A Moça da Janela
Na rua onde morava havia um casarão com jeito de abandonado. Corriam estórias a seu respeito – que os donos tinham morrido e gente se aproveitara para ocupá-lo; ou que a propriedade fosse contestada em interminável ação dessas que se arrastam anos a fio na justiça.
De qualquer forma, a vizinhança não parecia ver com bons olhos quem lá morasse. Dos seus próprios pais não se lembrava de ter ouvido nada. Talvez um muxoxo de sua mãe, quando lhe perguntara algo a propósito. Ficou então com a impressão de que melhor seria não perder tempo com as pessoas que aí morassem.
Os meses e os anos passaram, sem que nada mudasse daquela visão sumária. Diziam que saíam cedo e voltavam tarde, em geral apressados e malvestidos.
Só a aparência do prédio traía a falta de atenção ou de meios de seus residentes. Mas era aquela transformação lenta e insidiosa que o convívio diário costuma disfarçar. O avanço na deterioração só se atinava se alguém por um tempo o largasse de vista.
Em um fim de tarde com o céu enfarruscado, José veio à janela para ver se tinha de levar o guarda-chuva. Poderia ir andando até o ponto da reunião, se bem que fosse um estirão de quatro ou cinco quarteirôes. Melhor assim sair prevenido, se julgasse real a ameaça de aguaceiro.
O olhar ligeiro não viu apenas as nuvens pesadas e escuras. Como se fizesse um risco imaginário, ele cruzou também pelo casarão, que ficava do lado oposto, em transversal de uns cinquenta, setenta metros.
A surpresa, no entanto, fez com que sua atenção se detivesse.
Não havia luz de rua próxima daquele prédio. No lusco-fusco do fim de dia, a visibilidade era precária. Não obstante, em um dos janelões do segundo andar acreditou entrever as feições de o que parecia ser uma jovem.
Como nunca antes deparara abertas qualquer das largas venezianas, e muito menos nelas notara a presença de algum morador, de pronto procurou forçar-lhe a visão, intentando distinguir o entrevisto rosto.
Não teria certeza, mas logo o que estivesse do outro lado desapareceu por trás das sombras que envolviam a velha construção.
No relance, uma dúvida lhe ficara. De imediato, não se deu muita conta. Depois, contudo, a imagem ou o seu imperfeito esboço tornaria.
(a continuar)
domingo, 31 de janeiro de 2010
sábado, 30 de janeiro de 2010
Colcha de Retalhos XXXVI
A destruição da Floresta Amazônica
Parece-me importante manter o leitor a par da progressão da devastação da grande floresta amazônica, de que o Brasil e seus governos tem sido medíocres depositários.
Este grande espetáculo da natureza, essa incomparável e até o presente incomensurável riqueza em termos de biodiversidade, espaço privilegiado que tanto contribui para o equilíbrio climático do planeta, eis a pujante hiléia amazônica que Alexander von Humboldt e tantos outros sábios exploradores palmilharam e admiraram, e que, a despeito de sua relativa fraqueza militar, a metrópole portuguesa logrou, pelo segredo das velhas cartas e a argúcia e precisão geopolítica da colocação dos fortes, preservar da avidez das grandes potências de seu tempo, como o demonstram os galeões ingleses e franceses naufragados no dédalo do acesso ao grande rio, este derradeiro e incomparável domínio, única extensão continental de recursos naturais, nós estamos pela desídia estatal que assiste não inerme e tampouco à própria revelia que a estúpida cegueira dos descendentes de Esaú a devastem com o meticuloso afã de formigas cujo número e pertinácia desfazem em poeira as vãs assertivas dos infiéis guardiães deste imenso parque que dia a dia, sob os frios visores dos satélites, vai minguando inexoravelmente.
Há sem dúvida um traço masoquista nessa corrente de estatisticas que, a exemplo de uma moderna Cassandra, apregoa verdades que escorrem pelos ouvidos de quem de direito, não produzindo qualquer efeito, seja na punição dos responsáveis, seja no surgimento de medidas sérias e eficazes que ponham termo a tal escárnio da boçal reincidência dos desmatadores.
Compilação de estudos publicada pelo Banco Mundial e enfurnada em página interna do jornal nos informa que o desmate da Amazônia já atingiu 17 % da floresta. De acordo com tal avaliação os três por cento que faltam para alcançar a marca de 20% seriam o bastante para desencadear a destruição do restante da hiléia.
Em verdade, em estudos de simulação, os cientistas puderam determinar que, ao chegar a este quinto da área total, o efeito conjunto de incêndios, desmatamento e mudança climática empurra a floresta para um estágio em que ela perde a sua “massa crítica” para a sobrevivência.
Semelha difícil crer que um percentual limitado a tal ordem de grandeza seja capaz de lançar a nossa principal riqueza natural em uma descida irreversível. No entanto, o que está acontecendo em áreas onde a criminosa destruição se acha proporcionalmente mais adiantada, como em grandes sub-regiões do Pará e até no entorno de Manaus, indica que tais prognósticos se afiguram bastante críveis na sua agourenta mensagem.
Exportações brasileiras. Perfil.
Infelizmente, se acentua um traço negativo na pauta de nossas exportações. Em 2009, houve concentração das vendas externas em produtos primários – as ditas commodities – e o consequente enfraquecimento dos produtos manufatureiros.
Se o Brasil deseja continuar nos Brics – a famosa sigla que nos associa à China, India e Rússia nas chamadas potências emergentes – carecemos de desenvolver a exportação de produtos manufaturados, máxime aqueles com maior valor agregado por trabalho e tecnologia.
Dessarte, a atual dependência em commodities nos atrela às alternâncias do mercado, eis que esse gênero de mercadoria está muito afeto às quedas bruscas de cotação, com efeitos negativos sobre a balança comercial.
Assim, em 2009 não existiu nenhum produto manufaturado entre os seis primeiros (soja, minério de ferro,petróleo, açúcar, frango e farelo de soja). Tão sómente apareceram em sétimo, aviões e, em décimo, automóveis. É de ter-se igualmente presente que quanto a veículos, as suas montadoras são todas estrangeiras, e os eventuais lucros auferidos correm logo para as matrizes de além-mar.
Absolvida a nêmesis de Nicolas Sarkozy.
Dominique de Villepin (V. blog anterior) foi declarado inocente por tribunal parisiense das acusações de que participara de alegada conspiração para manchar a reputação do atual Presidente da França, Nicolas Sarkozy.
Este movimentara o considerável poder de que dispõe o Chefe de Estado na França para condenar a Dominique de Villepin, antigo Primeiro Ministro de Jacques Chirac, e principal adversário de Sarkozy dentro do partido gaullista na campanha pela designação da candidatura presidencial.
De Villepin – a despeito de haver sido declarado culpado por Sarkozy antes do julgamento – enfrentou com vantagem a promotoria que pedia uma sentença de dezoito meses de prisão condicional e multa de cerca US$ 65 mil.
Segundo Arnaud Montebourg, deputado do Partido Socialista, Sarkozy “instrumentalizou a justiça para ajustar contas”, e aduziu que o veredito “é prova de que Sarkozy usou a justiça para tentar eliminar um rival político”.
Dominique de Villepin, livre de qualquer acusação, e reforçado pelo ordálio sofrido, pretende disputar a candidatura à presidência no próximo pleito. As indicações são de que Sarkozy logrará a candidatura partidária, mas que sai enfraquecido pela contestação de seu inimigo político, que sai da refrega com a têmpera provada e o reconhecimento público aumentado.
(Fontes: Folha de S.Paulo, O Globo, International Herald Tribune)
Parece-me importante manter o leitor a par da progressão da devastação da grande floresta amazônica, de que o Brasil e seus governos tem sido medíocres depositários.
Este grande espetáculo da natureza, essa incomparável e até o presente incomensurável riqueza em termos de biodiversidade, espaço privilegiado que tanto contribui para o equilíbrio climático do planeta, eis a pujante hiléia amazônica que Alexander von Humboldt e tantos outros sábios exploradores palmilharam e admiraram, e que, a despeito de sua relativa fraqueza militar, a metrópole portuguesa logrou, pelo segredo das velhas cartas e a argúcia e precisão geopolítica da colocação dos fortes, preservar da avidez das grandes potências de seu tempo, como o demonstram os galeões ingleses e franceses naufragados no dédalo do acesso ao grande rio, este derradeiro e incomparável domínio, única extensão continental de recursos naturais, nós estamos pela desídia estatal que assiste não inerme e tampouco à própria revelia que a estúpida cegueira dos descendentes de Esaú a devastem com o meticuloso afã de formigas cujo número e pertinácia desfazem em poeira as vãs assertivas dos infiéis guardiães deste imenso parque que dia a dia, sob os frios visores dos satélites, vai minguando inexoravelmente.
Há sem dúvida um traço masoquista nessa corrente de estatisticas que, a exemplo de uma moderna Cassandra, apregoa verdades que escorrem pelos ouvidos de quem de direito, não produzindo qualquer efeito, seja na punição dos responsáveis, seja no surgimento de medidas sérias e eficazes que ponham termo a tal escárnio da boçal reincidência dos desmatadores.
Compilação de estudos publicada pelo Banco Mundial e enfurnada em página interna do jornal nos informa que o desmate da Amazônia já atingiu 17 % da floresta. De acordo com tal avaliação os três por cento que faltam para alcançar a marca de 20% seriam o bastante para desencadear a destruição do restante da hiléia.
Em verdade, em estudos de simulação, os cientistas puderam determinar que, ao chegar a este quinto da área total, o efeito conjunto de incêndios, desmatamento e mudança climática empurra a floresta para um estágio em que ela perde a sua “massa crítica” para a sobrevivência.
Semelha difícil crer que um percentual limitado a tal ordem de grandeza seja capaz de lançar a nossa principal riqueza natural em uma descida irreversível. No entanto, o que está acontecendo em áreas onde a criminosa destruição se acha proporcionalmente mais adiantada, como em grandes sub-regiões do Pará e até no entorno de Manaus, indica que tais prognósticos se afiguram bastante críveis na sua agourenta mensagem.
Exportações brasileiras. Perfil.
Infelizmente, se acentua um traço negativo na pauta de nossas exportações. Em 2009, houve concentração das vendas externas em produtos primários – as ditas commodities – e o consequente enfraquecimento dos produtos manufatureiros.
Se o Brasil deseja continuar nos Brics – a famosa sigla que nos associa à China, India e Rússia nas chamadas potências emergentes – carecemos de desenvolver a exportação de produtos manufaturados, máxime aqueles com maior valor agregado por trabalho e tecnologia.
Dessarte, a atual dependência em commodities nos atrela às alternâncias do mercado, eis que esse gênero de mercadoria está muito afeto às quedas bruscas de cotação, com efeitos negativos sobre a balança comercial.
Assim, em 2009 não existiu nenhum produto manufaturado entre os seis primeiros (soja, minério de ferro,petróleo, açúcar, frango e farelo de soja). Tão sómente apareceram em sétimo, aviões e, em décimo, automóveis. É de ter-se igualmente presente que quanto a veículos, as suas montadoras são todas estrangeiras, e os eventuais lucros auferidos correm logo para as matrizes de além-mar.
Absolvida a nêmesis de Nicolas Sarkozy.
Dominique de Villepin (V. blog anterior) foi declarado inocente por tribunal parisiense das acusações de que participara de alegada conspiração para manchar a reputação do atual Presidente da França, Nicolas Sarkozy.
Este movimentara o considerável poder de que dispõe o Chefe de Estado na França para condenar a Dominique de Villepin, antigo Primeiro Ministro de Jacques Chirac, e principal adversário de Sarkozy dentro do partido gaullista na campanha pela designação da candidatura presidencial.
De Villepin – a despeito de haver sido declarado culpado por Sarkozy antes do julgamento – enfrentou com vantagem a promotoria que pedia uma sentença de dezoito meses de prisão condicional e multa de cerca US$ 65 mil.
Segundo Arnaud Montebourg, deputado do Partido Socialista, Sarkozy “instrumentalizou a justiça para ajustar contas”, e aduziu que o veredito “é prova de que Sarkozy usou a justiça para tentar eliminar um rival político”.
Dominique de Villepin, livre de qualquer acusação, e reforçado pelo ordálio sofrido, pretende disputar a candidatura à presidência no próximo pleito. As indicações são de que Sarkozy logrará a candidatura partidária, mas que sai enfraquecido pela contestação de seu inimigo político, que sai da refrega com a têmpera provada e o reconhecimento público aumentado.
(Fontes: Folha de S.Paulo, O Globo, International Herald Tribune)
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
A Reforma Política
Talvez a necessidade da reforma política não seja experimentada pelo cidadão de forma tão agressiva e pungente quando lhe surge pela frente mais um grupo de desconhecidos a gabarem os méritos de uma sigla partidária jamais antes vista.
A coisa costuma ocorrer da seguinte forma. Em meio às notícias, o par de locutores das estações de tevê anuncia a interrupção das transmissões do jornal televisivo por um cinco ou dez minutos, para a propaganda política obrigatória.
Pois os políticos, de grandes, médias ou nanicas agremiações, não se contentam com qualquer horário. Querem aquele do Ibope mais alto, desejosos que estão de insinuarem as suas mensagens sovadas e grandiloquentes para o imenso público que lá está para saber de o que de interessante e relevante está ocorrendo em nosso Brasil e pelo mundo afora.
Como bem sabemos, esse programa se intitula gratuito e se organiza de acordo com a legislação eleitoral que, como igualmente não ignoramos, se modifica e se amplifica a cada novo prazo de eleição.
O número de partidos existentes no Brasil, seja com representantes no Congresso, seja em formação, há de desafiar qualquer prognóstico que se baseie ou na lógica, ou em elementar bom senso.
Esta multiplicação de legendas, algumas herdadas de partidos históricos hoje defuntos, outras inventadas a partir de bizarras composições, podem servir a um que outro político que ambicione pavonear-se com sigla própria, como se fora líder de movimento de opinião.
Muitas delas são ditas de aluguel, eis que aí estão para se juntarem a outras maiores, no laborioso intento de construirem espaços para os candidatos dos principais partidos, na sua busca do indispensável tempo de exposição, na época da propaganda eleitoral para o primeiro turno do pleito.
A excessiva fragmentação da representação partidária, fragmentação essa que de resto convive na periferia do espaço ocupado pelas bancadas dos grandes partidos, tem notadamente três aspectos negativos: (a) desconcerta o eleitor, que se depara com sigla(s) que pouco ou nada significam; (b) torna os necessários debates televisivos entre candidatos a cargo majoritário, difíceis ou impossíveis de organizar dada a inevitável inchação de candidatos; e (c) tende a desmoralizar a campanha nos meios de comunicação como espetáculos pouco sérios, com ilustres desconhecidos de siglas idem, a invadirem, inda que marginalmente, espaços políticos que deveriam ter melhor destinação.
Ora, se estes senhores aparecem na telinha não será por acaso. Os grandes partidos têm procedido, no passado, não a verdadeira reforma política, mas a perfunctórias tentativas de reduzir o excessivo número de legendas nanicas.
Está aí o exemplo das grandes democracias a demonstrar que o número restrito de partidos não é síntoma de falta de liberdade. Há diversos critérios para implementá-la, mas no Brasil semelha não existir a vontade política de torná-la realidade.
Partindo dos principais partidos aqui atuantes – PMDB, PT, PSDB e DEM – já se teria uma base para a implantação de sistema. Atendendo a idiossincrasias nacionais, caberia talvez incluir PV, PTB, PSB e PDT.
De qualquer forma, se estabeleceria um percentual mínimo de representação nacional (5%), o que poderia, em casos especiais, ser compensado por representações em certo número mínimo de estados, de acordo com um percentual fixo.
O não cumprimento de um desses dois critérios implicaria na perda da legenda. Na hipótese de candidatos vencedores em pleitos majoritários ou naqueles proporcionais, os seus direitos seriam resguardados, na qualidade de independentes. Teriam prazo para a inscrição em outra legenda.
A esse propósito, o sistema alemão forneceria um bom exemplo, se o propósito de reformar a legislação eleitoral não fosse apenas um epifenômeno eleitoreiro, que desaparece após a eleição como as miragens no deserto.
Careceríamos de alguém ou de algum movimento, possuído de pejo quanto ao valor de suas promessas. No presente cenário brasileiro, haverá quem cumpra a sua palavra nesse particular, empenhando-se realmente em começar a implantar esse primeiro aspecto da reforma política, tornando o nosso universo partidário menos pitoresco e irrealista ?
A coisa costuma ocorrer da seguinte forma. Em meio às notícias, o par de locutores das estações de tevê anuncia a interrupção das transmissões do jornal televisivo por um cinco ou dez minutos, para a propaganda política obrigatória.
Pois os políticos, de grandes, médias ou nanicas agremiações, não se contentam com qualquer horário. Querem aquele do Ibope mais alto, desejosos que estão de insinuarem as suas mensagens sovadas e grandiloquentes para o imenso público que lá está para saber de o que de interessante e relevante está ocorrendo em nosso Brasil e pelo mundo afora.
Como bem sabemos, esse programa se intitula gratuito e se organiza de acordo com a legislação eleitoral que, como igualmente não ignoramos, se modifica e se amplifica a cada novo prazo de eleição.
O número de partidos existentes no Brasil, seja com representantes no Congresso, seja em formação, há de desafiar qualquer prognóstico que se baseie ou na lógica, ou em elementar bom senso.
Esta multiplicação de legendas, algumas herdadas de partidos históricos hoje defuntos, outras inventadas a partir de bizarras composições, podem servir a um que outro político que ambicione pavonear-se com sigla própria, como se fora líder de movimento de opinião.
Muitas delas são ditas de aluguel, eis que aí estão para se juntarem a outras maiores, no laborioso intento de construirem espaços para os candidatos dos principais partidos, na sua busca do indispensável tempo de exposição, na época da propaganda eleitoral para o primeiro turno do pleito.
A excessiva fragmentação da representação partidária, fragmentação essa que de resto convive na periferia do espaço ocupado pelas bancadas dos grandes partidos, tem notadamente três aspectos negativos: (a) desconcerta o eleitor, que se depara com sigla(s) que pouco ou nada significam; (b) torna os necessários debates televisivos entre candidatos a cargo majoritário, difíceis ou impossíveis de organizar dada a inevitável inchação de candidatos; e (c) tende a desmoralizar a campanha nos meios de comunicação como espetáculos pouco sérios, com ilustres desconhecidos de siglas idem, a invadirem, inda que marginalmente, espaços políticos que deveriam ter melhor destinação.
Ora, se estes senhores aparecem na telinha não será por acaso. Os grandes partidos têm procedido, no passado, não a verdadeira reforma política, mas a perfunctórias tentativas de reduzir o excessivo número de legendas nanicas.
Está aí o exemplo das grandes democracias a demonstrar que o número restrito de partidos não é síntoma de falta de liberdade. Há diversos critérios para implementá-la, mas no Brasil semelha não existir a vontade política de torná-la realidade.
Partindo dos principais partidos aqui atuantes – PMDB, PT, PSDB e DEM – já se teria uma base para a implantação de sistema. Atendendo a idiossincrasias nacionais, caberia talvez incluir PV, PTB, PSB e PDT.
De qualquer forma, se estabeleceria um percentual mínimo de representação nacional (5%), o que poderia, em casos especiais, ser compensado por representações em certo número mínimo de estados, de acordo com um percentual fixo.
O não cumprimento de um desses dois critérios implicaria na perda da legenda. Na hipótese de candidatos vencedores em pleitos majoritários ou naqueles proporcionais, os seus direitos seriam resguardados, na qualidade de independentes. Teriam prazo para a inscrição em outra legenda.
A esse propósito, o sistema alemão forneceria um bom exemplo, se o propósito de reformar a legislação eleitoral não fosse apenas um epifenômeno eleitoreiro, que desaparece após a eleição como as miragens no deserto.
