Chamou a atenção mundial nesta quarta-feira o anúncio da empresa Google de que interrompera a sua cooperação com a censura da internet pela China, e que está considerando encerrar a operação naquele país.
A surpreendente decisão do Google não provocaria, no entanto, na República Popular da China uma repercussão similar. Tal não ocorreu decerto por acaso. Os atuais governantes da China são herdeiros da escolha feita em 1989 por Deng Xiaoping que, envolvido pela facção do Primeiro Ministro Li Peng, optou contra os manifestantes da Praça da Paz Celestial pela saída autoritária, ao invés do caminho do diálogo, proposto pelo então Secretário-Geral do Partido Comunista Zhao Ziyang.
O massacre de Tiananmen cobraria um altíssimo preço dos dirigentes chineses, pela via burocrático-autoritária e repressiva, que tornaria a evolução da RPC eivada do grave desequilíbrio, em que às liberdades econômicas não corresponderia abertura no campo das liberdades políticas.
A opção democrática de Zhao Ziyang foi mantida em prisão domiciliar. Com efeito, o popular líder seria colocado pela cúpula partidária no limbo de sua residência particular, de que muito poucas vezes se pôde afastar. E diz bastante do temor dos sucessores de Li Peng com a corajosa decisão de Zhao de não recitar a mea culpa, a tal ponto que sua morte em janeiro de 2005 foi tratada como segredo de estado, para evitar manifestações similares àquelas votadas no passamento de Hu Yaobang, o antecessor liberal de Zhao na chefia do Partido, e que fora defenestrado por ordem de Deng. [1]
Atraído pelo mercado chinês, Google concordou inicialmente em colaborar com a censura chinesa na internet. Diante da postura repressiva da hierarquia do PCC – e de sofisticados ataques cibernéticos de que se suspeita a origem chinesa contra os sistemas de computador da Google e em particular às contas de advogados chineses de direitos humanos - a direção do Google adotou o recuo tático com respeito a Beijing, a quem fez a advertência da ruptura se a situação perdurar nas presentes condições.
A respeito das estranhas incursões cibernéticas que o Google atribui às autoridades chinesas, a Secretaria de Estado Hillary Clinton expressou séria preocupação (‘concern’) com a infiltração no sistema da grande empresa estadunidense, acrescentando que se espera do governo chinês uma explicação.
Dessarte, a notícia da atitude tomada pelo Google logo desapareceria dos portais da internet chinesa. Além de sumir dos cabeçalhos, tampouco se fez referência aos pontos levantados pela empresa americana de ‘liberdade de palavra’ (free speach) e vigilância (surveillance).
A reação dos internautas na China, posto que obstaculizada pela censura oficial, se expressou sobretudo em mensagens e comentários no Twitter, que é somente acessível àqueles que conseguem eludir a chamada Grande muralha de fogo (Great firewall).
Explicando a posição da firma, o vice-presidente para o desenvolvimento corporativo e o principal funcionário jurídico (chief legal officer), David C. Drummond asseverou: “Decidimos que não queremos mais continuar a censurar os resultados de google.cn, e dessa forma nas próximas semanas estaremos discutindo com o governo chinês a base consoante a qual podemos operar dentro da lei, se tal é possível, um instrumento de busca não-filtrada”.
Atualmente, se um usuário na China faz pedido que inclua palavras como ‘massacre na praça Tiananmen’ ou ‘Dalai Lama’, a resposta é um espaço em branco.
A saída do Google do mercado chinês se confirmada equivaleria a uma repreensão da RPC por uma das maiores e mais admiradas empresas tecnológicas. No mercado de busca chinês, a participação do Google é menor do que a tida em outras partes. Em média, apenas recebe um pedido de busca contra três destinados aos concorrentes chineses.
Agora, o Google emprega em seus escritórios na RPC setecentas pessoas, dos quais muitos altamente bem-pagos engenheiros em soft-ware. De sua presença naquele mercado aufere rendimento anual de cerca de trezentos milhões de dólares.
Na avaliação de analistas, dadas as potencialidades do mercado chinês – hoje existem trezentos milhões de usuários da internet na China - a sua retirada poderia reduzir de forma significativa a capacidade de crescimento do Google a longo prazo.
De qualquer maneira, é ainda cedo para prever como terminará esta questão. Google tem o apoio da Secretária de Estado Clinton, e talvez a própria iniciativa tenha a ver com o esforço promovido pelo Departamento de Estado de promover a liberdade na internet através do mundo.
O próprio Presidente Barack Obama, em sua recente visita à China, só pode discursar para estudantes universitários pré-selecionados pelo governo, e a sua transmissão televisiva teve âmbito geográfico reduzido.
Apesar dos diversos percalços sofridos no relacionamento, Obama não alterou por ora o seu modus faciendi, em que costuma privilegiar o entendimento com os gerarcas chineses.
Quanto ao Google, através desta pausa no relacionamento, dependerá das conversas com os setores competentes a indicação de como terminará o assunto. Se as instâncias governamentais não se assinalam pela flexibilidade, o peso do Google não é negligenciável e não esqueçamos que os chineses, qualquer que seja a ideologia, sempre foram bons negociantes.
( Fonte: International Herald Tribune )
[1] O pesar pela morte de Hu Yaobang, identificado pelos estudantes como empenhado na abertura democrática, originou em abril de 1989 o movimento de protesto, que seria posteriormente sufocado pelo massacre de Tiananmen, em quatro de junho.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
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