Caro Francis
O documentário de Nelson Hoineff é mais do que uma homenagem ao jornalista Paulo Francis, falecido em 4 de fevereiro de 1997.
Construído sobretudo em torno dos anos de permanência em Nova York, Hoineff não se limita, no entanto, a esses vinte e seis anos de sua vida. Há menção ao jovem colaborador do teatro de Paschoal Carlos Magno, de onde surgiu o seu pseudônimo. Da fase do crítico teatral que dizia o que pensava, há referência à polêmica com a atriz Tonia Carrero. Ainda no calor da celeuma se arrependeria. Chegaria até a retratar-se – segundo Fernanda Montenegro – malgrado reconhecesse que, afinal, era verdade o que dissera...
Hoineff costura o quadro das diversas personas de Paulo Francis através do testemunho não apenas de amigos, mas também de contemporâneos, companheiros de redação, eventuais alvos de suas críticas e inclusive de desafetos.
Parece-me feliz a opção do diretor por núcleos temáticos e por certa temporalidade nas falas. O espectador, quer seja familiarizado, quer não com a trajetória de Francis, se descobre arrastado pela fluidez da narrativa, que o faz sentir-se partícipe não só em casos célebres, senão de mesquinhas querelas e regurgitantes rancores, ainda vivos passada mais de década da abrupta partida.
Há pelo menos um depoimento de colega do Pasquim que nos vem de além-túmulo. Ao presenciá-lo se tem a impressão de que não mais está entre nós, mas se lhe admira o caráter judicioso, por vezes severo, das observações.
Paulo Francis não poderia responder às críticas de alguns personagens que, julgando-se favorecidos pelo silêncio dos mortos, pensam valer-se das dúbias vantagens da última palavra. Para o espectador, elas mais semelham ajustes de conta ditos pelas costas.
Vindo antes do discurso lixiviado pela correção política, a espontaneidade de Francis era carregada de ismos impublicáveis. O seu apreço pela amizade e pelos amigos, que podia culminar em uma viagem de fim de semana para o Rio, procedente de Nova York, com o único fim de animar um amigo e salvá-lo da depressão. Sem falar das colocações arranjadas para amigos desempregados. E a ojeriza à mediocridade, nas suas múltiplas e rasteiras formas. Tudo isso não se afigura muito coerente, mas é bom lembrar que Paulo Francis era assim.
O capítulo final do documentário é veraz pintura de uma tragédia anunciada. A imprudência na transmissão da Manhattan Connection com a acusação inconsequente de que os diretores da Petrobrás exigiriam a libra de carne, valendo-se do poder da estatal através de processo movido em foro de Nova York, como se o programa, falado em português, tivesse algo a ver com os Estados Unidos.
Juntam-se ao quadro a pairante indiferença do então Presidente, que no presente depoimento até se pergunta se o diretor da Petrobrás teria retirado a denúncia. A pequenez comparece igualmente nas copiosas explicações de médico por um erro de diagnóstico.
Ao nos despedir de Paulo Francis, o filme de Hoineff nos ajuda talvez a entender melhor a impaciência do retratado com a mediocridade humana. Afinal, morreu por causa dela.
Novo mandato de Ben Bernanke em perigo.
Os tempos mudaram, sobretudo depois da revolta dos eleitores de Massachusetts. Se a primeira confirmação, em 2006, pelo Senado, de Ben Bernanke, para a presidência da Federal Reserve (o Banco Central americano) foi unânime, a sua reconfirmação – consoante proposta por Barack Obama – não terá decerto a mesma sorte.
Em uma reunião do caucus democrático do Senado, definida como ‘raucous’ (tempestuosa), vários senadores da maioria manifestaram intenção de votar contra Bernanke. De acordo com o Senador Russ Feingold (D.- Wiscosin), o Fed permitiu atividades financeiras irresponsáveis que conduziram à pior crise financeira depois da Depressão. Além disso, acrescentou Feingold, Bernanke admitiu a prática de empréstimos hipotecários predatórios (o que precipitou a crise dos chamados financiamentos de hipotecas subprime ). A par disso, o Fed nada fez para impedir as atividades de alto risco de parte de bancos gigantes (ditos demasiado grandes para que sejam deixados falir), acarretando enormes riscos para a economia estadunidense.
Por sua vez, a Senadora Barbara Boxer (D.-Califórnia) abriu seu voto negativo contra Ben Bernanke, pelo seu envolvimento na política econômica de George Bush, a causadora principal da atual crise financeira.
Embora Max Baucus, presidente do Comitê Financeiro do Senado – que já aprovou a indicação presidencial – haja declarado o seu voto favorável, aumentou bastante o número de Senadores contrários a Bernanke. O próprio independente Bernie Sanders (Vermont) está liderando o movimento contra a reconfirmação da ex-unamimidade nacional.
Ainda é cedo para vaticinar a rejeição pelo Senado da indicação, mas com a mudança na atitude dos representantes democratas, agitados pelos ventos do Massachusetts, as possibilidades de aprovação de Bernanke dependem sempre mais do voto dos republicanos. Como Bernanke foi guindado à presidência do Fed por George Bush júnior, e não havendo Obama ousado apresentar uma alternativa mais afinada com a atmosfera pós-crise financeira internacional, as possibilidades de reeleição continuam fortes, embora não se possa excluir eventual surpresa.