Careceríamos de alguém ou de algum movimento, possuído de pejo quanto ao valor de suas promessas. No presente cenário brasileiro, haverá quem cumpra a sua palavra nesse particular, empenhando-se realmente em começar a implantar esse primeiro aspecto da reforma política, tornando o nosso universo partidário menos pitoresco e irrealista ?
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
O Segundo 'State of the Union' de Obama
Em momentos de crise, a resposta de um Presidente pode ser sinal importante de como se conformará a própria reação diante do sério desafio que se coloca para a Administração.
Para quem pôde assisti-lo discursar no grande salão da Câmara de Representantes do Congresso Americano, será difícil – a menos que toldado por paixão sectária – não colher uma impressão favorável.
É verdade que a oratória constitui uma das maiores qualidades do 44º Presidente dos Estados Unidos. Não obstante, esse notável atributo ele igualmente o mostrara na longa e árdua campanha presidencial, máxime nas primárias contra Hillary Clinton, quando soube superar momentos críticos e difíceis na acirrada luta pela designação à candidatura democrata.
Todos sabemos como terminou essa travessia. Hoje, com satisfação, o o observador depara a mesma determinação e brilhantismo de antes.
Acicatado pelos ventos de Massachusetts, ao invés de invectivar contra o passado, lança um olhar sereno sobre o presente e se volta para o futuro, como se o percalço da Nova Inglaterra antes represente um catalisador de energias, ao invés de agourento portador de más notícias.
Sob o lema de que não fraquejará – I won’t quit – aludiu ao deficit de confiança que o americano comum nutre por Washington.
Falou em seguida sobre o que os eleitores esperam de seus representantes, sejam eles democratas, ou republicanos. Apesar das diferenças políticas do povo americano, na verdade todos eles desejam que os seus governantes, senadores e deputados trabalhem pelo bem comum, eis que as dificuldades com que se defrontam são próprias de todos, e nada têm a ver com aspectos partidários.
Mais uma vez Obama se reportou à falta de cooperação do Partido Republicano, malgrado os seus esforços em prol do bipartidarismo. Dirigindo-se ao Senador Mitch McConnell, lider da minoria no Senado, enfatizou que seria oportuno tentar o approach do bom senso, e não se imobilizar em postura negativista, que pode ser até uma política, mas nada tem a ver com sentido de liderança.
Dentre os seus anúncios de impacto, Obama referiu que não recuará na luta pela aprovação da Reforma Sanitária. Assume a sua parcela de culpa no tempo perdido em sua tramitação, mas não desistirá em fazê-la aprovar, tendo presentes todos os males que a inação há de provocar (pessoas perdendo a assistência sanitária, pequenos negócios forçados a descontinuá-la, incrementos dos preços das apólices, etc.)
Também reafirmou o desígnio de lograr uma reforma financeira para valer. Disse o presidente que não está interessado em punir os grandes bancos, mas agora que já se acham em condições de pagar gordos bônus a seus diretores possam eles contribuir para que a rede financeira se estenda em favor do povo americano. E, a respeito, declarou que se não for satisfatória a reforma financeira aprovada pelo Congresso, ele a mandará de volta para a elaboração de um instrumento adequado.
Referiu o presidente, outrossim, que tomará medidas para repelir a presente normativa ( oriunda da Administração Clinton) do don’t ask, don’t tell (não pergunte, não diga), relativa à respectiva orientação sexual entre os militares. Asseverou que ela não se adequa ao respeito aos direitos humanos e por isso carece de ser afastada. Assinale-se que em meio a aplausos gerais, permaneceram sentados e sem bater palmas todos os chefes militares que, por tradição são convidados a tal cerimônia.
Sob o tema do emprego, o presidente disse ter muito presente que ainda um de dez americanos esteja desempregado. Nesse capítulo, asseverou que aprovara as medidas de bail-out (ajuda extraordinária a bancos e montadoras), apesar de não serem populares, porque elas eram necessárias. A maior parte – porém não toda - do dinheiro público dispendido havia sido restituída. A esse respeito,enfatizou a necessidade de união e de trabalhos, dentro da tradição de qualidade e excelência que sempre caracterizara a indústria estadunidense.
Não houve interrupções como a do ano passado – you lie! (você mente !), dita por um obscuro deputado (back-bencher) do GOP.
Doravante nos caberá verificar se à firmeza do discurso corresponderá igual disposição na implementação, em ambiente decerto diverso, mas onde os democratos continuam a ser maioria em ambas as Casas, posto que não mais possuam a chave mágica da sexagésima cadeira no Senado.
Para quem pôde assisti-lo discursar no grande salão da Câmara de Representantes do Congresso Americano, será difícil – a menos que toldado por paixão sectária – não colher uma impressão favorável.
É verdade que a oratória constitui uma das maiores qualidades do 44º Presidente dos Estados Unidos. Não obstante, esse notável atributo ele igualmente o mostrara na longa e árdua campanha presidencial, máxime nas primárias contra Hillary Clinton, quando soube superar momentos críticos e difíceis na acirrada luta pela designação à candidatura democrata.
Todos sabemos como terminou essa travessia. Hoje, com satisfação, o o observador depara a mesma determinação e brilhantismo de antes.
Acicatado pelos ventos de Massachusetts, ao invés de invectivar contra o passado, lança um olhar sereno sobre o presente e se volta para o futuro, como se o percalço da Nova Inglaterra antes represente um catalisador de energias, ao invés de agourento portador de más notícias.
Sob o lema de que não fraquejará – I won’t quit – aludiu ao deficit de confiança que o americano comum nutre por Washington.
Falou em seguida sobre o que os eleitores esperam de seus representantes, sejam eles democratas, ou republicanos. Apesar das diferenças políticas do povo americano, na verdade todos eles desejam que os seus governantes, senadores e deputados trabalhem pelo bem comum, eis que as dificuldades com que se defrontam são próprias de todos, e nada têm a ver com aspectos partidários.
Mais uma vez Obama se reportou à falta de cooperação do Partido Republicano, malgrado os seus esforços em prol do bipartidarismo. Dirigindo-se ao Senador Mitch McConnell, lider da minoria no Senado, enfatizou que seria oportuno tentar o approach do bom senso, e não se imobilizar em postura negativista, que pode ser até uma política, mas nada tem a ver com sentido de liderança.
Dentre os seus anúncios de impacto, Obama referiu que não recuará na luta pela aprovação da Reforma Sanitária. Assume a sua parcela de culpa no tempo perdido em sua tramitação, mas não desistirá em fazê-la aprovar, tendo presentes todos os males que a inação há de provocar (pessoas perdendo a assistência sanitária, pequenos negócios forçados a descontinuá-la, incrementos dos preços das apólices, etc.)
Também reafirmou o desígnio de lograr uma reforma financeira para valer. Disse o presidente que não está interessado em punir os grandes bancos, mas agora que já se acham em condições de pagar gordos bônus a seus diretores possam eles contribuir para que a rede financeira se estenda em favor do povo americano. E, a respeito, declarou que se não for satisfatória a reforma financeira aprovada pelo Congresso, ele a mandará de volta para a elaboração de um instrumento adequado.
Referiu o presidente, outrossim, que tomará medidas para repelir a presente normativa ( oriunda da Administração Clinton) do don’t ask, don’t tell (não pergunte, não diga), relativa à respectiva orientação sexual entre os militares. Asseverou que ela não se adequa ao respeito aos direitos humanos e por isso carece de ser afastada. Assinale-se que em meio a aplausos gerais, permaneceram sentados e sem bater palmas todos os chefes militares que, por tradição são convidados a tal cerimônia.
Sob o tema do emprego, o presidente disse ter muito presente que ainda um de dez americanos esteja desempregado. Nesse capítulo, asseverou que aprovara as medidas de bail-out (ajuda extraordinária a bancos e montadoras), apesar de não serem populares, porque elas eram necessárias. A maior parte – porém não toda - do dinheiro público dispendido havia sido restituída. A esse respeito,enfatizou a necessidade de união e de trabalhos, dentro da tradição de qualidade e excelência que sempre caracterizara a indústria estadunidense.
Não houve interrupções como a do ano passado – you lie! (você mente !), dita por um obscuro deputado (back-bencher) do GOP.
Doravante nos caberá verificar se à firmeza do discurso corresponderá igual disposição na implementação, em ambiente decerto diverso, mas onde os democratos continuam a ser maioria em ambas as Casas, posto que não mais possuam a chave mágica da sexagésima cadeira no Senado.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Dívida Pública Volta a Crescer
A dívida pública federal aumentou de 7,16% em 2009, atingindo no final do ano R$1,497 trilhão. Assinala-se, portanto, aumento de cem bilhões com relação a dezembro de 2008, o que corresponde grosso modo às emissões feitas pelo governo para capitalizar o BNDES (R$80 bilhões), o Fundo de Marinha Mercante (R$ 15 bilhões), a Caixa Econômica Federal (R$ 6 bilhões) e o Banco do Nordeste (R$ bilhão).
Já me ocupara dos sinais de alerta acionados por tal estratégia das autoridades fazendárias. Com efeito, no blog de dez de dezembro de 2009, sob o titulo ‘Para garantir o presente, gastar o futuro ?’ tratara desse controverso meio de, através da gestação de mais endividamento, injetar novos recursos no crédito público.
Segundo se assinala, a solvência de um país é medida pela dívida líquida do setor público consolidado (que abrange não só governo federal, mas estatais, estados, municípios e ainda considera os créditos a receber). O endividamento em títulos responde por mais de 40% da dívida líquida. No entanto, as emissões para capitalização dos bancos públicos são empréstimos e, por conseguinte, não concernem diretamente à divida líquida.
A despeito do aumento da dívida – com que o governo procura driblar as injunções da crise financeira (especialmente a redução na receita) – a análise do mercado é necessariamente ambivalente.
Assim, se no curto prazo as condições do endividamento forem boas – o perfil da dívida é considerado positivo, assim como as condições de rolagem - , preocupa o incremento contínuo do estoque, pois implica em elevado compromisso com o superavit primário.
Com efeito, ao contrair empréstimos – para compensar os fundos não auferidos tanto com a queda na arrecadação fiscal causada pela crise, quanto pelas chamadas desonerações fiscais de ativar a demanda em bens de consumo duráveis – de forma sistemática, o governo continua a palmilhar a arriscada trilha da política de atender a supostas necessidades do presente através do comprometimento do futuro.
Malgrado tais malabarismos, as previsões de crescimento do FMI, dentre as ditas economias emergentes, para a brasileira ( de 4,7% em 2010) são assaz menos brilhantes do que as estimativas para a China e a Índia (respectivamente, 10,0% e 7,7%).
Por outro lado, em ano eleitoral, com uma candidata a que falta appeal, mas sobra a disposição de Lula de criar-lhe as necessárias condições de ampliação da base de sufrágios, não se carece de ser profeta para antever que haverá incremento do laxismo na gestão dos recursos públicos – como a recente extensão dos fundos da bolsa família, mesmo àqueles que pelas regras anteriores não mais teriam direito a percebê-los, até o dia da votação do segundo turno da eleição presidencial – constituirá a tendência prevalente, com a previsível consequência nos vários índices de nossa economia.
Já me ocupara dos sinais de alerta acionados por tal estratégia das autoridades fazendárias. Com efeito, no blog de dez de dezembro de 2009, sob o titulo ‘Para garantir o presente, gastar o futuro ?’ tratara desse controverso meio de, através da gestação de mais endividamento, injetar novos recursos no crédito público.
Segundo se assinala, a solvência de um país é medida pela dívida líquida do setor público consolidado (que abrange não só governo federal, mas estatais, estados, municípios e ainda considera os créditos a receber). O endividamento em títulos responde por mais de 40% da dívida líquida. No entanto, as emissões para capitalização dos bancos públicos são empréstimos e, por conseguinte, não concernem diretamente à divida líquida.
A despeito do aumento da dívida – com que o governo procura driblar as injunções da crise financeira (especialmente a redução na receita) – a análise do mercado é necessariamente ambivalente.
Assim, se no curto prazo as condições do endividamento forem boas – o perfil da dívida é considerado positivo, assim como as condições de rolagem - , preocupa o incremento contínuo do estoque, pois implica em elevado compromisso com o superavit primário.
Com efeito, ao contrair empréstimos – para compensar os fundos não auferidos tanto com a queda na arrecadação fiscal causada pela crise, quanto pelas chamadas desonerações fiscais de ativar a demanda em bens de consumo duráveis – de forma sistemática, o governo continua a palmilhar a arriscada trilha da política de atender a supostas necessidades do presente através do comprometimento do futuro.
Malgrado tais malabarismos, as previsões de crescimento do FMI, dentre as ditas economias emergentes, para a brasileira ( de 4,7% em 2010) são assaz menos brilhantes do que as estimativas para a China e a Índia (respectivamente, 10,0% e 7,7%).
Por outro lado, em ano eleitoral, com uma candidata a que falta appeal, mas sobra a disposição de Lula de criar-lhe as necessárias condições de ampliação da base de sufrágios, não se carece de ser profeta para antever que haverá incremento do laxismo na gestão dos recursos públicos – como a recente extensão dos fundos da bolsa família, mesmo àqueles que pelas regras anteriores não mais teriam direito a percebê-los, até o dia da votação do segundo turno da eleição presidencial – constituirá a tendência prevalente, com a previsível consequência nos vários índices de nossa economia.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Reviravoltas Políticas
Nos Estados Unidos
Antes e depois de dezenove de janeiro. A derrota de Martha Coakley em Massachusetts não foi apenas um percalço provinciano do partido do Presidente Obama. Os democratas entraram naquela eleição para cumprir uma rotina – escolher representante eleito para o restante do mandato do Senador Ted Kennedy – e dela saíram vivendo um pesadelo. E o pior de tudo é que não poderiam superá-lo como um mau sonho, pela simples razão de que não estavam dormindo.
Para evitar que o fenômeno se repita, a Casa Branca de Obama já está convocando veteranos da passada eleição presidencial para supervisionarem em todo o território americano as eleições de novembro de 2010. A benévola negligência que cercou o pleito no estado ultra-liberal de Massachusetts – e que facilitou o inesperado surgimento do desconhecido Scott Brown – deve ser evitada de toda maneira.
Em um Senado em que os democratas ditavam as regras – e tinham aparentemente costurada a aprovação final da Reforma Sanitária, o programa em que Obama colocara a maior parte de suas fichas políticas neste período inicial de mandato – a perda de uma única cadeira determinara súbita mudança de atmosfera. O que eram favas contadas, virou coisa mais do que duvidosa, pois os republicanos agora dispõem do instrumento da obstrução legislativa, a famosa filibuster, que anteriormente, com os seus mágicos sessenta votos, os democratas podiam regimentalmente – como o fizeram por várias vezes – podiam sepultar.
Os novos ventos vindos de Massachusetts se fazem ora notar em uma Administração Obama redimensionada, com metas menos ambiciosas e mais populistas – no que se supõe vá caracterizar o próximo discurso do Estado da União (State of the Union address).
É cedo para afirmar se os democratas lograrão transformar em lei o projeto da Reforma do Plano Geral de Saúde. Como se acredita muito difícil que a Câmara de Representantes consinta em aprovar o projeto de lei na sua versão senatorial – a única maneira de contornar a virtual impossibilidade de que a reforma na sua presente amplitude passe pelo Senado -, as possibilidades da reforma ir à sanção presidencial implicam em projetos muito mais modestos, eis que alguma anuência republicana se afigura indispensável (excetuado o complicado caminho da chamada reconciliação orçamentária).
Que os tempos em Washington mudaram, o atual Presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, já se deu conta. Ao invés da quase burocrática recondução a um segundo mandato, Bernanke enfrenta a inesperada oposição de uma ala democrata, a que a peripeteia em Massachusetts avivou a memória da suposta complacência do dirigente do Fed com o mundo dos grandes banqueiros.
e na República Bolivariana da Venezuela.
Talvez o trêfego coronel Hugo Chávez tivesse logrado evitar a presente crise sistêmica em sua Venezuela, se houvesse lido as fábulas de Esopo e de La Fontaine.
Os problemas naquele país são muitos. Terá razão o presidente em afirmar que alguns deles não são de sua feitura.
Se é grande o poder do caudilho, a longa estiagem resulta das diferenças climáticas. Todos sabemos o quão difícil será apontar concretas responsabilidades nesse campo – o que explica talvez as esquivanças e ambiguidades dos líderes políticos, como Copenhagen mais uma vez evidenciou – e se afiguraria, por conseguinte, suma injustiça transferir para os ombros do coronel bolivariano direta responsabilidade nesse domínio.
Não obstante, o coronel Chávez ora vê surgir à sua porta credores de dívidas pela existência das quais não está isento de culpa. Terá ele pensado que as vacas gordas das cotações do petróleo se manteriam para sempre nos miríficos três dígitos ?
Por mais absurda que pareça a reforma afirmativa, o megalônamo projeto chavista de prestígio e liderança regionais consumiu os fundos da cornucópia, distribuídos na formação de uma brancaleônica aliança comprada pelo petróleo subsidiado, na Alba (guarda-chuva da ideologia chavista) e até em projetos mais ao sul, nas generosas malas expedidas para o casal Kirchner.
A quem convencerá o coronel quando intenta inculpar passados governos de falta de investimentos na área energética, logo ele que adentra o seu undécimo ano de poder ?
Empregando alhures e não em seu país, muitos dos petrodólares auferidos nos bons tempos, não lhe terá passado pela cabeça que o seu projeto pessoal mais de prestígio do que de poder ele o retirava dos haveres do principal produto de uma economia que é virtual monocultura em termos de dependência do petróleo ?
Não se limitam a isto os efeitos do desgoverno de Hugo Chávez. Inflação alta, com perspectivas de subir ainda mais este ano; agravadas as consequências da estiagem, com o racionamento; a falta de segurança financeira, com as expropriações irresponsáveis de empresas estrangeiras;
a explosão da violência, com o desemprego e a corrupção; o aumento do autoritarismo, com a suspensão de concessões, a censura pela intimidação, e a concentração do poder político, sem diálogo com as oposições.
Hoje se anuncia a renúncia do Vice-presidente e Ministro da Defesa, por motivos estritamente pessoais (em que ninguém obviamente acredita). Para substituí-lo, o caudilho parece ter um estreito leque de nomes (os quais são todos velhos conhecidos, com a previsível fórmula política de mais do mesmo ).
Esta, de resto, é característica desse tipo de regime que, infelizmente, a maioria dos eleitores venezuelanos escolheu.
Antes e depois de dezenove de janeiro. A derrota de Martha Coakley em Massachusetts não foi apenas um percalço provinciano do partido do Presidente Obama. Os democratas entraram naquela eleição para cumprir uma rotina – escolher representante eleito para o restante do mandato do Senador Ted Kennedy – e dela saíram vivendo um pesadelo. E o pior de tudo é que não poderiam superá-lo como um mau sonho, pela simples razão de que não estavam dormindo.
Para evitar que o fenômeno se repita, a Casa Branca de Obama já está convocando veteranos da passada eleição presidencial para supervisionarem em todo o território americano as eleições de novembro de 2010. A benévola negligência que cercou o pleito no estado ultra-liberal de Massachusetts – e que facilitou o inesperado surgimento do desconhecido Scott Brown – deve ser evitada de toda maneira.
Em um Senado em que os democratas ditavam as regras – e tinham aparentemente costurada a aprovação final da Reforma Sanitária, o programa em que Obama colocara a maior parte de suas fichas políticas neste período inicial de mandato – a perda de uma única cadeira determinara súbita mudança de atmosfera. O que eram favas contadas, virou coisa mais do que duvidosa, pois os republicanos agora dispõem do instrumento da obstrução legislativa, a famosa filibuster, que anteriormente, com os seus mágicos sessenta votos, os democratas podiam regimentalmente – como o fizeram por várias vezes – podiam sepultar.
