Como definir o procedimento do Governo Lula na concorrência internacional para aquisição de caças pelo Brasil ? E não se trata, por ora, sequer de analisar o mérito da transação, mas sim do exame das formalidades que devem presidir a questão de tal magnitude.
De início, semelha forçoso reconhecer que as principais autoridades envolvidas – e reporto-me ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao Ministro da Defesa, Nelson Jobim – não seguiram duas das mais comezinhas regras na condução da negociação em compra de importância estratégica para o Estado.
Dada a relevância da transação – implicando em dispêndio da ordem de dez bilhões de reais – as autoridades brasileiras precisavam manter o total controle das formalidades do processo. Para tanto, é indispensável a aplicação da regra do sigilo.
Trata-se, na verdade, de dupla confidencialidade. Se a cada um dos concorrentes se assegura a devida reserva quanto às características da proposta respectiva que está sendo submetida ao juízo técnico e político do governo brasileiro, por sua vez, a autoridade que preside à concorrência se arroga o direito de fazer conhecer a própria escolha somente após examinar as propostas e determinar qual é aquela que mais consulta ao interesse nacional.
Em outras palavras, para assegurar o controle do processo será igualmente imprescindível que o sigilo em toda a sua condução seja também estritamente obedecido.
Semelha, outrossim, necessário assinalar que tais requisitos estarão inextricavelmente presentes em qualquer exercício de concorrência, em que se deseje garantir um mínimo de equidade e seriedade na realização da transação, seja a nível local e burocrático, seja no plano internacional.
Se a primeira vista, contudo, o caráter óbvio e universal dessas regras poderia induzir a que se lhes reputasse dispensável a menção, a conduta das principais autoridades participantes torna penosamente obrigatória a explicitação de tais referências.
Não é uma preocupação de índole formalista a decisão de que esses requisitos básicos sejam mantidos. Tal compete à autoridade que preside à concorrência. Está no seu interesse – e, pasmem, no dos concorrentes – que as posições respectivas estejam bem nítidas e não possam ser confundidas.
Ao permitir que o Presidente da França, Nicolas Sarkozy, com a sua desenvoltura e habilidade conhecidas, subvertesse as regras da concorrência, o Presidente Lula foi forçado a recuar da nota em que anunciava, em setembro e por antecipação, a vitória do avião Rafale da fábrica francesa Dassault. Por sua vez, pela sua conhecida preferência pela opção francesa, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, tampouco transmitia impressão de isenção que é um prerrequisito em qualquer concorrência internacional.
Nesse registro de atitudes pouco condizentes com o procedimento em tela, incumbe acrescentar o deslize do Comando da Aeronáutica, com o vazamento pela Folha do relatório técnico que dá o primeiro lugar na concorrência ao caça Saab Gripen NG, o segundo ao norte-americano Boeing F-18, e o terceiro e último posto ao Rafale francês.
Toda essa série de indiscrições, voluntárias ou não, nesta concorrência internacional, mostra o quão deixa a desejar o respeito ao sigilo da informação, em questão de tal importância.
Por ser política a escolha, o parecer técnico da Aeronáutica não é determinante. Terá, todavia, de ser levado em conta, porque, como se afirmou, serão eles a operar nas próximas décadas os caças selecionados. De qualquer forma, todos os concorrentes têm condições de serem escolhidos, se a seleção atender ao interesse nacional. Quem poderá determiná-lo é o Presidente, assessorado por seu Ministro.
Não obstante, teria sido, sem dúvida, preferível que a concorrência houvesse procedido na forma convencional. Tudo o mais faz lembrar a frase atribuída ao general de Gaulle, ao ensejo da chamada ‘guerra da lagosta’: ‘O Brasil não é um país sério’.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
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