O Estranho Caso de Roman Polanski
Como se sabe, há alguns meses Roman Polanski foi detido na Suíça, por iniciativa de um promotor da Califórnia, a respeito de sua fuga de 1977 da justiça daquele estado, às vésperas de ser sentenciado por relações sexuais com uma jovem de treze anos.
Polanski – que tem nacionalidade francesa e polonesa – há muito tempo deixara na prática de ser um fugitivo internacional, no que a própria justiça americana tinha colaborado, nunca antes evidenciando maior empenho em expedir cartas rogatórias nos diversos países por onde circulara o cineasta (que, inclusive, recebeu um Oscar de direção nesse longo interregno, o qual cuidou de coletar por interposta pessoa).
Despertou, assim, a princípio, reação negativa a circunstância de que Polanski haja sido detido na Suiça – país onde tem um chalet em Gstaad – em um festival no qual seria homenageado. Com o passar das semanas, houve um refluxo, vindo sobretudo à baila a ocorrência penal que motivara primeiro a prisão de Polanski, em seguida o seu julgamento e, pouco antes da anunciada sentença, a sua fuga.
Não pretendo descer a detalhes nesse interminável processo judiciário. Polanski negociou através dos seus advogados um reconhecimento de culpa (guilty plea) relativo a menos grave das acusações contra ele – manter relações sexuais ilegais com menor de idade (estupro estatutário). Polanski,então com quarenta e quatro anos, tivera relações sexuais com Samantha Gailey, de treze anos.
Com a evolução do caso – e depois do testemunho dado contra Polanski por Gailey na audiência do Grand Jury – a posição da vítima evoluíu para que a questão não fosse levada a juízo, pelas implicações desfavoráveis que teria para ela, Samantha Gailey. Esta continua a ser a atitude da hoje Senhora Geimer, com mais de quarenta anos e três filhos.
Na época, o processo ficou a cargo do Juiz Laurence J.Rittenband, um magistrado excêntrico e midiático, que teria grande influência para determinar a fuga de Polanski. Rittenband determinara detenção de 45 dias – cumprida pelo acusado na penitenciária Chino - , supostamente para avaliação psicológica.
Polanski concordara em submeter-se à detenção, sob o pressuposto de que a sentença a ser emitida não mais implicaria em pena de prisão. Fora, de resto, o acertado entre os advogados do cineasta, com Douglas Dalton à frente (hoje com oitenta anos, Dalton está na prática aposentado, conquanto tenha mantido válida a sua licença legal, só por causa do processo contra Polanski : “sempre achei que foi muito errado o que aconteceu com Polanski. O sistema saíu totalmente fora de controle”.
Conquanto haja falecido, e o processo ora esteja a cargo do Juiz Peter Espinoza, de certa forma o juiz Rittenband continua a pairar sobre o caso.
Esta nova fase do longo processo decorreu da solicitação de extradição à justiça helvética pelo Promotor Distrital da Califórnia David Walgren – que estaria, segundo alegações, empreendendo outra iniciativa de fundo midiático. Atualmente, Polanski conseguiu a liberdade sob fiança de US$4,5 milhões, enquanto batalha judicialmente contra o pedido de extradição.
Na Califórnia, apesar das instâncias dos advogados de Polanski de pronunciar a sentença acerca de Polanski in absentia, e a despeito da postulação do advogado de Samantha Geimer – Lawrence Silver declarou que o promotor violara os direitos da vítima, ao não consultá-la sobre a conveniência da extradição de Polanski (a chamada lei de Marsey dá este direito às vítimas) – o juiz Espinoza optou por determinar que Roman Polanski regresse aos Estados Unidos, antes que a Corte decida se ele deve ou não ir para a prisão pelo processo de 1977.
Assinale-se que, não obstante a sentença do juiz, há possibilidade de que o julgamento venha a ser considerado inválido (mistrial). A esse respeito, comentário anterior do próprio juiz Espinoza aponta para o flanco aberto na acusação contra Polanski. A tese da defesa – com o apoio do advogado de S.Geimer, que não deseja novo julgamento – é de que as provas filmadas de quebra de conduta pelo juiz Rittenband são bastantes para que a sentença fosse pronunciada desde já.
Com efeito os documentados acordos de bastidores com a acusação e a frase desse juiz de que ‘a sua imagem sofreria se ele não mandasse Polanski para a cadeia’ constituem fato grave – reconhecido pelo presente juiz Espinoza, e que justificariam a sentença in absentia, ao se comprovar a má-fé do juiz Rittenband.
Pelo visto, o processo contra Roman Polanski prossegue, em demonstração de que é dúbia a impressão de que celebridades tenham a vida facilitada em tais questões judiciárias.
( Fontes: The New Yorker, C.N.N. )
domingo, 24 de janeiro de 2010
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Um comentário:
Mauro: obrigado pelos generosos comentários. Abs, Nelson
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