Os novos ventos vindos de Massachusetts se fazem ora notar em uma Administração Obama redimensionada, com metas menos ambiciosas e mais populistas – no que se supõe vá caracterizar o próximo discurso do Estado da União (State of the Union address).
É cedo para afirmar se os democratas lograrão transformar em lei o projeto da Reforma do Plano Geral de Saúde. Como se acredita muito difícil que a Câmara de Representantes consinta em aprovar o projeto de lei na sua versão senatorial – a única maneira de contornar a virtual impossibilidade de que a reforma na sua presente amplitude passe pelo Senado -, as possibilidades da reforma ir à sanção presidencial implicam em projetos muito mais modestos, eis que alguma anuência republicana se afigura indispensável (excetuado o complicado caminho da chamada reconciliação orçamentária).
Que os tempos em Washington mudaram, o atual Presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, já se deu conta. Ao invés da quase burocrática recondução a um segundo mandato, Bernanke enfrenta a inesperada oposição de uma ala democrata, a que a peripeteia em Massachusetts avivou a memória da suposta complacência do dirigente do Fed com o mundo dos grandes banqueiros.
e na República Bolivariana da Venezuela.
Talvez o trêfego coronel Hugo Chávez tivesse logrado evitar a presente crise sistêmica em sua Venezuela, se houvesse lido as fábulas de Esopo e de La Fontaine.
Os problemas naquele país são muitos. Terá razão o presidente em afirmar que alguns deles não são de sua feitura.
Se é grande o poder do caudilho, a longa estiagem resulta das diferenças climáticas. Todos sabemos o quão difícil será apontar concretas responsabilidades nesse campo – o que explica talvez as esquivanças e ambiguidades dos líderes políticos, como Copenhagen mais uma vez evidenciou – e se afiguraria, por conseguinte, suma injustiça transferir para os ombros do coronel bolivariano direta responsabilidade nesse domínio.
Não obstante, o coronel Chávez ora vê surgir à sua porta credores de dívidas pela existência das quais não está isento de culpa. Terá ele pensado que as vacas gordas das cotações do petróleo se manteriam para sempre nos miríficos três dígitos ?
Por mais absurda que pareça a reforma afirmativa, o megalônamo projeto chavista de prestígio e liderança regionais consumiu os fundos da cornucópia, distribuídos na formação de uma brancaleônica aliança comprada pelo petróleo subsidiado, na Alba (guarda-chuva da ideologia chavista) e até em projetos mais ao sul, nas generosas malas expedidas para o casal Kirchner.
A quem convencerá o coronel quando intenta inculpar passados governos de falta de investimentos na área energética, logo ele que adentra o seu undécimo ano de poder ?
Empregando alhures e não em seu país, muitos dos petrodólares auferidos nos bons tempos, não lhe terá passado pela cabeça que o seu projeto pessoal mais de prestígio do que de poder ele o retirava dos haveres do principal produto de uma economia que é virtual monocultura em termos de dependência do petróleo ?
Não se limitam a isto os efeitos do desgoverno de Hugo Chávez. Inflação alta, com perspectivas de subir ainda mais este ano; agravadas as consequências da estiagem, com o racionamento; a falta de segurança financeira, com as expropriações irresponsáveis de empresas estrangeiras;
a explosão da violência, com o desemprego e a corrupção; o aumento do autoritarismo, com a suspensão de concessões, a censura pela intimidação, e a concentração do poder político, sem diálogo com as oposições.
Hoje se anuncia a renúncia do Vice-presidente e Ministro da Defesa, por motivos estritamente pessoais (em que ninguém obviamente acredita). Para substituí-lo, o caudilho parece ter um estreito leque de nomes (os quais são todos velhos conhecidos, com a previsível fórmula política de mais do mesmo ).
Esta, de resto, é característica desse tipo de regime que, infelizmente, a maioria dos eleitores venezuelanos escolheu.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Mais Uma do Chávez
Os defensores do coronel Hugo Chávez procuram desmentir a falta de liberdade de imprensa na Venezuela apontando para a diversidade de opiniões exposta pelas bancas de jornal daquele país.
Só há um problema com essa tática dos amigos do caudilho. O aprendiz de ditador cuida, volta e meia, de desmoralizá-la.
Veja-se, a propósito, a prova gentilmente oferecida, neste fim de semana, por Chávez e seus solícitos esbirros.
Em 2007, o presidente bolivariano decretou o fim das transmissões da RCTV, a principal cadeia de televisão venezuelana. Para a saída do ar, foram levantados velhos agravos (suposto apoio à tentativa de golpe de 2002).
Agora, trata de apagar o remanescente canal a cabo da RCTV, assim como mais quatro outras emissoras, culpadas de não cumprirem as exigências da legislação venezuelana.
À primeira vista, parece coisa séria. Afinal, as leis do país estão aí para serem obedecidas. O detalhe se acha na circunstância de que as modificações são casuismos recentíssimos.
Assim, ao lado das loas à liberdade de comunicação, as televisões devem conviver com determinações de farsescos regimes ditatoriais, como a obrigação de transmitir na íntegra os discursos do Señor Presidente. No caso do coronel Chávez, não se pense na usual periodicidade dos pronunciamentos dos chefes de governo, reservados para as grandes ocasiões. Dada a logorréia do atual presidente da Venezuela, esta exigência pode converter-se em obrigação semanal.
No caso em tela, a emissora RCTV teve a concessão cancelada por não haver transmitido na íntegra o discurso de Sua Excelência. É relevante frisar, portanto, que a sua cobertura terá abrangido o que foi reputado de maior importância. Entretanto, não bastou para os vigias de turno. Sem processos administrativos, ou quaisquer outras formalidades, os funcionários do regime trataram de silenciar a estação que se atrevera a desrespeitar a liberdade de imprensa consoante os moldes vigentes na república bolivariana.
Com mais esta demonstração de o que realmente significa a liberdade para o caudilho de Caracas, se falou igualmente de levar a questão à OEA.
Atendidos os exemplos pregressos, seria melhor que se abandonasse tal ilusão. Pois com a inação que caracteriza a centenária Organização dos Estados Americanos – e o longo descumprimento de sua pomposa Carta Democrática – qualquer recurso à dita OEA em última análise será água para o moinho do aprendiz de ditador. Além de nada aproveitar para a causa democrática, não se pode excluir que até nos venham com um desagravo a Chávez.
Só há um problema com essa tática dos amigos do caudilho. O aprendiz de ditador cuida, volta e meia, de desmoralizá-la.
Veja-se, a propósito, a prova gentilmente oferecida, neste fim de semana, por Chávez e seus solícitos esbirros.
Em 2007, o presidente bolivariano decretou o fim das transmissões da RCTV, a principal cadeia de televisão venezuelana. Para a saída do ar, foram levantados velhos agravos (suposto apoio à tentativa de golpe de 2002).
Agora, trata de apagar o remanescente canal a cabo da RCTV, assim como mais quatro outras emissoras, culpadas de não cumprirem as exigências da legislação venezuelana.
À primeira vista, parece coisa séria. Afinal, as leis do país estão aí para serem obedecidas. O detalhe se acha na circunstância de que as modificações são casuismos recentíssimos.
Assim, ao lado das loas à liberdade de comunicação, as televisões devem conviver com determinações de farsescos regimes ditatoriais, como a obrigação de transmitir na íntegra os discursos do Señor Presidente. No caso do coronel Chávez, não se pense na usual periodicidade dos pronunciamentos dos chefes de governo, reservados para as grandes ocasiões. Dada a logorréia do atual presidente da Venezuela, esta exigência pode converter-se em obrigação semanal.
No caso em tela, a emissora RCTV teve a concessão cancelada por não haver transmitido na íntegra o discurso de Sua Excelência. É relevante frisar, portanto, que a sua cobertura terá abrangido o que foi reputado de maior importância. Entretanto, não bastou para os vigias de turno. Sem processos administrativos, ou quaisquer outras formalidades, os funcionários do regime trataram de silenciar a estação que se atrevera a desrespeitar a liberdade de imprensa consoante os moldes vigentes na república bolivariana.
Com mais esta demonstração de o que realmente significa a liberdade para o caudilho de Caracas, se falou igualmente de levar a questão à OEA.
Atendidos os exemplos pregressos, seria melhor que se abandonasse tal ilusão. Pois com a inação que caracteriza a centenária Organização dos Estados Americanos – e o longo descumprimento de sua pomposa Carta Democrática – qualquer recurso à dita OEA em última análise será água para o moinho do aprendiz de ditador. Além de nada aproveitar para a causa democrática, não se pode excluir que até nos venham com um desagravo a Chávez.
domingo, 24 de janeiro de 2010
Colcha de Retalhos XXXV
Caro Francis
O documentário de Nelson Hoineff é mais do que uma homenagem ao jornalista Paulo Francis, falecido em 4 de fevereiro de 1997.
Construído sobretudo em torno dos anos de permanência em Nova York, Hoineff não se limita, no entanto, a esses vinte e seis anos de sua vida. Há menção ao jovem colaborador do teatro de Paschoal Carlos Magno, de onde surgiu o seu pseudônimo. Da fase do crítico teatral que dizia o que pensava, há referência à polêmica com a atriz Tonia Carrero. Ainda no calor da celeuma se arrependeria. Chegaria até a retratar-se – segundo Fernanda Montenegro – malgrado reconhecesse que, afinal, era verdade o que dissera...
Hoineff costura o quadro das diversas personas de Paulo Francis através do testemunho não apenas de amigos, mas também de contemporâneos, companheiros de redação, eventuais alvos de suas críticas e inclusive de desafetos.
Parece-me feliz a opção do diretor por núcleos temáticos e por certa temporalidade nas falas. O espectador, quer seja familiarizado, quer não com a trajetória de Francis, se descobre arrastado pela fluidez da narrativa, que o faz sentir-se partícipe não só em casos célebres, senão de mesquinhas querelas e regurgitantes rancores, ainda vivos passada mais de década da abrupta partida.
Há pelo menos um depoimento de colega do Pasquim que nos vem de além-túmulo. Ao presenciá-lo se tem a impressão de que não mais está entre nós, mas se lhe admira o caráter judicioso, por vezes severo, das observações.
Paulo Francis não poderia responder às críticas de alguns personagens que, julgando-se favorecidos pelo silêncio dos mortos, pensam valer-se das dúbias vantagens da última palavra. Para o espectador, elas mais semelham ajustes de conta ditos pelas costas.
Vindo antes do discurso lixiviado pela correção política, a espontaneidade de Francis era carregada de ismos impublicáveis. O seu apreço pela amizade e pelos amigos, que podia culminar em uma viagem de fim de semana para o Rio, procedente de Nova York, com o único fim de animar um amigo e salvá-lo da depressão. Sem falar das colocações arranjadas para amigos desempregados. E a ojeriza à mediocridade, nas suas múltiplas e rasteiras formas. Tudo isso não se afigura muito coerente, mas é bom lembrar que Paulo Francis era assim.
O capítulo final do documentário é veraz pintura de uma tragédia anunciada. A imprudência na transmissão da Manhattan Connection com a acusação inconsequente de que os diretores da Petrobrás exigiriam a libra de carne, valendo-se do poder da estatal através de processo movido em foro de Nova York, como se o programa, falado em português, tivesse algo a ver com os Estados Unidos.
Juntam-se ao quadro a pairante indiferença do então Presidente, que no presente depoimento até se pergunta se o diretor da Petrobrás teria retirado a denúncia. A pequenez comparece igualmente nas copiosas explicações de médico por um erro de diagnóstico.
Ao nos despedir de Paulo Francis, o filme de Hoineff nos ajuda talvez a entender melhor a impaciência do retratado com a mediocridade humana. Afinal, morreu por causa dela.
Novo mandato de Ben Bernanke em perigo.
Os tempos mudaram, sobretudo depois da revolta dos eleitores de Massachusetts. Se a primeira confirmação, em 2006, pelo Senado, de Ben Bernanke, para a presidência da Federal Reserve (o Banco Central americano) foi unânime, a sua reconfirmação – consoante proposta por Barack Obama – não terá decerto a mesma sorte.
Em uma reunião do caucus democrático do Senado, definida como ‘raucous’ (tempestuosa), vários senadores da maioria manifestaram intenção de votar contra Bernanke. De acordo com o Senador Russ Feingold (D.- Wiscosin), o Fed permitiu atividades financeiras irresponsáveis que conduziram à pior crise financeira depois da Depressão. Além disso, acrescentou Feingold, Bernanke admitiu a prática de empréstimos hipotecários predatórios (o que precipitou a crise dos chamados financiamentos de hipotecas subprime ). A par disso, o Fed nada fez para impedir as atividades de alto risco de parte de bancos gigantes (ditos demasiado grandes para que sejam deixados falir), acarretando enormes riscos para a economia estadunidense.
Por sua vez, a Senadora Barbara Boxer (D.-Califórnia) abriu seu voto negativo contra Ben Bernanke, pelo seu envolvimento na política econômica de George Bush, a causadora principal da atual crise financeira.
Embora Max Baucus, presidente do Comitê Financeiro do Senado – que já aprovou a indicação presidencial – haja declarado o seu voto favorável, aumentou bastante o número de Senadores contrários a Bernanke. O próprio independente Bernie Sanders (Vermont) está liderando o movimento contra a reconfirmação da ex-unamimidade nacional.
Ainda é cedo para vaticinar a rejeição pelo Senado da indicação, mas com a mudança na atitude dos representantes democratas, agitados pelos ventos do Massachusetts, as possibilidades de aprovação de Bernanke dependem sempre mais do voto dos republicanos. Como Bernanke foi guindado à presidência do Fed por George Bush júnior, e não havendo Obama ousado apresentar uma alternativa mais afinada com a atmosfera pós-crise financeira internacional, as possibilidades de reeleição continuam fortes, embora não se possa excluir eventual surpresa.
O Estranho Caso de Roman Polanski
Como se sabe, há alguns meses Roman Polanski foi detido na Suíça, por iniciativa de um promotor da Califórnia, a respeito de sua fuga de 1977 da justiça daquele estado, às vésperas de ser sentenciado por relações sexuais com uma jovem de treze anos.
Polanski – que tem nacionalidade francesa e polonesa – há muito tempo deixara na prática de ser um fugitivo internacional, no que a própria justiça americana tinha colaborado, nunca antes evidenciando maior empenho em expedir cartas rogatórias nos diversos países por onde circulara o cineasta (que, inclusive, recebeu um Oscar de direção nesse longo interregno, o qual cuidou de coletar por interposta pessoa).
Despertou, assim, a princípio, reação negativa a circunstância de que Polanski haja sido detido na Suiça – país onde tem um chalet em Gstaad – em um festival no qual seria homenageado. Com o passar das semanas, houve um refluxo, vindo sobretudo à baila a ocorrência penal que motivara primeiro a prisão de Polanski, em seguida o seu julgamento e, pouco antes da anunciada sentença, a sua fuga.
Não pretendo descer a detalhes nesse interminável processo judiciário. Polanski negociou através dos seus advogados um reconhecimento de culpa (guilty plea) relativo a menos grave das acusações contra ele – manter relações sexuais ilegais com menor de idade (estupro estatutário). Polanski,então com quarenta e quatro anos, tivera relações sexuais com Samantha Gailey, de treze anos.
Com a evolução do caso – e depois do testemunho dado contra Polanski por Gailey na audiência do Grand Jury – a posição da vítima evoluíu para que a questão não fosse levada a juízo, pelas implicações desfavoráveis que teria para ela, Samantha Gailey. Esta continua a ser a atitude da hoje Senhora Geimer, com mais de quarenta anos e três filhos.
Na época, o processo ficou a cargo do Juiz Laurence J.Rittenband, um magistrado excêntrico e midiático, que teria grande influência para determinar a fuga de Polanski. Rittenband determinara detenção de 45 dias – cumprida pelo acusado na penitenciária Chino - , supostamente para avaliação psicológica.
Polanski concordara em submeter-se à detenção, sob o pressuposto de que a sentença a ser emitida não mais implicaria em pena de prisão. Fora, de resto, o acertado entre os advogados do cineasta, com Douglas Dalton à frente (hoje com oitenta anos, Dalton está na prática aposentado, conquanto tenha mantido válida a sua licença legal, só por causa do processo contra Polanski : “sempre achei que foi muito errado o que aconteceu com Polanski. O sistema saíu totalmente fora de controle”.
Conquanto haja falecido, e o processo ora esteja a cargo do Juiz Peter Espinoza, de certa forma o juiz Rittenband continua a pairar sobre o caso.
Esta nova fase do longo processo decorreu da solicitação de extradição à justiça helvética pelo Promotor Distrital da Califórnia David Walgren – que estaria, segundo alegações, empreendendo outra iniciativa de fundo midiático. Atualmente, Polanski conseguiu a liberdade sob fiança de US$4,5 milhões, enquanto batalha judicialmente contra o pedido de extradição.
Na Califórnia, apesar das instâncias dos advogados de Polanski de pronunciar a sentença acerca de Polanski in absentia, e a despeito da postulação do advogado de Samantha Geimer – Lawrence Silver declarou que o promotor violara os direitos da vítima, ao não consultá-la sobre a conveniência da extradição de Polanski (a chamada lei de Marsey dá este direito às vítimas) – o juiz Espinoza optou por determinar que Roman Polanski regresse aos Estados Unidos, antes que a Corte decida se ele deve ou não ir para a prisão pelo processo de 1977.
Assinale-se que, não obstante a sentença do juiz, há possibilidade de que o julgamento venha a ser considerado inválido (mistrial). A esse respeito, comentário anterior do próprio juiz Espinoza aponta para o flanco aberto na acusação contra Polanski. A tese da defesa – com o apoio do advogado de S.Geimer, que não deseja novo julgamento – é de que as provas filmadas de quebra de conduta pelo juiz Rittenband são bastantes para que a sentença fosse pronunciada desde já.
Com efeito os documentados acordos de bastidores com a acusação e a frase desse juiz de que ‘a sua imagem sofreria se ele não mandasse Polanski para a cadeia’ constituem fato grave – reconhecido pelo presente juiz Espinoza, e que justificariam a sentença in absentia, ao se comprovar a má-fé do juiz Rittenband.
Pelo visto, o processo contra Roman Polanski prossegue, em demonstração de que é dúbia a impressão de que celebridades tenham a vida facilitada em tais questões judiciárias.
( Fontes: The New Yorker, C.N.N. )
O documentário de Nelson Hoineff é mais do que uma homenagem ao jornalista Paulo Francis, falecido em 4 de fevereiro de 1997.
Construído sobretudo em torno dos anos de permanência em Nova York, Hoineff não se limita, no entanto, a esses vinte e seis anos de sua vida. Há menção ao jovem colaborador do teatro de Paschoal Carlos Magno, de onde surgiu o seu pseudônimo. Da fase do crítico teatral que dizia o que pensava, há referência à polêmica com a atriz Tonia Carrero. Ainda no calor da celeuma se arrependeria. Chegaria até a retratar-se – segundo Fernanda Montenegro – malgrado reconhecesse que, afinal, era verdade o que dissera...
Hoineff costura o quadro das diversas personas de Paulo Francis através do testemunho não apenas de amigos, mas também de contemporâneos, companheiros de redação, eventuais alvos de suas críticas e inclusive de desafetos.
Parece-me feliz a opção do diretor por núcleos temáticos e por certa temporalidade nas falas. O espectador, quer seja familiarizado, quer não com a trajetória de Francis, se descobre arrastado pela fluidez da narrativa, que o faz sentir-se partícipe não só em casos célebres, senão de mesquinhas querelas e regurgitantes rancores, ainda vivos passada mais de década da abrupta partida.
