sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Na Argentina dos Kirchner

Nada é garantido no subdesenvolvimento.
(de pensador anônimo)

Desde algum tempo se assiste à disputa entre a Presidente Cristina Kirchner e o Presidente do Banco Central da República Argentina (BCRA) Martín Redrado. Dada a orientação política de Nestor e Cristina Kirchner surpreende que tenha levado tanto tempo para explodir um conflito entre o que se crê todo-poderoso Executivo argentino e o autônomo Banco Central, hoje decerto um resquício dos Anos Menem na Casa Rosada, na sua filosofia do Estado minimalista e privatizante dos tempos do Consenso de Washington.
Na cartilha do neoliberalismo, a autonomia do Banco Central constitui um preceito fundamental. Diz da sabedoria política do novel Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tenha aceito não em tese, mas na prática, a aplicação dessa autonomia ao Banco Central brasileiro, ao convidar para o cargo Henrique Meirelles. Aqui, a vontade política de respeitar o princípio valeu mais do que a sua transformação em lei.
Assim, a determinação de manter o princípio, ainda que sem a formal chancela legal, pode servir a seus fins com maior credibilidade do que a imposição da autonomia. Ao invés, na Argentina essa suposta garantia de autonomia financeira à autoridade monetária, mesmo se gravada na pedra da lei, se contraporá fatalmente ao voluntarismo populista que é da essência dessa mistura de sindicalismo e de autoritarismo, que está na raiz do movimento peronista.
Como um canhão solto em convés de nau em mar agitado, a lógica da selva de Cristina Kirchner, ao destituir o Presidente do BCRA, com o risível argumento do alegado descumprimento ‘de seus deveres como funcionário público’ pode, apesar de manifestamente ilegal, quebrar a confiança do investidor que o presidente Martin Redrado desejava preservar. Ao negar-se a autorizar o desvio de US$ 6,6 bilhões das reservas argentinas em divisas de US$ 47 bilhões, Martin Redrado obedece às disposições do estatuto. Como é público e notório, o BCRA é autônomo, e seu regulamento interno dispõe que o respectivo presidente deve ser designado e destituído pelo Parlamento.
Ora, o Congresso argentino se acha em recesso. Tudo dependerá – neste choque entre o arbítrio e o exercício de atribuições legais – se haverá vontade política para uma convocação extraordinária do poder legislativo.
Como o mandato do presidente do BCRA se estende até setembro vindouro, não se exclui que Redrado peça à Justiça a anulação do decreto de Cristina Kirchner que determina o afastamento do Presidente.
Correspondendo a uma tendência ínsita em todos os vice, Miguel Angel Pesce, atual vice-presidente do BCRA aceitou o encargo. Cria-se, dessarte, uma conveniente dualidade à testa do Banco Central argentino. A consequente confusão institucional - que só aproveita à Casa Rosada – manieta a autoridade legalmente estabelecida e leva a questão ao arbítrio, seja da Justiça, seja do Congresso. Com as tardanças e imprevisibilidades próprias de tais instituições, já se tem pelo menos criada a atmosfera de incerteza e veleitarismo que é marca registrada desse avatar não-cameroniano do neopopulismo, que é o peronismo.

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