens dos grande conglomerados financeiros, entre sociedades médico-farmacêuticas e grandes bancos.
Não obstante, o momento para os democratas é menos o de afligir-se que o de pensar nas remanescentes possibilidades de jogo político que de súbito se vê confrontado por grande e temível desafio.
Em termos da reforma geral da saúde, de que dispõem os democratas no atual momento ? De dois projetos de lei, um da Câmara de Representantes e outro do Senado.
Com relação a este dado, os democratas têm, durante um breve período, a opção de escolher entre uma alternativa de ação. Na hipótese (a), eles se valeriam da estreita janela que lhes é concedida pelo prazo presumível da entrada em funções do novo Senador por Massachusetts (no máximo de duas semanas). Em tal caso, o líder da maioria no Senado, Harry Reid, faria votar dentro deste limite de tempo um projeto de lei da reforma sanitária que acolhesse algumas das disposições do projeto de lei da Câmara. Se aprovado pelo Senado,voltaria para a Câmara de Representantes, onde a Speaker Nancy Pelosi se ocuparia de sua aprovação pelos deputados. Obtida a luz verde do Senado, a votação pela Câmara não estaria submetida aos prazos decorrentes da assunção de Scott Brown.
A hipótese (b) é aquela que não se vale da janela existente até a posse do novo Senador. Neste caso, o projeto de lei do Senado seria submetido in totum à Camara de Representantes. Os deputados descartariam o projeto que aprovaram e partindo do pressuposto de que nenhuma votação seria factível na Câmara Alta se resignariam a votar o projeto de lei do Senado.
Há ainda um terceiro caminho que é o de uma versão fiscal, o que importaria em desfigurar os atuais projetos, eis que essa opção pode ser aprovada por maioria de 51%. Das três hipóteses, semelha a de mais difícil realização, porque implicaria em renegociação de todo o articulado. A única vantagem – que não é pequena – está em evitar a filibuster, além da chantagem de membros isolados do Senado (como ocorreu na elaboração do projeto de lei senatorial).
As primeiras reações de deputados são míopes e de índole corporativa. Consultados, muitos descartam a possibilidade de votar na íntegra o projeto do Senado. Para explicar essa falta de descortínio político, os representantes apontam para as principais características do projeto da Câmara (opção pública, normas mais liberais para o aborto, etc.)
Contudo, existe apenas um problema. A alternativa de que dispõem os representantes da Câmara é a de não haver uma reforma geral para a saúde, o carro-chefe da Administração Obama e dos democratas. Este fracasso político determinará outro que será um desempenho sofrível nas próximas eleições intermediárias (de novembro do ano corrente), e com a muito possível perda da maioria em uma ou em ambas as Casas do Congresso.
Como esta alternativa é aquela de dar um tiro no pé, seria de todo aconselhável que a bancada democrática na Câmara se conscientizasse de que o projeto de lei do Senado constituiria a verdadeira tábua de salvação para a reforma sanitária.
Para tanto, será indispensável a liderança do Presidente Obama. Muito se tem falado sobre a sua eventual fraqueza no particular. Obama privilegiaria a persuasão, a paciente formação de consensos e por aí afora.
Infelizmente, nem sempre tais métodos parlamentares são oportunos. Barack Obama encara um momento decisivo em sua presidência. Não é hora de sutilezas nem filigranas. O instinto de sobrevivência política há de sobrepujar as rivalidades de facção. Com a ajuda de Nancy Pelosi e dos demais líderes responsáveis da Câmara, mas sobretudo com a própria energia, Obama terá de convencer a maioria dos deputados democratas. Disporá, inclusive, do ganho adicional de que os blue fiscal dogs (deputados democratas conservadores sob o ângulo fiscal), com cerca de cinquenta representantes, têm simpatia pelo projeto do Senado.
Mas este é um fator suplementar. O determinante será o teste da capacidade de liderança de Obama. Afinal, ao cabo de um ano de mandato, precisará convencer a seus liderados a segui-lo, unidos pelo imperativo da sobrevivência política.

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