Há pelo menos um depoimento de colega do Pasquim que nos vem de além-túmulo. Ao presenciá-lo se tem a impressão de que não mais está entre nós, mas se lhe admira o caráter judicioso, por vezes severo, das observações.
Paulo Francis não poderia responder às críticas de alguns personagens que, julgando-se favorecidos pelo silêncio dos mortos, pensam valer-se das dúbias vantagens da última palavra. Para o espectador, elas mais semelham ajustes de conta ditos pelas costas.
Vindo antes do discurso lixiviado pela correção política, a espontaneidade de Francis era carregada de ismos impublicáveis. O seu apreço pela amizade e pelos amigos, que podia culminar em uma viagem de fim de semana para o Rio, procedente de Nova York, com o único fim de animar um amigo e salvá-lo da depressão. Sem falar das colocações arranjadas para amigos desempregados. E a ojeriza à mediocridade, nas suas múltiplas e rasteiras formas. Tudo isso não se afigura muito coerente, mas é bom lembrar que Paulo Francis era assim.
O capítulo final do documentário é veraz pintura de uma tragédia anunciada. A imprudência na transmissão da Manhattan Connection com a acusação inconsequente de que os diretores da Petrobrás exigiriam a libra de carne, valendo-se do poder da estatal através de processo movido em foro de Nova York, como se o programa, falado em português, tivesse algo a ver com os Estados Unidos.
Juntam-se ao quadro a pairante indiferença do então Presidente, que no presente depoimento até se pergunta se o diretor da Petrobrás teria retirado a denúncia. A pequenez comparece igualmente nas copiosas explicações de médico por um erro de diagnóstico.
Ao nos despedir de Paulo Francis, o filme de Hoineff nos ajuda talvez a entender melhor a impaciência do retratado com a mediocridade humana. Afinal, morreu por causa dela.
Novo mandato de Ben Bernanke em perigo.
Os tempos mudaram, sobretudo depois da revolta dos eleitores de Massachusetts. Se a primeira confirmação, em 2006, pelo Senado, de Ben Bernanke, para a presidência da Federal Reserve (o Banco Central americano) foi unânime, a sua reconfirmação – consoante proposta por Barack Obama – não terá decerto a mesma sorte.
Em uma reunião do caucus democrático do Senado, definida como ‘raucous’ (tempestuosa), vários senadores da maioria manifestaram intenção de votar contra Bernanke. De acordo com o Senador Russ Feingold (D.- Wiscosin), o Fed permitiu atividades financeiras irresponsáveis que conduziram à pior crise financeira depois da Depressão. Além disso, acrescentou Feingold, Bernanke admitiu a prática de empréstimos hipotecários predatórios (o que precipitou a crise dos chamados financiamentos de hipotecas subprime ). A par disso, o Fed nada fez para impedir as atividades de alto risco de parte de bancos gigantes (ditos demasiado grandes para que sejam deixados falir), acarretando enormes riscos para a economia estadunidense.
Por sua vez, a Senadora Barbara Boxer (D.-Califórnia) abriu seu voto negativo contra Ben Bernanke, pelo seu envolvimento na política econômica de George Bush, a causadora principal da atual crise financeira.
Embora Max Baucus, presidente do Comitê Financeiro do Senado – que já aprovou a indicação presidencial – haja declarado o seu voto favorável, aumentou bastante o número de Senadores contrários a Bernanke. O próprio independente Bernie Sanders (Vermont) está liderando o movimento contra a reconfirmação da ex-unamimidade nacional.
Ainda é cedo para vaticinar a rejeição pelo Senado da indicação, mas com a mudança na atitude dos representantes democratas, agitados pelos ventos do Massachusetts, as possibilidades de aprovação de Bernanke dependem sempre mais do voto dos republicanos. Como Bernanke foi guindado à presidência do Fed por George Bush júnior, e não havendo Obama ousado apresentar uma alternativa mais afinada com a atmosfera pós-crise financeira internacional, as possibilidades de reeleição continuam fortes, embora não se possa excluir eventual surpresa.
O Estranho Caso de Roman Polanski
Como se sabe, há alguns meses Roman Polanski foi detido na Suíça, por iniciativa de um promotor da Califórnia, a respeito de sua fuga de 1977 da justiça daquele estado, às vésperas de ser sentenciado por relações sexuais com uma jovem de treze anos.
Polanski – que tem nacionalidade francesa e polonesa – há muito tempo deixara na prática de ser um fugitivo internacional, no que a própria justiça americana tinha colaborado, nunca antes evidenciando maior empenho em expedir cartas rogatórias nos diversos países por onde circulara o cineasta (que, inclusive, recebeu um Oscar de direção nesse longo interregno, o qual cuidou de coletar por interposta pessoa).
Despertou, assim, a princípio, reação negativa a circunstância de que Polanski haja sido detido na Suiça – país onde tem um chalet em Gstaad – em um festival no qual seria homenageado. Com o passar das semanas, houve um refluxo, vindo sobretudo à baila a ocorrência penal que motivara primeiro a prisão de Polanski, em seguida o seu julgamento e, pouco antes da anunciada sentença, a sua fuga.
Não pretendo descer a detalhes nesse interminável processo judiciário. Polanski negociou através dos seus advogados um reconhecimento de culpa (guilty plea) relativo a menos grave das acusações contra ele – manter relações sexuais ilegais com menor de idade (estupro estatutário). Polanski,então com quarenta e quatro anos, tivera relações sexuais com Samantha Gailey, de treze anos.
Com a evolução do caso – e depois do testemunho dado contra Polanski por Gailey na audiência do Grand Jury – a posição da vítima evoluíu para que a questão não fosse levada a juízo, pelas implicações desfavoráveis que teria para ela, Samantha Gailey. Esta continua a ser a atitude da hoje Senhora Geimer, com mais de quarenta anos e três filhos.
Na época, o processo ficou a cargo do Juiz Laurence J.Rittenband, um magistrado excêntrico e midiático, que teria grande influência para determinar a fuga de Polanski. Rittenband determinara detenção de 45 dias – cumprida pelo acusado na penitenciária Chino - , supostamente para avaliação psicológica.
Polanski concordara em submeter-se à detenção, sob o pressuposto de que a sentença a ser emitida não mais implicaria em pena de prisão. Fora, de resto, o acertado entre os advogados do cineasta, com Douglas Dalton à frente (hoje com oitenta anos, Dalton está na prática aposentado, conquanto tenha mantido válida a sua licença legal, só por causa do processo contra Polanski : “sempre achei que foi muito errado o que aconteceu com Polanski. O sistema saíu totalmente fora de controle”.
Conquanto haja falecido, e o processo ora esteja a cargo do Juiz Peter Espinoza, de certa forma o juiz Rittenband continua a pairar sobre o caso.
Esta nova fase do longo processo decorreu da solicitação de extradição à justiça helvética pelo Promotor Distrital da Califórnia David Walgren – que estaria, segundo alegações, empreendendo outra iniciativa de fundo midiático. Atualmente, Polanski conseguiu a liberdade sob fiança de US$4,5 milhões, enquanto batalha judicialmente contra o pedido de extradição.
Na Califórnia, apesar das instâncias dos advogados de Polanski de pronunciar a sentença acerca de Polanski in absentia, e a despeito da postulação do advogado de Samantha Geimer – Lawrence Silver declarou que o promotor violara os direitos da vítima, ao não consultá-la sobre a conveniência da extradição de Polanski (a chamada lei de Marsey dá este direito às vítimas) – o juiz Espinoza optou por determinar que Roman Polanski regresse aos Estados Unidos, antes que a Corte decida se ele deve ou não ir para a prisão pelo processo de 1977.
Assinale-se que, não obstante a sentença do juiz, há possibilidade de que o julgamento venha a ser considerado inválido (mistrial). A esse respeito, comentário anterior do próprio juiz Espinoza aponta para o flanco aberto na acusação contra Polanski. A tese da defesa – com o apoio do advogado de S.Geimer, que não deseja novo julgamento – é de que as provas filmadas de quebra de conduta pelo juiz Rittenband são bastantes para que a sentença fosse pronunciada desde já.
Com efeito os documentados acordos de bastidores com a acusação e a frase desse juiz de que ‘a sua imagem sofreria se ele não mandasse Polanski para a cadeia’ constituem fato grave – reconhecido pelo presente juiz Espinoza, e que justificariam a sentença in absentia, ao se comprovar a má-fé do juiz Rittenband.
Pelo visto, o processo contra Roman Polanski prossegue, em demonstração de que é dúbia a impressão de que celebridades tenham a vida facilitada em tais questões judiciárias.
( Fontes: The New Yorker, C.N.N. )
sábado, 23 de janeiro de 2010
O Futuro do Haiti pós-terremoto
Segundo a primeira contagem oficial, já há mais de cento e onze mil mortos por causa do terremoto de terça-feira, doze de janeiro. Dadas as circunstâncias do grande sismo – sete graus na escala Richter - e a precariedade dos meios locais, este total deve ser encarado mais como estimativa baseada em dados oficiais, do que propriamente cômputo exato das vítimas. Além de existirem presumivelmente muitas pessoas debaixo de escombros, a ausência de estruturas estatais organizadas e o enterro de muitos corpos em valas improvisadas, sobretudo nos primeiros dias após o sinistro, contribuem para aumentar as dúvidas quanto à eventual precisão das estatísticas fornecidas.
A pobreza extrema do Haiti constituíu decerto fator agravante para o cenário pós-terremoto. A par do desmonte das frágeis estruturas estatais – não é só uma imagem retórica que até o Palácio de Governo haja sido transformado em ruína -, a grande carência de meios contribuiu talvez com alguns graus a mais na escala do desastre natural.
A falta de máquinas, como escavadeiras e tratores, tornou ainda mais dificultosa a tarefa não só de desfazer os monturos e os escombros, mas também de proceder à rápida empresa de salvar homens, mulheres e crianças soterradas pela catástrofe.
Nessa hora terrível, em que a precariedade do Estado foi exposta da forma mais dramática – corroborada pela persistente confusão na gestão seja da alimentação emergencial, seja do estabelecimento de aceitável assistência sanitária provisória – ouviu-se voz afastada daquela terra sofrida desde 2004.
O ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, ora vivendo na África do Sul o seu segundo exílio, manifestou disposição de regressar à pátria, e de somar-se ao que deve ser um esforço conjunto nacional para a recuperação do país.
A trajetória política do ex-sacerdote católico, apesar de conhecida, carece de ser relembrada em suas grandes linhas. Através de sua atividade, a princípio pastoral e religiosa, o padre Aristide se transformaria em um catalisador dos pobres e miseráveis. Breve, sua empenhada presença se tornaria um incômodo e um espinho para a elite dominante de Pétionville e, infelizmente, para a superestrutura religiosa a que se achava nominalmente vinculado.
Grande orador e adepto da teologia da liberação, terá sido o bastante para que seus hierarcas o afastassem em 1988 do sacerdócio. Aristide escapou de várias tentativas de assassínio para alcançar, em inéditas eleições livres, e com dois terços dos votos, a presidência (dezembro de 1990). A direita lhe concedeu oito meses de mandato – foi apeado do poder por Raoul Cedras, general de turno. Eram tempos de Bush senior, não estando esclarecido o envolvimento americano nesse golpe.
Asilado nos Estados Unidos, sob Bill Clinton em 1994 Aristide seria restaurado no poder, embora para cumprir apenas o exíguo período remanescente.
Vedada a reeleição imediata, Aristide retornaria de novo com enorme apoio popular em 2000. Neste segundo mandato, a oposição logo se vestiu de propósitos golpistas, que afinal teriam sucesso – com o manifesto apoio de Bush júnior – em 2004.
O atual presidente René Préval, antes ligado a Aristide, há muito segue a linha de Washington. Do ponto de vista do estamento dominante, é anátema o eventual retorno do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, porque este líder tem a seu ver dois grandes defeitos: continua extremamente popular e defende política que é o inverso do presente arremedo.
O Brasil, através de seu contingente militar e respectivo comando da Minustah, tem tido uma certa participação nas questões do Haiti. Suposto trabalho de Hércules para um dia ganhar o desejado assento permanente no Conselho de Segurança, a missão tem angariado a simpatia das comunidades locais diretamente atendidas.
Para que o Haiti vença o gigantesco desafio, não será através da trilha do ‘estado falido’, sob a tutela internacional, que esse país logrará o seu objetivo. Carece de somar forças. Que tal criarmos condições para tanto, por meio de autêntica democracia ? E como se tenciona lá chegar se se proibe a atuação política do partido Lavalas e a volta de Aristide? A que espécie de mostrengo político se quer confiar a gestão do pós-terremoto ? A políticos sem liderança, sombras de poderes imperiais, como Préval e quejandos ?
A defesa da democracia não se faz com a exclusão da maioria.
A pobreza extrema do Haiti constituíu decerto fator agravante para o cenário pós-terremoto. A par do desmonte das frágeis estruturas estatais – não é só uma imagem retórica que até o Palácio de Governo haja sido transformado em ruína -, a grande carência de meios contribuiu talvez com alguns graus a mais na escala do desastre natural.
A falta de máquinas, como escavadeiras e tratores, tornou ainda mais dificultosa a tarefa não só de desfazer os monturos e os escombros, mas também de proceder à rápida empresa de salvar homens, mulheres e crianças soterradas pela catástrofe.
Nessa hora terrível, em que a precariedade do Estado foi exposta da forma mais dramática – corroborada pela persistente confusão na gestão seja da alimentação emergencial, seja do estabelecimento de aceitável assistência sanitária provisória – ouviu-se voz afastada daquela terra sofrida desde 2004.
O ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, ora vivendo na África do Sul o seu segundo exílio, manifestou disposição de regressar à pátria, e de somar-se ao que deve ser um esforço conjunto nacional para a recuperação do país.
A trajetória política do ex-sacerdote católico, apesar de conhecida, carece de ser relembrada em suas grandes linhas. Através de sua atividade, a princípio pastoral e religiosa, o padre Aristide se transformaria em um catalisador dos pobres e miseráveis. Breve, sua empenhada presença se tornaria um incômodo e um espinho para a elite dominante de Pétionville e, infelizmente, para a superestrutura religiosa a que se achava nominalmente vinculado.
Grande orador e adepto da teologia da liberação, terá sido o bastante para que seus hierarcas o afastassem em 1988 do sacerdócio. Aristide escapou de várias tentativas de assassínio para alcançar, em inéditas eleições livres, e com dois terços dos votos, a presidência (dezembro de 1990). A direita lhe concedeu oito meses de mandato – foi apeado do poder por Raoul Cedras, general de turno. Eram tempos de Bush senior, não estando esclarecido o envolvimento americano nesse golpe.
Asilado nos Estados Unidos, sob Bill Clinton em 1994 Aristide seria restaurado no poder, embora para cumprir apenas o exíguo período remanescente.
Vedada a reeleição imediata, Aristide retornaria de novo com enorme apoio popular em 2000. Neste segundo mandato, a oposição logo se vestiu de propósitos golpistas, que afinal teriam sucesso – com o manifesto apoio de Bush júnior – em 2004.
O atual presidente René Préval, antes ligado a Aristide, há muito segue a linha de Washington. Do ponto de vista do estamento dominante, é anátema o eventual retorno do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, porque este líder tem a seu ver dois grandes defeitos: continua extremamente popular e defende política que é o inverso do presente arremedo.
O Brasil, através de seu contingente militar e respectivo comando da Minustah, tem tido uma certa participação nas questões do Haiti. Suposto trabalho de Hércules para um dia ganhar o desejado assento permanente no Conselho de Segurança, a missão tem angariado a simpatia das comunidades locais diretamente atendidas.
Para que o Haiti vença o gigantesco desafio, não será através da trilha do ‘estado falido’, sob a tutela internacional, que esse país logrará o seu objetivo. Carece de somar forças. Que tal criarmos condições para tanto, por meio de autêntica democracia ? E como se tenciona lá chegar se se proibe a atuação política do partido Lavalas e a volta de Aristide? A que espécie de mostrengo político se quer confiar a gestão do pós-terremoto ? A políticos sem liderança, sombras de poderes imperiais, como Préval e quejandos ?
A defesa da democracia não se faz com a exclusão da maioria.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Saindo do Pântano
Por iniciativa do Presidente-eleito de Honduras, Porfirio Lobo, e aceito pelo Presidente-deposto Manuel Zelaya, a 27 de janeiro, dia da posse, este receberá um salvo-conduto para deixar a chancelaria da embaixada do Brasil e viajar para a República Dominicana.
Por sua vez, o Presidente interino, Roberto Micheletti, informa que deixará o Palácio presidencial seis dias antes de o novo governante assumir. Aduziu, no entanto, que não renunciará ao exercício do poder executivo por esse tempo restante.
Escolhido presidente em eleições que muitos desejaram debalde invalidar, Porfirio Lobo tem a tarefa inicial de recompor as relações com os vizinhos centro-americanos, rompidas por força da destituição e da ilegal expulsão do presidente Zelaya para a Costa Rica.
Como o pleito em que venceu não está inquinado por nenhum vício insanável, e resultando portanto de livre e soberana determinação do Povo hondurenho, não deverão existir maiores empecilhos para a necessária normalização diplomática, inclusive com o retorno deste país ao seio da Organização dos Estados Americanos.
Semelha oportuno, a propósito, se fazer balanço da chamada crise hondurenha.
Nela avultam os perdedores. A começar pela O.E.A., que mais uma vez se mostrou incapaz de conduzir e resolver uma questão no âmbito de suas atribuições.
Segue o trêfego Coronel Hugo Chávez Frias, de quem muito se ouviu até o dia em que o seu aliado materializou-se diante da chancelaria da embaixada do Brasil em Tegucigalpa. O loquaz caudilho, a partir da organização logística para a suposta irrupção do presidente deposto Manuel Zelaya na missão brasileira, guardou fundo e cauteloso silêncio. No final, para ele, carece de tirar do mapa a sinalização de que Honduras continua a integrar a Alba.
Outro a quem talvez houvesse aproveitado falar menos é o Presidente Luiz Inacio Lula da Silva. Professando ignorar a manobra do reingresso em Tegucigalpa através de nossa Embaixada, Lula apressou-se em autorizar a permanência de Zelaya, segundo lhe terão recomendado o Assessor Marco Aurélio Garcia e o Ministro Celso Amorim.
Nessa esdrúxula ocorrência, a situação do hóspede Manuel Zelaya e de sua virtual centena de acompanhantes logo se adaptou às pitorescas características do pobre e pequeno país que é Honduras. Não é, de resto, necessário ser adivinho para antever que o destino do alegado precedente, por falto de qualquer consistência jurídica, será o de virar nota de pé de página, em futuro tratado de direito internacional público.
Já se disse – e com razão – da arrogância do governo brasileiro ao desfazer-se da neutralidade diplomática diante de um pequeno país. Vão intento, que a nada levou. E se sérias tropelias não houve, menção é devida à relativa moderação evidenciada pelo presidente interino Micheletti.
Os Estados Unidos, depois de início indeciso, tingido dos primeiros meses de Obama, teve mais presença no final, embora sem grandes feitos a registrar.
José Manuel Zelaya sai da embaixada não para entrar na história, mas para agregar-se à multidão de ex-presidentes e ex-líderes, cujo destino será o de vagar por recepções e países, penosas sombras de projetos que não vingaram.
Talvez Honduras venha a ser a ganhadora no episódio. Para quiçá livrar-se da pecha de república bananeira ao encenar para a América Central e, quem sabe além, a triste estória do golpe jurídico que não foi.
Pode-se acaso cogitar de melhor lição para tantos candidatos a estadista ?
Por sua vez, o Presidente interino, Roberto Micheletti, informa que deixará o Palácio presidencial seis dias antes de o novo governante assumir. Aduziu, no entanto, que não renunciará ao exercício do poder executivo por esse tempo restante.
Escolhido presidente em eleições que muitos desejaram debalde invalidar, Porfirio Lobo tem a tarefa inicial de recompor as relações com os vizinhos centro-americanos, rompidas por força da destituição e da ilegal expulsão do presidente Zelaya para a Costa Rica.
Como o pleito em que venceu não está inquinado por nenhum vício insanável, e resultando portanto de livre e soberana determinação do Povo hondurenho, não deverão existir maiores empecilhos para a necessária normalização diplomática, inclusive com o retorno deste país ao seio da Organização dos Estados Americanos.
Semelha oportuno, a propósito, se fazer balanço da chamada crise hondurenha.
Nela avultam os perdedores. A começar pela O.E.A., que mais uma vez se mostrou incapaz de conduzir e resolver uma questão no âmbito de suas atribuições.
Segue o trêfego Coronel Hugo Chávez Frias, de quem muito se ouviu até o dia em que o seu aliado materializou-se diante da chancelaria da embaixada do Brasil em Tegucigalpa. O loquaz caudilho, a partir da organização logística para a suposta irrupção do presidente deposto Manuel Zelaya na missão brasileira, guardou fundo e cauteloso silêncio. No final, para ele, carece de tirar do mapa a sinalização de que Honduras continua a integrar a Alba.
Outro a quem talvez houvesse aproveitado falar menos é o Presidente Luiz Inacio Lula da Silva. Professando ignorar a manobra do reingresso em Tegucigalpa através de nossa Embaixada, Lula apressou-se em autorizar a permanência de Zelaya, segundo lhe terão recomendado o Assessor Marco Aurélio Garcia e o Ministro Celso Amorim.
Nessa esdrúxula ocorrência, a situação do hóspede Manuel Zelaya e de sua virtual centena de acompanhantes logo se adaptou às pitorescas características do pobre e pequeno país que é Honduras. Não é, de resto, necessário ser adivinho para antever que o destino do alegado precedente, por falto de qualquer consistência jurídica, será o de virar nota de pé de página, em futuro tratado de direito internacional público.
Já se disse – e com razão – da arrogância do governo brasileiro ao desfazer-se da neutralidade diplomática diante de um pequeno país. Vão intento, que a nada levou. E se sérias tropelias não houve, menção é devida à relativa moderação evidenciada pelo presidente interino Micheletti.
Os Estados Unidos, depois de início indeciso, tingido dos primeiros meses de Obama, teve mais presença no final, embora sem grandes feitos a registrar.
José Manuel Zelaya sai da embaixada não para entrar na história, mas para agregar-se à multidão de ex-presidentes e ex-líderes, cujo destino será o de vagar por recepções e países, penosas sombras de projetos que não vingaram.
Talvez Honduras venha a ser a ganhadora no episódio. Para quiçá livrar-se da pecha de república bananeira ao encenar para a América Central e, quem sabe além, a triste estória do golpe jurídico que não foi.
Pode-se acaso cogitar de melhor lição para tantos candidatos a estadista ?
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Os Visitantes da Noite
Se bem examinarmos o comportamento de certas facções do P.T., veremos que a teimosa simpatia concedida pelo grande chefe Lula ao companheiro Hugo Chávez não é fenômeno inexplicável. Existem mais afinidades entre a chamada revolução bolivariana do caudilho venezuelano e o entranhado petismo, aquele representado sobretudo pela esquerda do partido, do que possa parecer ao observador desatento.
Na verdade, esta facção se assemelha talvez àqueles agregados da família que só aparecem nas grandes ocasiões, como se deles o núcleo principal só tolerasse a presença em momentos especiais. Já no dia-a-dia seriam relegados aos socavões e aos quartos de despejo.
Contudo, a imagem deve sofrer alguns retoques no caso em tela. Não é que as correntes majoritárias do partido lhes enjeitem as ideias. Lá no seu íntimo até as aprovam, mas as julgam incômodas e pouco apresentáveis para sua representação de grêmio respeitável.
Guindado às responsabilidades do governo, o P.T. aprendeu depressa a relativizar as teses pregressas e, em consequência, dar o dito como não dito.
Posições doutrinárias extremadas – como a rejeição da Constituição cidadã e o combate à reforma do Real – foram abandonadas. Mesmo para aqueles que desconhecem teoricamente o princípio, a Realpolitik costuma impor-se sem tardança e se não for na teoria, o será na práxis.
Na realidade, essa adaptabilidade política não deve ser censurada, porque evidencia uma certa capacidade de lidar com situações novas e no interesse de um público mais amplo.
Em tal sentido, a atuação do P.T. e sobretudo do presidente Lula reflete tal contingência. Dessarte, a fisionomia da administração não difere muito da anterior em termos de gestão da economia, se bem que com o avanço do segundo mandato a feição neopopulista venha crescendo. Em outros aspectos, o governo Lula busca igualmente guardar as aparências, como um interlocutor viável e confiável. Há exceções – ou escorregões – para tais práticas, como no singular episódio da hospedagem de Zelaya na chancelaria brasileira em Tegucigalpa, um canhestro e malogrado exercício de não-diplomacia.
Existe, todavia, um aspecto de irredento esquerdismo que é uma segunda natureza do P.T., e que há de repontar em certos momentos de seu governo. Essa tendência petista surge notadamente, ou de forma inadvertida – como sintoma de mal-curada afecção - , ou de modo instrumentalizante, no período pré-eleitoral.
A famigerada Ancinav é exemplo do primeiro sintoma. Gestada no ministério da Cultura, almejava controlar nada menos que a produção audiovisual do país. Comporia o quadro o chamado Conselho Federal de Jornalismo, que se propunha patrulhar as redações da imprensa profissional e independente. Tais intentos não estão entre os feitos memoráveis do primeiro governo Lula.
Quanto à segunda manifestação, ela faz parte daquela abertura de cancelas que caracteriza o período pré-eleitoral. Nessa fase, o radicalismo costuma ser bem-vindo, máxime em suas feições mais extremadas (reprimidas por conveniência administrativa em outros tempos). A liberdade de imprensa – garantida por cláusula pétrea da Constituição – volta a ser objeto de um ataque concertado, em que se vê aplicada estratégia já empregada na Venezuela de Chávez e na Argentina dos Kirchner, com resultados divergentes.
A ofensiva pode estar a cargo de vetores múltiplos. Como o Programa Nacional de Direitos Humanos, em que uma censura disfarçada à imprensa pode tentar imiscuir-se, dentro do princípio da transversalidade. Ou na dita ‘Conferência Nacional de Comunicação’ (Confecom) que arremeda vezos anteriores do pecezão, carregando no seu bojo propostas que muitas vezes são o inverso daquilo que os títulos apregoam.
E a exemplo daqueles agregados que são tolerados nas grandes ocasiões, essas propostas grandiloquentes logo hão de mergulhar no breu de onde saíram. Eles talvez saibam que estão sendo usados. Mas como parecem não ter alternativa, prestam-se de bom grado à encenação.
Na verdade, esta facção se assemelha talvez àqueles agregados da família que só aparecem nas grandes ocasiões, como se deles o núcleo principal só tolerasse a presença em momentos especiais. Já no dia-a-dia seriam relegados aos socavões e aos quartos de despejo.
Contudo, a imagem deve sofrer alguns retoques no caso em tela. Não é que as correntes majoritárias do partido lhes enjeitem as ideias. Lá no seu íntimo até as aprovam, mas as julgam incômodas e pouco apresentáveis para sua representação de grêmio respeitável.
Guindado às responsabilidades do governo, o P.T. aprendeu depressa a relativizar as teses pregressas e, em consequência, dar o dito como não dito.
Posições doutrinárias extremadas – como a rejeição da Constituição cidadã e o combate à reforma do Real – foram abandonadas. Mesmo para aqueles que desconhecem teoricamente o princípio, a Realpolitik costuma impor-se sem tardança e se não for na teoria, o será na práxis.
Na realidade, essa adaptabilidade política não deve ser censurada, porque evidencia uma certa capacidade de lidar com situações novas e no interesse de um público mais amplo.
Em tal sentido, a atuação do P.T. e sobretudo do presidente Lula reflete tal contingência. Dessarte, a fisionomia da administração não difere muito da anterior em termos de gestão da economia, se bem que com o avanço do segundo mandato a feição neopopulista venha crescendo. Em outros aspectos, o governo Lula busca igualmente guardar as aparências, como um interlocutor viável e confiável. Há exceções – ou escorregões – para tais práticas, como no singular episódio da hospedagem de Zelaya na chancelaria brasileira em Tegucigalpa, um canhestro e malogrado exercício de não-diplomacia.
Existe, todavia, um aspecto de irredento esquerdismo que é uma segunda natureza do P.T., e que há de repontar em certos momentos de seu governo. Essa tendência petista surge notadamente, ou de forma inadvertida – como sintoma de mal-curada afecção - , ou de modo instrumentalizante, no período pré-eleitoral.
A famigerada Ancinav é exemplo do primeiro sintoma. Gestada no ministério da Cultura, almejava controlar nada menos que a produção audiovisual do país. Comporia o quadro o chamado Conselho Federal de Jornalismo, que se propunha patrulhar as redações da imprensa profissional e independente. Tais intentos não estão entre os feitos memoráveis do primeiro governo Lula.
Quanto à segunda manifestação, ela faz parte daquela abertura de cancelas que caracteriza o período pré-eleitoral. Nessa fase, o radicalismo costuma ser bem-vindo, máxime em suas feições mais extremadas (reprimidas por conveniência administrativa em outros tempos). A liberdade de imprensa – garantida por cláusula pétrea da Constituição – volta a ser objeto de um ataque concertado, em que se vê aplicada estratégia já empregada na Venezuela de Chávez e na Argentina dos Kirchner, com resultados divergentes.
A ofensiva pode estar a cargo de vetores múltiplos. Como o Programa Nacional de Direitos Humanos, em que uma censura disfarçada à imprensa pode tentar imiscuir-se, dentro do princípio da transversalidade. Ou na dita ‘Conferência Nacional de Comunicação’ (Confecom) que arremeda vezos anteriores do pecezão, carregando no seu bojo propostas que muitas vezes são o inverso daquilo que os títulos apregoam.
E a exemplo daqueles agregados que são tolerados nas grandes ocasiões, essas propostas grandiloquentes logo hão de mergulhar no breu de onde saíram. Eles talvez saibam que estão sendo usados. Mas como parecem não ter alternativa, prestam-se de bom grado à encenação.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Obama e a Derrota em Massachusetts
A despeito de toda a correria de última hora, das intervenções de Obama e do ex-presidente Clinton, a sorte de Martha Coakley já estava gravada nas pesquisas de opinião. O rival republicano, o senador estadual Scott Brown, conseguiu o que há semanas atrás seria coisa impensável: com 99% dos sufrágios contados, ele venceu a Promotora Martha Coakley por 52% contra 47%.
Como adiantara no blog de ontem, com esse resultado os democratas perdem a sua maioria de dois terços no Senado, passando das mágicas sessenta cadeiras à prova de filibuster, para cinquenta e nove.
A liderança democrática no Senado – a menos de uma improvável adesão de algum republicano moderado, o que neste partido é uma espécie em extinção – já não poderá sequer pensar na viabilidade de forçar a conclusão de um debate, porque não mais dispõe dos aludidos sessenta votos (com que lograra ultimar o projeto de lei do Senado, que ora estava submetido à chamada Conferência pelas delegações das duas Casas).
Sob o golpe incrível da derrota em Massachusetts, compreende-se a revolta dos democratas com a campanha medíocre, displicente e sobretudo incompetente que logrou catapultar para o Senado um virtual desconhecido, que ao lançar-se candidato tinha desvantagem de mais de dois dígitos em relação à Martha Coakley.
Se Martha Coakley, pela sua singular contribuição para tal súbita mudança nos horizontes da Administração Obama foi arremessada na lata de lixo da história, é imperativo ter presente que a candidata à sucessão de Edward Kennedy não causou toda essa reviravolta sozinha.
Os democratas no estado de Massachusetts e, posteriormente, a direção nacional do Partido e a própria administração Obama deveriam ter procurado consertar antes do irremediável o que a má gestão da campanha de Coakley logo começou a pressagiar.
Scott Brown logrou valer-se desse caldo de irresponsabilidade juntado às diversas e disparatadas insatisfações do eleitorado – do fascistóide movimento de tea party (a ultra-direita contra a reforma sanitária) ao difuso descontentamento com o governo de Barack Obama – para dar este presentaço à minoria republicana no Senado, encabeçada por Mitch McConnell. De novo poderão pontificar com a sua mensagem retrógrada senadores como Jim DeMint, da Carolina do Sul, que vem assumir o papel do falecido senador Jesse Helms (Rep-Carolina do Norte). Agora eles poderão voltar a realizar a função em que mais excelem, que é a de destruir , em especial, tudo aquilo que visa tornar menos acintosas as vantagens dos grande conglomerados financeiros, entre sociedades médico-farmacêuticas e grandes bancos.
Não obstante, o momento para os democratas é menos o de afligir-se que o de pensar nas remanescentes possibilidades de jogo político que de súbito se vê confrontado por grande e temível desafio.
Em termos da reforma geral da saúde, de que dispõem os democratas no atual momento ? De dois projetos de lei, um da Câmara de Representantes e outro do Senado.
Com relação a este dado, os democratas têm, durante um breve período, a opção de escolher entre uma alternativa de ação. Na hipótese (a), eles se valeriam da estreita janela que lhes é concedida pelo prazo presumível da entrada em funções do novo Senador por Massachusetts (no máximo de duas semanas). Em tal caso, o líder da maioria no Senado, Harry Reid, faria votar dentro deste limite de tempo um projeto de lei da reforma sanitária que acolhesse algumas das disposições do projeto de lei da Câmara. Se aprovado pelo Senado,voltaria para a Câmara de Representantes, onde a Speaker Nancy Pelosi se ocuparia de sua aprovação pelos deputados. Obtida a luz verde do Senado, a votação pela Câmara não estaria submetida aos prazos decorrentes da assunção de Scott Brown.
A hipótese (b) é aquela que não se vale da janela existente até a posse do novo Senador. Neste caso, o projeto de lei do Senado seria submetido in totum à Camara de Representantes. Os deputados descartariam o projeto que aprovaram e partindo do pressuposto de que nenhuma votação seria factível na Câmara Alta se resignariam a votar o projeto de lei do Senado.
Há ainda um terceiro caminho que é o de uma versão fiscal, o que importaria em desfigurar os atuais projetos, eis que essa opção pode ser aprovada por maioria de 51%. Das três hipóteses, semelha a de mais difícil realização, porque implicaria em renegociação de todo o articulado. A única vantagem – que não é pequena – está em evitar a filibuster, além da chantagem de membros isolados do Senado (como ocorreu na elaboração do projeto de lei senatorial).
As primeiras reações de deputados são míopes e de índole corporativa. Consultados, muitos descartam a possibilidade de votar na íntegra o projeto do Senado. Para explicar essa falta de descortínio político, os representantes apontam para as principais características do projeto da Câmara (opção pública, normas mais liberais para o aborto, etc.)
Contudo, existe apenas um problema. A alternativa de que dispõem os representantes da Câmara é a de não haver uma reforma geral para a saúde, o carro-chefe da Administração Obama e dos democratas. Este fracasso político determinará outro que será um desempenho sofrível nas próximas eleições intermediárias (de novembro do ano corrente), e com a muito possível perda da maioria em uma ou em ambas as Casas do Congresso.
Como esta alternativa é aquela de dar um tiro no pé, seria de todo aconselhável que a bancada democrática na Câmara se conscientizasse de que o projeto de lei do Senado constituiria a verdadeira tábua de salvação para a reforma sanitária.
Para tanto, será indispensável a liderança do Presidente Obama. Muito se tem falado sobre a sua eventual fraqueza no particular. Obama privilegiaria a persuasão, a paciente formação de consensos e por aí afora.
Infelizmente, nem sempre tais métodos parlamentares são oportunos. Barack Obama encara um momento decisivo em sua presidência. Não é hora de sutilezas nem filigranas. O instinto de sobrevivência política há de sobrepujar as rivalidades de facção. Com a ajuda de Nancy Pelosi e dos demais líderes responsáveis da Câmara, mas sobretudo com a própria energia, Obama terá de convencer a maioria dos deputados democratas. Disporá, inclusive, do ganho adicional de que os blue fiscal dogs (deputados democratas conservadores sob o ângulo fiscal), com cerca de cinquenta representantes, têm simpatia pelo projeto do Senado.
Mas este é um fator suplementar. O determinante será o teste da capacidade de liderança de Obama. Afinal, ao cabo de um ano de mandato, precisará convencer a seus liderados a segui-lo, unidos pelo imperativo da sobrevivência política.
Como adiantara no blog de ontem, com esse resultado os democratas perdem a sua maioria de dois terços no Senado, passando das mágicas sessenta cadeiras à prova de filibuster, para cinquenta e nove.
A liderança democrática no Senado – a menos de uma improvável adesão de algum republicano moderado, o que neste partido é uma espécie em extinção – já não poderá sequer pensar na viabilidade de forçar a conclusão de um debate, porque não mais dispõe dos aludidos sessenta votos (com que lograra ultimar o projeto de lei do Senado, que ora estava submetido à chamada Conferência pelas delegações das duas Casas).
Sob o golpe incrível da derrota em Massachusetts, compreende-se a revolta dos democratas com a campanha medíocre, displicente e sobretudo incompetente que logrou catapultar para o Senado um virtual desconhecido, que ao lançar-se candidato tinha desvantagem de mais de dois dígitos em relação à Martha Coakley.
Se Martha Coakley, pela sua singular contribuição para tal súbita mudança nos horizontes da Administração Obama foi arremessada na lata de lixo da história, é imperativo ter presente que a candidata à sucessão de Edward Kennedy não causou toda essa reviravolta sozinha.
Os democratas no estado de Massachusetts e, posteriormente, a direção nacional do Partido e a própria administração Obama deveriam ter procurado consertar antes do irremediável o que a má gestão da campanha de Coakley logo começou a pressagiar.
Scott Brown logrou valer-se desse caldo de irresponsabilidade juntado às diversas e disparatadas insatisfações do eleitorado – do fascistóide movimento de tea party (a ultra-direita contra a reforma sanitária) ao difuso descontentamento com o governo de Barack Obama – para dar este presentaço à minoria republicana no Senado, encabeçada por Mitch McConnell. De novo poderão pontificar com a sua mensagem retrógrada senadores como Jim DeMint, da Carolina do Sul, que vem assumir o papel do falecido senador Jesse Helms (Rep-Carolina do Norte). Agora eles poderão voltar a realizar a função em que mais excelem, que é a de destruir , em especial, tudo aquilo que visa tornar menos acintosas as vantagens dos grande conglomerados financeiros, entre sociedades médico-farmacêuticas e grandes bancos.
Não obstante, o momento para os democratas é menos o de afligir-se que o de pensar nas remanescentes possibilidades de jogo político que de súbito se vê confrontado por grande e temível desafio.
Em termos da reforma geral da saúde, de que dispõem os democratas no atual momento ? De dois projetos de lei, um da Câmara de Representantes e outro do Senado.
Com relação a este dado, os democratas têm, durante um breve período, a opção de escolher entre uma alternativa de ação. Na hipótese (a), eles se valeriam da estreita janela que lhes é concedida pelo prazo presumível da entrada em funções do novo Senador por Massachusetts (no máximo de duas semanas). Em tal caso, o líder da maioria no Senado, Harry Reid, faria votar dentro deste limite de tempo um projeto de lei da reforma sanitária que acolhesse algumas das disposições do projeto de lei da Câmara. Se aprovado pelo Senado,voltaria para a Câmara de Representantes, onde a Speaker Nancy Pelosi se ocuparia de sua aprovação pelos deputados. Obtida a luz verde do Senado, a votação pela Câmara não estaria submetida aos prazos decorrentes da assunção de Scott Brown.
A hipótese (b) é aquela que não se vale da janela existente até a posse do novo Senador. Neste caso, o projeto de lei do Senado seria submetido in totum à Camara de Representantes. Os deputados descartariam o projeto que aprovaram e partindo do pressuposto de que nenhuma votação seria factível na Câmara Alta se resignariam a votar o projeto de lei do Senado.
Há ainda um terceiro caminho que é o de uma versão fiscal, o que importaria em desfigurar os atuais projetos, eis que essa opção pode ser aprovada por maioria de 51%. Das três hipóteses, semelha a de mais difícil realização, porque implicaria em renegociação de todo o articulado. A única vantagem – que não é pequena – está em evitar a filibuster, além da chantagem de membros isolados do Senado (como ocorreu na elaboração do projeto de lei senatorial).
As primeiras reações de deputados são míopes e de índole corporativa. Consultados, muitos descartam a possibilidade de votar na íntegra o projeto do Senado. Para explicar essa falta de descortínio político, os representantes apontam para as principais características do projeto da Câmara (opção pública, normas mais liberais para o aborto, etc.)
Contudo, existe apenas um problema. A alternativa de que dispõem os representantes da Câmara é a de não haver uma reforma geral para a saúde, o carro-chefe da Administração Obama e dos democratas. Este fracasso político determinará outro que será um desempenho sofrível nas próximas eleições intermediárias (de novembro do ano corrente), e com a muito possível perda da maioria em uma ou em ambas as Casas do Congresso.
Como esta alternativa é aquela de dar um tiro no pé, seria de todo aconselhável que a bancada democrática na Câmara se conscientizasse de que o projeto de lei do Senado constituiria a verdadeira tábua de salvação para a reforma sanitária.
Para tanto, será indispensável a liderança do Presidente Obama. Muito se tem falado sobre a sua eventual fraqueza no particular. Obama privilegiaria a persuasão, a paciente formação de consensos e por aí afora.
Infelizmente, nem sempre tais métodos parlamentares são oportunos. Barack Obama encara um momento decisivo em sua presidência. Não é hora de sutilezas nem filigranas. O instinto de sobrevivência política há de sobrepujar as rivalidades de facção. Com a ajuda de Nancy Pelosi e dos demais líderes responsáveis da Câmara, mas sobretudo com a própria energia, Obama terá de convencer a maioria dos deputados democratas. Disporá, inclusive, do ganho adicional de que os blue fiscal dogs (deputados democratas conservadores sob o ângulo fiscal), com cerca de cinquenta representantes, têm simpatia pelo projeto do Senado.
Mas este é um fator suplementar. O determinante será o teste da capacidade de liderança de Obama. Afinal, ao cabo de um ano de mandato, precisará convencer a seus liderados a segui-lo, unidos pelo imperativo da sobrevivência política.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Grave Ameaça para o Partido Democrata
O que antes parecia inconcebível, pode transformar-se em realidade por força de eleição especial no estado de Massachusetts. Com a morte do Senador Ted Kennedy – que se manteve no Senado durante 46 anos – se faz necessário eleger novo senador para completar os três anos restantes do mandato de Kennedy.
Defrontam-se a Promotora Martha Coakley, pelos democratas, e o senador estadual Scott Brown, pelos republicanos. De início, Coakley tinha vantagem de dois dígitos sobre o seu rival, mas, devido a uma mescla de displicência e incompetência, Coakley logrou malbaratá-la. Inverteu-se, por conseguinte,a posição dos concorrentes: Scott Brown tem nas últimas pesquisas diferença de sete pontos a seu favor, somando 52% contra 45 % de Martha Coakley.
Que Scott Brown tenha logrado sobrepujar a concorrente democrata contraria todas as estatísticas políticas no estado. Desde 1972 nenhum republicano foi eleito para o Senado Federal e todas as vagas de Deputado para a Câmara de Representantes estão ocupadas por democratas.
Assim, a desvantagem da candidata a suceder Ted Kennedy terá mais a ver com causas intrínsecas da atuação e imagem de Martha Coakley, do que propriamente com situação política adversa para os democratas.
Não obstante, o que vai ocorrer com Martha Coakley – se confirmado o prognóstico da vitória de Scott Brown – não é um desenvolvimento que tenha a ver apenas com o estado de Massachusetts.
Por amarga ironia, a vaga de Ted Kennedy – um dos maiores defensores da reforma da saúde nos Estados Unidos – é, por capricho da sorte, a sexagésima cadeira senatorial, atualmente controlada pelo Partido Democrata.
Como se sabe, o fato de dispor de sessenta senadores ensejou à liderança democrática aprovar, em quatro votações sucessivas, o projeto de lei da reforma sanitária. Pelo regimento do Senado, com dois terços dos votos (i.e., sessenta) um partido tem o poder de suspender o debate sobre qualquer projeto de lei e, assim, inviabilizar eventuais intentos de filibuster pela minoria.
Se essa incrível peripeteia (reviravolta) se concretizar, por um passe de mágica os republicanos – que até o presente votaram compactamente contra a reforma sanitária – terão a concreta possibilidade de inviabilizar a votação final do projeto.
Com efeito, os democratas, depois de aprovarem no Senado, em fins do ano passado, o projeto de reforma (o projeto de lei da Câmara que difere daquele do Senado fora votado anteriormente), careciam de compatibilizar os dois projetos – o que é feito através de conferência entre delegações das duas Casas.
Uma vez acertado o texto comum, o projeto final deveria ser submetido a Câmara e Senado em votações separadas. Se afinal aprovado, seguiria para a assinatura do Presidente Barack Obama.
Contudo, dada uma série de circunstâncias, houve dificuldade, por injunções políticas sectárias, em que os democratas estabelecessem um texto comum.
A este respeito, o Presidente Obama se empenhou para que se lograsse um acerto no menor prazo. De acordo, no entanto, com suas características, e a despeito do manifesto interesse em que se ultimasse sem demora a reforma da saúde, a liderança de Obama semelha exercer-se mais de forma suasória do que através de maneira mais incisiva e determinante. E terá sido talvez muito por conta de tal idiossincrasia do 44º presidente dos Estados Unidos que até esta data acha-se ainda aberta a possibilidade de que a reforma da saúde permaneça vulnerável a manobras de ultimíssima hora da oposição republicana.
Dessarte,em um jogo de dominós – se se confirmar, repito, a derrota anunciada de Martha Coakley - não será infelizmente apenas aquela peça estadual que irá cair. No que seria um histórico revertere, o G.O.P. infligiria grave derrota à administração Obama, acarretando dramatica mudança no panorama político.
Em verdade, se nesse estado da Nova Inglaterra não acontecer reação na vigésima quinta hora, a mensagem dos eleitores não será de bom agouro para o Partido Democrata. De repente, ao tornar as eleições para o Congresso de novembro do corrente ano mais do que mera formalidade constitucional, não se poderá então excluir para os democratas resultado desastroso, como sucedeu em 1994, no primeiro mandato do Presidente Bill Clinton, com a perda da maioria nas duas Casas do Congresso.
( Fonte: CNN )
Defrontam-se a Promotora Martha Coakley, pelos democratas, e o senador estadual Scott Brown, pelos republicanos. De início, Coakley tinha vantagem de dois dígitos sobre o seu rival, mas, devido a uma mescla de displicência e incompetência, Coakley logrou malbaratá-la. Inverteu-se, por conseguinte,a posição dos concorrentes: Scott Brown tem nas últimas pesquisas diferença de sete pontos a seu favor, somando 52% contra 45 % de Martha Coakley.
Que Scott Brown tenha logrado sobrepujar a concorrente democrata contraria todas as estatísticas políticas no estado. Desde 1972 nenhum republicano foi eleito para o Senado Federal e todas as vagas de Deputado para a Câmara de Representantes estão ocupadas por democratas.
Assim, a desvantagem da candidata a suceder Ted Kennedy terá mais a ver com causas intrínsecas da atuação e imagem de Martha Coakley, do que propriamente com situação política adversa para os democratas.
Não obstante, o que vai ocorrer com Martha Coakley – se confirmado o prognóstico da vitória de Scott Brown – não é um desenvolvimento que tenha a ver apenas com o estado de Massachusetts.
Por amarga ironia, a vaga de Ted Kennedy – um dos maiores defensores da reforma da saúde nos Estados Unidos – é, por capricho da sorte, a sexagésima cadeira senatorial, atualmente controlada pelo Partido Democrata.
Como se sabe, o fato de dispor de sessenta senadores ensejou à liderança democrática aprovar, em quatro votações sucessivas, o projeto de lei da reforma sanitária. Pelo regimento do Senado, com dois terços dos votos (i.e., sessenta) um partido tem o poder de suspender o debate sobre qualquer projeto de lei e, assim, inviabilizar eventuais intentos de filibuster pela minoria.
Se essa incrível peripeteia (reviravolta) se concretizar, por um passe de mágica os republicanos – que até o presente votaram compactamente contra a reforma sanitária – terão a concreta possibilidade de inviabilizar a votação final do projeto.
Com efeito, os democratas, depois de aprovarem no Senado, em fins do ano passado, o projeto de reforma (o projeto de lei da Câmara que difere daquele do Senado fora votado anteriormente), careciam de compatibilizar os dois projetos – o que é feito através de conferência entre delegações das duas Casas.
Uma vez acertado o texto comum, o projeto final deveria ser submetido a Câmara e Senado em votações separadas. Se afinal aprovado, seguiria para a assinatura do Presidente Barack Obama.
Contudo, dada uma série de circunstâncias, houve dificuldade, por injunções políticas sectárias, em que os democratas estabelecessem um texto comum.
A este respeito, o Presidente Obama se empenhou para que se lograsse um acerto no menor prazo. De acordo, no entanto, com suas características, e a despeito do manifesto interesse em que se ultimasse sem demora a reforma da saúde, a liderança de Obama semelha exercer-se mais de forma suasória do que através de maneira mais incisiva e determinante. E terá sido talvez muito por conta de tal idiossincrasia do 44º presidente dos Estados Unidos que até esta data acha-se ainda aberta a possibilidade de que a reforma da saúde permaneça vulnerável a manobras de ultimíssima hora da oposição republicana.
Dessarte,em um jogo de dominós – se se confirmar, repito, a derrota anunciada de Martha Coakley - não será infelizmente apenas aquela peça estadual que irá cair. No que seria um histórico revertere, o G.O.P. infligiria grave derrota à administração Obama, acarretando dramatica mudança no panorama político.
Em verdade, se nesse estado da Nova Inglaterra não acontecer reação na vigésima quinta hora, a mensagem dos eleitores não será de bom agouro para o Partido Democrata. De repente, ao tornar as eleições para o Congresso de novembro do corrente ano mais do que mera formalidade constitucional, não se poderá então excluir para os democratas resultado desastroso, como sucedeu em 1994, no primeiro mandato do Presidente Bill Clinton, com a perda da maioria nas duas Casas do Congresso.
( Fonte: CNN )
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
O Vaticano e os Judeus
A visita do Papa Bento XVI à Sinagoga em Roma se realizou dentro do quadro de certo mal-estar entre os líderes da comunidade judaica para com o Vaticano. Discordam os representantes judaicos e o Pontífice quanto ao real papel de Pio XII no que concerne ao Holocausto.
Enquanto muitos judeus consideram que aquele Papa não se empenhou o necessário para proteger a comunidade judaica da perseguição nazista, Bento XVI pensa que o seu antecessor Papa Pacelli se valeu da diplomacia para salvar vidas. Sem mencioná-lo explicitamente, o Santo Padre declarou que o próprioVaticano “prestou assistência, muitas vezes de forma oculta e discreta”.
A volta à baila das relações de Pio XII com os judeus se insere no quadro do anunciado desígnio do atual pontificado de promover a causa pela beatificação de Papa Pacelli. No final do ano passado, Bento XVI reconheceu as ‘virtudes heróicas’ desse Papa – juntamente com as de João Paulo II. Como se sabe, esta é a condição sine qua non para o início do processo de beatificação.
O Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Padre Federico Lombardi disse, a propósito de reações contrárias de próceres do judaismo, que é da exclusiva competência do Sumo Pontífice a assinatura dos decretos correspondentes. Esclareceu, outrossim, que a despeito da simpatia do Papa, ambas as causas são independentes.
Desde a abertura da discussão provocada pela peça “O Vigário” ( Der Stellvertreter) de Rolf Hochhuth, encenada por primeira vez em Berlim Ocidental, em fevereiro de 1963, em que Pio XII foi criticado pela sua postura em relação ao Holocausto, que uma sombra tem pairado sobre a personalidade de Papa Pacelli, obstaculizando eventuais tentativas anteriores pela Santa Sé de proclamá-lo beato.
Assinale-se que o imediato antecessor do atual Pontífice, o Papa João Paulo II, já teria considerado tal possibilidade, mas não a levou adiante pela repercussão negativa. O Papa Wojtyla e o seu sucessor, Papa Ratzinger, tem na Igreja posição ideológica similar. Durante o longo pontificado do papa polonês, o Cardeal Joseph Ratzinger foi o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (o ex-Santo Ofício) e dentro da orientação pontíficia conservadora, contrária à teologia da libertação, promoveu ações contra diversos teólogos, entre os quais o então frei Leonardo Boff.
Bento XVI terá julgado mais favorável a atmosfera para a consecução de seu desejo, eis que no ano passado solicitou preces pela causa da beatificação do Venerável Servo de Deus Eugenio Pacelli. A recepção na mídia e junto à comunidade judaica não correspondeu, contudo, aos votos formulados pelo Sumo Pontífice.
Como semelha evidente o desígnio do presente Pontífice de elevar aos altares o culto de dois antecessores seus, seria interessante que Sua Santidade examinasse da possibilidade de proceder à causa da canonização do Beato Angelo Roncalli, que, para felicidade da Igreja, seria o Papa do Concílio, João XXIII. Papa Giovanni, como é afetuosamente chamado por seus numerosos fiéis e devotos, goza de inegável fama de santidade, para o que corroboram diversos milagres.
A oportunidade para que o Beato Giovanni XXIII seja canonizado santo também se justifica se se tiverem presentes as suas estreitas e amistosas relações com a comunidade judaica. Durante a IIa. Guerra Mundial, o arcebispo Angelo Roncalli foi Delegado Pontifício em Constantinopla. Valendo-se de suas relações naquela cidade, graças à intervenção de Roncalli foram salvas inúmeras vidas de judeus.
A canonização de João XXIII, data a grata memória do grande Pontífice, e a inexcedível contribuição para a causa do ecumenismo, não seria apenas cercada pela aprovação dos católicos, senão dos irmãos separados e da comunidade judaica. Caberia decerto incluir igualmente tantos outros seus inúmeros admiradores, a que a não-união pela fé jamais impedira a proximidade no apreço e no respeito mútuos. Com a possível exceção dos reduzidos fiéis do ultra-conservador bispo Marcel Lefebvre, a acolhida e o aplauso seriam gerais – como costumavam ser durante o seu pontificado – e estariam despojados de qualquer eventual sombra polêmica.
Não parecerá ao Papa Bento XVI boa ocasião de promover causa tão meritória e tão do agrado de um tão elevado número de pessoas?
Enquanto muitos judeus consideram que aquele Papa não se empenhou o necessário para proteger a comunidade judaica da perseguição nazista, Bento XVI pensa que o seu antecessor Papa Pacelli se valeu da diplomacia para salvar vidas. Sem mencioná-lo explicitamente, o Santo Padre declarou que o próprioVaticano “prestou assistência, muitas vezes de forma oculta e discreta”.
A volta à baila das relações de Pio XII com os judeus se insere no quadro do anunciado desígnio do atual pontificado de promover a causa pela beatificação de Papa Pacelli. No final do ano passado, Bento XVI reconheceu as ‘virtudes heróicas’ desse Papa – juntamente com as de João Paulo II. Como se sabe, esta é a condição sine qua non para o início do processo de beatificação.
O Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Padre Federico Lombardi disse, a propósito de reações contrárias de próceres do judaismo, que é da exclusiva competência do Sumo Pontífice a assinatura dos decretos correspondentes. Esclareceu, outrossim, que a despeito da simpatia do Papa, ambas as causas são independentes.
Desde a abertura da discussão provocada pela peça “O Vigário” ( Der Stellvertreter) de Rolf Hochhuth, encenada por primeira vez em Berlim Ocidental, em fevereiro de 1963, em que Pio XII foi criticado pela sua postura em relação ao Holocausto, que uma sombra tem pairado sobre a personalidade de Papa Pacelli, obstaculizando eventuais tentativas anteriores pela Santa Sé de proclamá-lo beato.
Assinale-se que o imediato antecessor do atual Pontífice, o Papa João Paulo II, já teria considerado tal possibilidade, mas não a levou adiante pela repercussão negativa. O Papa Wojtyla e o seu sucessor, Papa Ratzinger, tem na Igreja posição ideológica similar. Durante o longo pontificado do papa polonês, o Cardeal Joseph Ratzinger foi o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (o ex-Santo Ofício) e dentro da orientação pontíficia conservadora, contrária à teologia da libertação, promoveu ações contra diversos teólogos, entre os quais o então frei Leonardo Boff.
Bento XVI terá julgado mais favorável a atmosfera para a consecução de seu desejo, eis que no ano passado solicitou preces pela causa da beatificação do Venerável Servo de Deus Eugenio Pacelli. A recepção na mídia e junto à comunidade judaica não correspondeu, contudo, aos votos formulados pelo Sumo Pontífice.
Como semelha evidente o desígnio do presente Pontífice de elevar aos altares o culto de dois antecessores seus, seria interessante que Sua Santidade examinasse da possibilidade de proceder à causa da canonização do Beato Angelo Roncalli, que, para felicidade da Igreja, seria o Papa do Concílio, João XXIII. Papa Giovanni, como é afetuosamente chamado por seus numerosos fiéis e devotos, goza de inegável fama de santidade, para o que corroboram diversos milagres.
A oportunidade para que o Beato Giovanni XXIII seja canonizado santo também se justifica se se tiverem presentes as suas estreitas e amistosas relações com a comunidade judaica. Durante a IIa. Guerra Mundial, o arcebispo Angelo Roncalli foi Delegado Pontifício em Constantinopla. Valendo-se de suas relações naquela cidade, graças à intervenção de Roncalli foram salvas inúmeras vidas de judeus.
A canonização de João XXIII, data a grata memória do grande Pontífice, e a inexcedível contribuição para a causa do ecumenismo, não seria apenas cercada pela aprovação dos católicos, senão dos irmãos separados e da comunidade judaica. Caberia decerto incluir igualmente tantos outros seus inúmeros admiradores, a que a não-união pela fé jamais impedira a proximidade no apreço e no respeito mútuos. Com a possível exceção dos reduzidos fiéis do ultra-conservador bispo Marcel Lefebvre, a acolhida e o aplauso seriam gerais – como costumavam ser durante o seu pontificado – e estariam despojados de qualquer eventual sombra polêmica.
Não parecerá ao Papa Bento XVI boa ocasião de promover causa tão meritória e tão do agrado de um tão elevado número de pessoas?
domingo, 17 de janeiro de 2010
Colcha de Retalhos XXXIV
Ervas Daninhas
Alain Resnais, apesar de seus oitenta e sete anos, continua dirigindo bons filmes. Seu companheiro da Nouvelle Vague, Eric Rohmer, acaba de deixar-nos, mas Resnais não passa de uma criança perto de Manoel de Oliveira, que continua ativo, a despeito de sua centena de anos.
Herbes folles é o título de sua nova película, a que se traduziu por Ervas daninhas. Pode ser que signifiquem o mesmo, porém herbes folles (ervas loucas) semelha um comentário mais adequado para os principais personagens de Resnais.
Esse tipo de vegetação pode nascer em qualquer parte, e há tomadas de tufos de ervas que surgem de gretas entre lajes do chão. Dependem, portanto, do acaso (fortuna), por isso se espremem e crescem nos lugares mais inesperados.
O roteiro do filme é também uma digressão sobre o fortuito, e o que a sorte (boa para uns, adversa para outros) pode desencadear. O próprio termo desencadear com o seu imaginário de eventos de súbito lançados constitui uma pista (ou uma linha) para a evolução de um conjunto de situações que vai formar a estória.
São quadros aleatórios – porque não estão sob o controle dos personagens. Tudo começa com a imagem no ar da bolsa de Marguerite Muir (Sabine Azéma), que acaba de adquirir mais um par de sapatos de marca. Presumivelmente sob uma arcada, a protagonista é vítima de um scippo (roubo de rua, de origem italiana, em que violência e surpresa se unem para arrancar um pertence de alguém).
Sob o impacto do fait divers (ocorrência policial desimportante), Marguerite decide apenas regressar para a loja. Forçada pelo imprevisto, ela desfaz a sua compra, permutando o par de sapatos pelo dinheiro gasto. Retorna, em seguida, para casa, onde decide deixar para o dia seguinte as providências administrativas relativas à perda dos cartões de crédito e dos documentos.
No entanto, a roda da fortuna já foi acionada. George Palet (André Dussolier)encontra junto de pneu de seu carro a carteira de que o descuidista se livrou, depois de ficar com o dinheiro em espécie. Após uma torturada análise de como deva proceder – Palet tem imprecisos antecedentes de violência sexual – acaba por resolver-se em levar a carteira para uma delegacia. Ali encontra um policial típico – Mathieu Amalric – não sem antes cometer um pequeno deslize (irritado por não haver ninguém no balcão, tenta abrir porta de onde vem ruidos de festinha, a despeito de ter o cartaz Proibido). Por isso, o polícia o censura. Segue-se diálogo típico em que a incerteza é a regra. Palet até suspeita que o agente o haja reconhecido (de quê, por quê não se esclarece), e no fim acha melhor que a polícia providencie a entrega da carteira, sem que exija qualquer recompensa.
A estória avança como se fora aos arrancos. Palet não quer dinheiro – pela sua casa é pessoa de classe média alta – mas não suporta que Marguerite não queira ter com ele nenhum contato.
Debalde telefona diversas vezes para ela. Como esta deixa sempre o aparelho na secretária eletrônica, a exasperação dele cresce. Configurando ainda mais o acosso, escreva mensagem dramática para ela, e vai colocá-la na sua caixa de correspondência, na portaria do prédio residencial de Marguerite. Tão logo a inseriu através da fresta se arrepende de o que escreveu, e principia a tentar abrir à força o escaninho. Eis que surge a concierge (porteira), outra figura paradigmática do imaginário francês. Ela o censura pelo que intenta fazer. Palet consegue enfim convencê-la a ajudá-lo (dizer para Marguerite que queime a carta, mas esta se recusa).
A negativa de qualquer contato enfurece Palet que volta até o endereço de Marguerite, para rasgar os quatro pneus de seu carro. A violência da reação a faz procurar o agente policial. Apesar das dúvidas do policial, que vê a gravidade da ação de Palet, ela prefere não entrar com queixa formal, pedindo-lhe, ao invés, que ele visite o agressor e o dissuada de continuar a forçar a barra.
Acompanhado de um colega, ambos uniformizados, o polícia o procura em casa. A seriedade dos rostos – os espectadores veem a cena através das vistas de Palet – dos policiais o convencem de que não deve reincidir. A terrível ameaça não precisa ser dita: basta a presença da autoridade para explicitá-la.
A partir desse instante, a roda da fortuna passa a girar em reverso.
Mudam os papeis e a origem da iniciativa. Mudar ? Talvez não, porque a essência da natureza das herbes folles é a própria imprevisibilidade. Se surgem em toda parte, tampouco são supostas aparecerem (ou agirem) sempre da mesma forma...
Para nosso gáudio, Resnais e outros diretores europeus nos mostram que o talento não é necessariamente um derivado de excesso de dinheiro.
China: ataques cibernéticos & censura
O State Department deverá manifestar no início da próxima semana a sua preocupação (concern) pelo incidente e solicitar informações das autoridades chinesas quanto a uma explicação de como isto aconteceu e o que tencionam fazer a respeito.
Com efeito, a gestão diplomática, apesar da seriedade da questão, se vê obrigada a avançar com cautela, porque, como soi acontecer com ataques desse gênero, tal categoria de ação é muito difícil de ser apanhada com provas incontestes.
Quando os técnicos do Google começaram a suspeitar que hackers chineses tinham logrado penetrar em contas particulares do gmail, montaram uma contra-investida que conseguiu chegar a um computador em Taiwan, que se tornou o suspeito de ser a origem das incursões cibernéticas. Por meio do acesso a esse computador, os técnicos obtiveram provas do resultado dessas incursões, não apenas no Google, mas em pelo menos 33 outras companhias americanas, entre as quais Adobe Systems e Juniper Networks.
Realizando plenamente a amplitude do problema, cuidou-se de alertar as autoridades estadunidenses de informação (intelligence) e de repressão legal. Através da cooperação com esses setores, se pôde determinar que a direção de tais incursões não provinha de Taiwan, mas sim da China Continental.
Entretanto, se os indícios colhidos, e em especial a sofisticação dos ataques cibernéticos, apontavam para o envolvimento, seja diretamente, por agências estatais, seja por operadores sob seu controle, os técnicos tanto da Google, quanto dos órgãos oficiais americanos não puderam reunir provas conclusivas da responsabilidade de Beijing.
Como a pesquisa não alcançou a sinalização inequívoca da origem da incursão, a reação da Administração Obama não pôde ser proporcional à seriedade dos ataques feitos ao centro tecnológico do Google. Embora exista a quase certeza de que os ataques foram programados e executados, seja diretamente, seja sob a supervisão das autoridades de Beijing, a gestão diplomática sobre o incidente que motivou a reação de Google terá de ser realizada com os cuidados de quem não desconhece não dispor de provas conclusivas acerca da eventual responsabilidade chinesa.
Infelizmente, uma das características do ataque cibernético está na quase impossibilidade de determinar quem é o responsável e verificar de onde partiu o ataque.
(Fonte: International Herald Tribune)
Alain Resnais, apesar de seus oitenta e sete anos, continua dirigindo bons filmes. Seu companheiro da Nouvelle Vague, Eric Rohmer, acaba de deixar-nos, mas Resnais não passa de uma criança perto de Manoel de Oliveira, que continua ativo, a despeito de sua centena de anos.
Herbes folles é o título de sua nova película, a que se traduziu por Ervas daninhas. Pode ser que signifiquem o mesmo, porém herbes folles (ervas loucas) semelha um comentário mais adequado para os principais personagens de Resnais.
Esse tipo de vegetação pode nascer em qualquer parte, e há tomadas de tufos de ervas que surgem de gretas entre lajes do chão. Dependem, portanto, do acaso (fortuna), por isso se espremem e crescem nos lugares mais inesperados.
O roteiro do filme é também uma digressão sobre o fortuito, e o que a sorte (boa para uns, adversa para outros) pode desencadear. O próprio termo desencadear com o seu imaginário de eventos de súbito lançados constitui uma pista (ou uma linha) para a evolução de um conjunto de situações que vai formar a estória.
São quadros aleatórios – porque não estão sob o controle dos personagens. Tudo começa com a imagem no ar da bolsa de Marguerite Muir (Sabine Azéma), que acaba de adquirir mais um par de sapatos de marca. Presumivelmente sob uma arcada, a protagonista é vítima de um scippo (roubo de rua, de origem italiana, em que violência e surpresa se unem para arrancar um pertence de alguém).
Sob o impacto do fait divers (ocorrência policial desimportante), Marguerite decide apenas regressar para a loja. Forçada pelo imprevisto, ela desfaz a sua compra, permutando o par de sapatos pelo dinheiro gasto. Retorna, em seguida, para casa, onde decide deixar para o dia seguinte as providências administrativas relativas à perda dos cartões de crédito e dos documentos.
No entanto, a roda da fortuna já foi acionada. George Palet (André Dussolier)encontra junto de pneu de seu carro a carteira de que o descuidista se livrou, depois de ficar com o dinheiro em espécie. Após uma torturada análise de como deva proceder – Palet tem imprecisos antecedentes de violência sexual – acaba por resolver-se em levar a carteira para uma delegacia. Ali encontra um policial típico – Mathieu Amalric – não sem antes cometer um pequeno deslize (irritado por não haver ninguém no balcão, tenta abrir porta de onde vem ruidos de festinha, a despeito de ter o cartaz Proibido). Por isso, o polícia o censura. Segue-se diálogo típico em que a incerteza é a regra. Palet até suspeita que o agente o haja reconhecido (de quê, por quê não se esclarece), e no fim acha melhor que a polícia providencie a entrega da carteira, sem que exija qualquer recompensa.
A estória avança como se fora aos arrancos. Palet não quer dinheiro – pela sua casa é pessoa de classe média alta – mas não suporta que Marguerite não queira ter com ele nenhum contato.
Debalde telefona diversas vezes para ela. Como esta deixa sempre o aparelho na secretária eletrônica, a exasperação dele cresce. Configurando ainda mais o acosso, escreva mensagem dramática para ela, e vai colocá-la na sua caixa de correspondência, na portaria do prédio residencial de Marguerite. Tão logo a inseriu através da fresta se arrepende de o que escreveu, e principia a tentar abrir à força o escaninho. Eis que surge a concierge (porteira), outra figura paradigmática do imaginário francês. Ela o censura pelo que intenta fazer. Palet consegue enfim convencê-la a ajudá-lo (dizer para Marguerite que queime a carta, mas esta se recusa).
A negativa de qualquer contato enfurece Palet que volta até o endereço de Marguerite, para rasgar os quatro pneus de seu carro. A violência da reação a faz procurar o agente policial. Apesar das dúvidas do policial, que vê a gravidade da ação de Palet, ela prefere não entrar com queixa formal, pedindo-lhe, ao invés, que ele visite o agressor e o dissuada de continuar a forçar a barra.
Acompanhado de um colega, ambos uniformizados, o polícia o procura em casa. A seriedade dos rostos – os espectadores veem a cena através das vistas de Palet – dos policiais o convencem de que não deve reincidir. A terrível ameaça não precisa ser dita: basta a presença da autoridade para explicitá-la.
A partir desse instante, a roda da fortuna passa a girar em reverso.
Mudam os papeis e a origem da iniciativa. Mudar ? Talvez não, porque a essência da natureza das herbes folles é a própria imprevisibilidade. Se surgem em toda parte, tampouco são supostas aparecerem (ou agirem) sempre da mesma forma...
Para nosso gáudio, Resnais e outros diretores europeus nos mostram que o talento não é necessariamente um derivado de excesso de dinheiro.
China: ataques cibernéticos & censura
O State Department deverá manifestar no início da próxima semana a sua preocupação (concern) pelo incidente e solicitar informações das autoridades chinesas quanto a uma explicação de como isto aconteceu e o que tencionam fazer a respeito.
Com efeito, a gestão diplomática, apesar da seriedade da questão, se vê obrigada a avançar com cautela, porque, como soi acontecer com ataques desse gênero, tal categoria de ação é muito difícil de ser apanhada com provas incontestes.
Quando os técnicos do Google começaram a suspeitar que hackers chineses tinham logrado penetrar em contas particulares do gmail, montaram uma contra-investida que conseguiu chegar a um computador em Taiwan, que se tornou o suspeito de ser a origem das incursões cibernéticas. Por meio do acesso a esse computador, os técnicos obtiveram provas do resultado dessas incursões, não apenas no Google, mas em pelo menos 33 outras companhias americanas, entre as quais Adobe Systems e Juniper Networks.
Realizando plenamente a amplitude do problema, cuidou-se de alertar as autoridades estadunidenses de informação (intelligence) e de repressão legal. Através da cooperação com esses setores, se pôde determinar que a direção de tais incursões não provinha de Taiwan, mas sim da China Continental.
Entretanto, se os indícios colhidos, e em especial a sofisticação dos ataques cibernéticos, apontavam para o envolvimento, seja diretamente, por agências estatais, seja por operadores sob seu controle, os técnicos tanto da Google, quanto dos órgãos oficiais americanos não puderam reunir provas conclusivas da responsabilidade de Beijing.
Como a pesquisa não alcançou a sinalização inequívoca da origem da incursão, a reação da Administração Obama não pôde ser proporcional à seriedade dos ataques feitos ao centro tecnológico do Google. Embora exista a quase certeza de que os ataques foram programados e executados, seja diretamente, seja sob a supervisão das autoridades de Beijing, a gestão diplomática sobre o incidente que motivou a reação de Google terá de ser realizada com os cuidados de quem não desconhece não dispor de provas conclusivas acerca da eventual responsabilidade chinesa.
Infelizmente, uma das características do ataque cibernético está na quase impossibilidade de determinar quem é o responsável e verificar de onde partiu o ataque.
(Fonte: International Herald Tribune)
sábado, 16 de janeiro de 2010
O Metrô deve ser público ?
Depois da ansiada inauguração da estação General Osório – com direito à presença do Presidente da República – e a ligação entre as linhas um e dois do metrô, a expectativa geral era a natural melhoria do serviço, seja pela extensão da rede até Ipanema, seja pela eliminação da baldeação no Estácio.
No entanto, o que ocorreu foi justamente o contrário. Depois de se esperar por quatro anos o prolongamento da linha da estação Cantagalo até a praça General Osório – um dos menores trechos da linha para a Zona Sul -, coube ao usuário a desagradável surpresa da súbita deterioração desse transporte de massa.
O que aconteceu ? Com a abertura da linha direta da Pavuna, na Baixada, até Botafogo, aumentou bastante o afluxo de passageiros daquela área, que padece de transporte coletivo assaz deficiente. Por outro lado, o metrô dispensando a baldeação se tornou a opção menos onerosa para o usuário.
Cresceu, assim, bastante o público da linha dois, com a consequente sobrecarga na linha um, pois ambas se acham ora interligadas, através da conexão na estação Central do Brasil.
O primeiro problema da nova situação reside na singular falta de planejamento da concessionária. Não obstante o aumento geométrico na procura, ela não providenciou a adequação do equipamento. Com o mesmo número de vagões, todos já dando mostras de uso intensivo, a Metrô Rio pensou ser possível atender por um tempo ao maior número de passageiros com a mesma disponibilidade de antes.
Como o prolongamento até General Osório – e a ligação das duas linhas – levaram cerca de quatro anos para serem efetivados, é estarrecedor que a concessionária não haja cuidado de adquirir novos vagões, de forma a colocá-los em serviço sincronicamente com a dita reformulação. Por motivos inexplicáveis, o reforço de vagões só é previsto para fins de 2011!
Por conseguinte, o desserviço na rede metropolitana é consequência direta do aumento do público a que não correspondeu nenhuma oferta de mais composições.
Efeitos desta falta do mais comezinho planejamento se veem na superlotação dos carros, nas repetidas falhas do ar condicionado, na demora e na irregularidade do serviço, assim como na lentidão no tempo das viagens. Resulta que o desconforto do usuário é geral, a par de sufocações, desmaios. Com o nivelamento por baixo, o metrô, sobretudo nas horas do rush, é um desafio para o passageiro, com clara desvantagem para as mulheres e os mais idosos, a quem o público jovem não costuma dar maior atenção, ocupando inclusive os assentos preferenciais.
Entretanto, as causas do escândalo no funcionamento do metrô não param por aí.
A tal propósito, em boa hora o Promotor da 3ª. Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor instaurou inquérito para apurar as falhas na prestação do serviço. Com efeito, o Dr. Carlos Andresano Moreira quer saber se a concessionária e a Agetransp (agência reguladora) têm estudos que atestem a viabilidade técnica da transferência da baldeação (antes feita no Estácio).
Consoante o promotor, a Promotoria de Cidadania vai abrir outro inquérito para determinar da lisura da extensão do contrato de concessão, que foi acertada em 2007 pelo governo do Estado e a Metrô Rio. Na ocasião, estranhamente o compromisso original – que terminava em 2018 – foi prorrogado por mais vinte anos !
O deputado estadual Alessandro Molon apoia a instauração do procedimento judiciário. “Em troca da (baldeação no Estácio)”, segundo declarou, “o governo de Estado garantiu à concessionária a exploração do serviço por mais duas décadas. O projeto original apontava a Carioca como o local mais preparado para receber a baldeação, e previa a construção de Estação Cruz Vermelha. Nada disso foi feito, e a concessionária gastou muito menos.”(meu o grifo)
Desde a inauguração do ‘novo serviço’, a 21 de dezembro de 2009, se sucedem os comunicados da Metrô Rio quanto a ‘ajustes’ procedidos na sua operação, que, malgrado a repetição, não produzem qualquer melhoria efetiva no funcionamento do metropolitano.
E não há de surpreender que as prometidas melhoras não aconteçam. A par de não haver qualquer acréscimo no número de vagões, a despeito do considerável aumento de usuários, que ajuste mágico poderia ensejar maior espaço para o usuário ? E se a conexão das linhas um e dois, autorizada pelo Governador Sérgio Cabral, em troca da magnânima extensão da concessão por mais vinte anos, não está funcionando, em que porta devemos bater por uma solução ?
É de augurar-se que tais interrogações possam ser esclarecidas pelo inquérito do Ministério Público.
Desde já, me permito uma sugestão. Metrô é coisa séria, de que depende o transporte seguro, confortável e expedito de milhões de usuários. Se o poder público – tanto o Federal, que empresta os fundos, quanto o Estadual, que dele tem a responsabilidade – já se empenha há tantos anos na construção da linha – de que os próximos compromissos da metrópole exigirão dramática aceleração – creio que é mais do que tempo de lhe tornar pública a operação. O Rio seguiria o exemplo de Paris, que dispõe de uma rede capilar a atender todos os vinte distritos da região parisiense.
A via da privatização se tem traduzido em maus e lentos serviços. As décadas de um atendimento que se deteriora ao invés de progredir devem ceder lugar à velha opção pública. Afinal, se pagamos com os nossos tributos tais obras, estamos a merecer atendimento adequado e moderno, e não fábrica de desmaios e atropelos.
( Fonte: O Globo)
No entanto, o que ocorreu foi justamente o contrário. Depois de se esperar por quatro anos o prolongamento da linha da estação Cantagalo até a praça General Osório – um dos menores trechos da linha para a Zona Sul -, coube ao usuário a desagradável surpresa da súbita deterioração desse transporte de massa.
O que aconteceu ? Com a abertura da linha direta da Pavuna, na Baixada, até Botafogo, aumentou bastante o afluxo de passageiros daquela área, que padece de transporte coletivo assaz deficiente. Por outro lado, o metrô dispensando a baldeação se tornou a opção menos onerosa para o usuário.
Cresceu, assim, bastante o público da linha dois, com a consequente sobrecarga na linha um, pois ambas se acham ora interligadas, através da conexão na estação Central do Brasil.
O primeiro problema da nova situação reside na singular falta de planejamento da concessionária. Não obstante o aumento geométrico na procura, ela não providenciou a adequação do equipamento. Com o mesmo número de vagões, todos já dando mostras de uso intensivo, a Metrô Rio pensou ser possível atender por um tempo ao maior número de passageiros com a mesma disponibilidade de antes.
Como o prolongamento até General Osório – e a ligação das duas linhas – levaram cerca de quatro anos para serem efetivados, é estarrecedor que a concessionária não haja cuidado de adquirir novos vagões, de forma a colocá-los em serviço sincronicamente com a dita reformulação. Por motivos inexplicáveis, o reforço de vagões só é previsto para fins de 2011!
Por conseguinte, o desserviço na rede metropolitana é consequência direta do aumento do público a que não correspondeu nenhuma oferta de mais composições.
Efeitos desta falta do mais comezinho planejamento se veem na superlotação dos carros, nas repetidas falhas do ar condicionado, na demora e na irregularidade do serviço, assim como na lentidão no tempo das viagens. Resulta que o desconforto do usuário é geral, a par de sufocações, desmaios. Com o nivelamento por baixo, o metrô, sobretudo nas horas do rush, é um desafio para o passageiro, com clara desvantagem para as mulheres e os mais idosos, a quem o público jovem não costuma dar maior atenção, ocupando inclusive os assentos preferenciais.
Entretanto, as causas do escândalo no funcionamento do metrô não param por aí.
A tal propósito, em boa hora o Promotor da 3ª. Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor instaurou inquérito para apurar as falhas na prestação do serviço. Com efeito, o Dr. Carlos Andresano Moreira quer saber se a concessionária e a Agetransp (agência reguladora) têm estudos que atestem a viabilidade técnica da transferência da baldeação (antes feita no Estácio).
Consoante o promotor, a Promotoria de Cidadania vai abrir outro inquérito para determinar da lisura da extensão do contrato de concessão, que foi acertada em 2007 pelo governo do Estado e a Metrô Rio. Na ocasião, estranhamente o compromisso original – que terminava em 2018 – foi prorrogado por mais vinte anos !
O deputado estadual Alessandro Molon apoia a instauração do procedimento judiciário. “Em troca da (baldeação no Estácio)”, segundo declarou, “o governo de Estado garantiu à concessionária a exploração do serviço por mais duas décadas. O projeto original apontava a Carioca como o local mais preparado para receber a baldeação, e previa a construção de Estação Cruz Vermelha. Nada disso foi feito, e a concessionária gastou muito menos.”(meu o grifo)
Desde a inauguração do ‘novo serviço’, a 21 de dezembro de 2009, se sucedem os comunicados da Metrô Rio quanto a ‘ajustes’ procedidos na sua operação, que, malgrado a repetição, não produzem qualquer melhoria efetiva no funcionamento do metropolitano.
E não há de surpreender que as prometidas melhoras não aconteçam. A par de não haver qualquer acréscimo no número de vagões, a despeito do considerável aumento de usuários, que ajuste mágico poderia ensejar maior espaço para o usuário ? E se a conexão das linhas um e dois, autorizada pelo Governador Sérgio Cabral, em troca da magnânima extensão da concessão por mais vinte anos, não está funcionando, em que porta devemos bater por uma solução ?
É de augurar-se que tais interrogações possam ser esclarecidas pelo inquérito do Ministério Público.
Desde já, me permito uma sugestão. Metrô é coisa séria, de que depende o transporte seguro, confortável e expedito de milhões de usuários. Se o poder público – tanto o Federal, que empresta os fundos, quanto o Estadual, que dele tem a responsabilidade – já se empenha há tantos anos na construção da linha – de que os próximos compromissos da metrópole exigirão dramática aceleração – creio que é mais do que tempo de lhe tornar pública a operação. O Rio seguiria o exemplo de Paris, que dispõe de uma rede capilar a atender todos os vinte distritos da região parisiense.
A via da privatização se tem traduzido em maus e lentos serviços. As décadas de um atendimento que se deteriora ao invés de progredir devem ceder lugar à velha opção pública. Afinal, se pagamos com os nossos tributos tais obras, estamos a merecer atendimento adequado e moderno, e não fábrica de desmaios e atropelos.
( Fonte: O Globo)
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
O Terremoto no Haiti
A pobreza do Haiti, a inaudita violência do terremoto de doze de janeiro, o grande número de vítimas, a espantosa destruição material, e o incontornável despreparo do Estado, em termos de infraestrutura e equipamentos, para lidar com as consequências da catástrofe, tudo isso coloca penosas questões.
Na Grécia antiga os frequentes tremores de terra eram atribuídos ao deus Posêidon. Essa interpretação de ingerência divina em desastres naturais não se circunscrevia aos sismos, estendendo-se por certo a todas as forças da Natureza.
Através da personalização de fenômenos diante dos quais sentiam funda impotência, os helenos acreditavam criar um vínculo de influência sobre os deuses, tão suscetíveis a paixões e cóleras. Como os demais sinistros, os terremotos só podiam ser entendidos enquanto castigos devidos pela hubris e por outras afrontas dos mortais. Daí a necessidade do culto e dos sacrifícios para propiciar o humor de Posêidon no que dissesse respeito aos inescrutáveis movimentos tectônicos.
Essa necessidade de minorar a angústia defronte de forças incontroláveis não se cinge às civilizações antigas. Também nas culturas indígenas americanas, se encontra o mesmo desígnio de tornar mais próximos e inteligíveis esses poderes. Assim, o grande terremoto da Guatemala de fevereiro de 1976 – que provocou, além das muitas mortes, um milhão de desabrigados - foi explicado pelas populações autóctones como mexida da cauda da serpente de prata, que dorme nas profundezas do inframundo.
Nos tempos que correm, com o muito exagerado fenômeno nietzschiano da morte de Deus, a relação com o divino tornou-se um tanto mais esgarçada, embora na ocorrência de cataclismos, tanto humanos (guerras mundiais, holocausto, genocídios), quanto naturais, a presença da Providência divina tende a ser questionada.
Em tais domínios, a intervenção em geral abrupta e de todo inesperada de forças subterrâneas, cuja breve onipotência - refletida nas largas, hediondas garatujas dos sensores – desperta não só o pânico, senão a antiga ligação com os mistérios sobrenaturais.
A própria morte de Zilda Arns, em uma igreja de Porto Príncipe, traz, na sua aparente inexplicável crueldade, muito do caráter simbólico que sempre envolveu o relacionamento com a Providência, independente do nome com que a sociedade respectiva o designava em seu tempo.
Qualquer intento de inserir a divindade em desgraça dessa magnitude participa necessariamente dos mesmos esforços do homem na Antiguidade de buscar entender atos que eram para ele, na essência, incompreensíveis.
A crueza da geologia e os seus efeitos despojados de qualquer sentido ético colocam, sem dúvida, um problema para quem se aventure a extrapolar o seu significado. Nas várias épocas, os contemporâneos buscaram dar um sentido ao terremoto, como se tal fosse possível. Assim, já no século XVIII, com o sismo que arrasou Lisboa, se entrevê essa vontade de dar explicação ultra-terrena ao que na fria linguagem científica não passa de reacomodação de camadas subterrâneas.
A calamidade no Haiti, acentuada pelo terremoto, constitui o principal desafio a ser enfrentado. É uma obrigação de todos – e com a generosa dedicação evidenciada pelos Presidentes Lula e Obama – de ajudar o pobre povo haitiano a superar mais esse desastre a abater-se sobre ele.
Se a resposta da comunidade internacional abrange um número sem precedente de países e agências internacionais, cumpre infundi-la do espírito que norteia a atuação dos dois Presidentes acima citados. Em muitos países europeus, as contribuições prometidas se afiguram risíveis, seja em função da catástrofe, seja atendida a potencialidade das respectivas economias. O aporte a ser trazido pela Alemanha de Ângela Merkel não pode ser apenas o dobro da doação do casal Brad Pitt-Angelina Jolie.
Esta hora trágica para a população haitiana – com os seus milhares de mortos, os enterrados-vivos nos escombros, as ruínas por toda a parte, e o sobrepairante risco de graves epidemias – pode, no entanto, ser a travessia do deserto para o reencontro das correntes nacionais, refletido na participação do presidente René Préval e do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, em esforço conjunto com a ampla e indispensável assistência internacional.
Na Grécia antiga os frequentes tremores de terra eram atribuídos ao deus Posêidon. Essa interpretação de ingerência divina em desastres naturais não se circunscrevia aos sismos, estendendo-se por certo a todas as forças da Natureza.
Através da personalização de fenômenos diante dos quais sentiam funda impotência, os helenos acreditavam criar um vínculo de influência sobre os deuses, tão suscetíveis a paixões e cóleras. Como os demais sinistros, os terremotos só podiam ser entendidos enquanto castigos devidos pela hubris e por outras afrontas dos mortais. Daí a necessidade do culto e dos sacrifícios para propiciar o humor de Posêidon no que dissesse respeito aos inescrutáveis movimentos tectônicos.
Essa necessidade de minorar a angústia defronte de forças incontroláveis não se cinge às civilizações antigas. Também nas culturas indígenas americanas, se encontra o mesmo desígnio de tornar mais próximos e inteligíveis esses poderes. Assim, o grande terremoto da Guatemala de fevereiro de 1976 – que provocou, além das muitas mortes, um milhão de desabrigados - foi explicado pelas populações autóctones como mexida da cauda da serpente de prata, que dorme nas profundezas do inframundo.
Nos tempos que correm, com o muito exagerado fenômeno nietzschiano da morte de Deus, a relação com o divino tornou-se um tanto mais esgarçada, embora na ocorrência de cataclismos, tanto humanos (guerras mundiais, holocausto, genocídios), quanto naturais, a presença da Providência divina tende a ser questionada.
Em tais domínios, a intervenção em geral abrupta e de todo inesperada de forças subterrâneas, cuja breve onipotência - refletida nas largas, hediondas garatujas dos sensores – desperta não só o pânico, senão a antiga ligação com os mistérios sobrenaturais.
A própria morte de Zilda Arns, em uma igreja de Porto Príncipe, traz, na sua aparente inexplicável crueldade, muito do caráter simbólico que sempre envolveu o relacionamento com a Providência, independente do nome com que a sociedade respectiva o designava em seu tempo.
Qualquer intento de inserir a divindade em desgraça dessa magnitude participa necessariamente dos mesmos esforços do homem na Antiguidade de buscar entender atos que eram para ele, na essência, incompreensíveis.
A crueza da geologia e os seus efeitos despojados de qualquer sentido ético colocam, sem dúvida, um problema para quem se aventure a extrapolar o seu significado. Nas várias épocas, os contemporâneos buscaram dar um sentido ao terremoto, como se tal fosse possível. Assim, já no século XVIII, com o sismo que arrasou Lisboa, se entrevê essa vontade de dar explicação ultra-terrena ao que na fria linguagem científica não passa de reacomodação de camadas subterrâneas.
A calamidade no Haiti, acentuada pelo terremoto, constitui o principal desafio a ser enfrentado. É uma obrigação de todos – e com a generosa dedicação evidenciada pelos Presidentes Lula e Obama – de ajudar o pobre povo haitiano a superar mais esse desastre a abater-se sobre ele.
Se a resposta da comunidade internacional abrange um número sem precedente de países e agências internacionais, cumpre infundi-la do espírito que norteia a atuação dos dois Presidentes acima citados. Em muitos países europeus, as contribuições prometidas se afiguram risíveis, seja em função da catástrofe, seja atendida a potencialidade das respectivas economias. O aporte a ser trazido pela Alemanha de Ângela Merkel não pode ser apenas o dobro da doação do casal Brad Pitt-Angelina Jolie.
Esta hora trágica para a população haitiana – com os seus milhares de mortos, os enterrados-vivos nos escombros, as ruínas por toda a parte, e o sobrepairante risco de graves epidemias – pode, no entanto, ser a travessia do deserto para o reencontro das correntes nacionais, refletido na participação do presidente René Préval e do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, em esforço conjunto com a ampla e indispensável assistência internacional.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Google e a Censura Chinesa
Chamou a atenção mundial nesta quarta-feira o anúncio da empresa Google de que interrompera a sua cooperação com a censura da internet pela China, e que está considerando encerrar a operação naquele país.
A surpreendente decisão do Google não provocaria, no entanto, na República Popular da China uma repercussão similar. Tal não ocorreu decerto por acaso. Os atuais governantes da China são herdeiros da escolha feita em 1989 por Deng Xiaoping que, envolvido pela facção do Primeiro Ministro Li Peng, optou contra os manifestantes da Praça da Paz Celestial pela saída autoritária, ao invés do caminho do diálogo, proposto pelo então Secretário-Geral do Partido Comunista Zhao Ziyang.
O massacre de Tiananmen cobraria um altíssimo preço dos dirigentes chineses, pela via burocrático-autoritária e repressiva, que tornaria a evolução da RPC eivada do grave desequilíbrio, em que às liberdades econômicas não corresponderia abertura no campo das liberdades políticas.
A opção democrática de Zhao Ziyang foi mantida em prisão domiciliar. Com efeito, o popular líder seria colocado pela cúpula partidária no limbo de sua residência particular, de que muito poucas vezes se pôde afastar. E diz bastante do temor dos sucessores de Li Peng com a corajosa decisão de Zhao de não recitar a mea culpa, a tal ponto que sua morte em janeiro de 2005 foi tratada como segredo de estado, para evitar manifestações similares àquelas votadas no passamento de Hu Yaobang, o antecessor liberal de Zhao na chefia do Partido, e que fora defenestrado por ordem de Deng. [1]
Atraído pelo mercado chinês, Google concordou inicialmente em colaborar com a censura chinesa na internet. Diante da postura repressiva da hierarquia do PCC – e de sofisticados ataques cibernéticos de que se suspeita a origem chinesa contra os sistemas de computador da Google e em particular às contas de advogados chineses de direitos humanos - a direção do Google adotou o recuo tático com respeito a Beijing, a quem fez a advertência da ruptura se a situação perdurar nas presentes condições.
A respeito das estranhas incursões cibernéticas que o Google atribui às autoridades chinesas, a Secretaria de Estado Hillary Clinton expressou séria preocupação (‘concern’) com a infiltração no sistema da grande empresa estadunidense, acrescentando que se espera do governo chinês uma explicação.
Dessarte, a notícia da atitude tomada pelo Google logo desapareceria dos portais da internet chinesa. Além de sumir dos cabeçalhos, tampouco se fez referência aos pontos levantados pela empresa americana de ‘liberdade de palavra’ (free speach) e vigilância (surveillance).
A reação dos internautas na China, posto que obstaculizada pela censura oficial, se expressou sobretudo em mensagens e comentários no Twitter, que é somente acessível àqueles que conseguem eludir a chamada Grande muralha de fogo (Great firewall).
Explicando a posição da firma, o vice-presidente para o desenvolvimento corporativo e o principal funcionário jurídico (chief legal officer), David C. Drummond asseverou: “Decidimos que não queremos mais continuar a censurar os resultados de google.cn, e dessa forma nas próximas semanas estaremos discutindo com o governo chinês a base consoante a qual podemos operar dentro da lei, se tal é possível, um instrumento de busca não-filtrada”.
Atualmente, se um usuário na China faz pedido que inclua palavras como ‘massacre na praça Tiananmen’ ou ‘Dalai Lama’, a resposta é um espaço em branco.
A saída do Google do mercado chinês se confirmada equivaleria a uma repreensão da RPC por uma das maiores e mais admiradas empresas tecnológicas. No mercado de busca chinês, a participação do Google é menor do que a tida em outras partes. Em média, apenas recebe um pedido de busca contra três destinados aos concorrentes chineses.
Agora, o Google emprega em seus escritórios na RPC setecentas pessoas, dos quais muitos altamente bem-pagos engenheiros em soft-ware. De sua presença naquele mercado aufere rendimento anual de cerca de trezentos milhões de dólares.
Na avaliação de analistas, dadas as potencialidades do mercado chinês – hoje existem trezentos milhões de usuários da internet na China - a sua retirada poderia reduzir de forma significativa a capacidade de crescimento do Google a longo prazo.
De qualquer maneira, é ainda cedo para prever como terminará esta questão. Google tem o apoio da Secretária de Estado Clinton, e talvez a própria iniciativa tenha a ver com o esforço promovido pelo Departamento de Estado de promover a liberdade na internet através do mundo.
O próprio Presidente Barack Obama, em sua recente visita à China, só pode discursar para estudantes universitários pré-selecionados pelo governo, e a sua transmissão televisiva teve âmbito geográfico reduzido.
Apesar dos diversos percalços sofridos no relacionamento, Obama não alterou por ora o seu modus faciendi, em que costuma privilegiar o entendimento com os gerarcas chineses.
Quanto ao Google, através desta pausa no relacionamento, dependerá das conversas com os setores competentes a indicação de como terminará o assunto. Se as instâncias governamentais não se assinalam pela flexibilidade, o peso do Google não é negligenciável e não esqueçamos que os chineses, qualquer que seja a ideologia, sempre foram bons negociantes.
( Fonte: International Herald Tribune )
[1] O pesar pela morte de Hu Yaobang, identificado pelos estudantes como empenhado na abertura democrática, originou em abril de 1989 o movimento de protesto, que seria posteriormente sufocado pelo massacre de Tiananmen, em quatro de junho.
A surpreendente decisão do Google não provocaria, no entanto, na República Popular da China uma repercussão similar. Tal não ocorreu decerto por acaso. Os atuais governantes da China são herdeiros da escolha feita em 1989 por Deng Xiaoping que, envolvido pela facção do Primeiro Ministro Li Peng, optou contra os manifestantes da Praça da Paz Celestial pela saída autoritária, ao invés do caminho do diálogo, proposto pelo então Secretário-Geral do Partido Comunista Zhao Ziyang.
O massacre de Tiananmen cobraria um altíssimo preço dos dirigentes chineses, pela via burocrático-autoritária e repressiva, que tornaria a evolução da RPC eivada do grave desequilíbrio, em que às liberdades econômicas não corresponderia abertura no campo das liberdades políticas.
A opção democrática de Zhao Ziyang foi mantida em prisão domiciliar. Com efeito, o popular líder seria colocado pela cúpula partidária no limbo de sua residência particular, de que muito poucas vezes se pôde afastar. E diz bastante do temor dos sucessores de Li Peng com a corajosa decisão de Zhao de não recitar a mea culpa, a tal ponto que sua morte em janeiro de 2005 foi tratada como segredo de estado, para evitar manifestações similares àquelas votadas no passamento de Hu Yaobang, o antecessor liberal de Zhao na chefia do Partido, e que fora defenestrado por ordem de Deng. [1]
Atraído pelo mercado chinês, Google concordou inicialmente em colaborar com a censura chinesa na internet. Diante da postura repressiva da hierarquia do PCC – e de sofisticados ataques cibernéticos de que se suspeita a origem chinesa contra os sistemas de computador da Google e em particular às contas de advogados chineses de direitos humanos - a direção do Google adotou o recuo tático com respeito a Beijing, a quem fez a advertência da ruptura se a situação perdurar nas presentes condições.
A respeito das estranhas incursões cibernéticas que o Google atribui às autoridades chinesas, a Secretaria de Estado Hillary Clinton expressou séria preocupação (‘concern’) com a infiltração no sistema da grande empresa estadunidense, acrescentando que se espera do governo chinês uma explicação.
Dessarte, a notícia da atitude tomada pelo Google logo desapareceria dos portais da internet chinesa. Além de sumir dos cabeçalhos, tampouco se fez referência aos pontos levantados pela empresa americana de ‘liberdade de palavra’ (free speach) e vigilância (surveillance).
A reação dos internautas na China, posto que obstaculizada pela censura oficial, se expressou sobretudo em mensagens e comentários no Twitter, que é somente acessível àqueles que conseguem eludir a chamada Grande muralha de fogo (Great firewall).
Explicando a posição da firma, o vice-presidente para o desenvolvimento corporativo e o principal funcionário jurídico (chief legal officer), David C. Drummond asseverou: “Decidimos que não queremos mais continuar a censurar os resultados de google.cn, e dessa forma nas próximas semanas estaremos discutindo com o governo chinês a base consoante a qual podemos operar dentro da lei, se tal é possível, um instrumento de busca não-filtrada”.
Atualmente, se um usuário na China faz pedido que inclua palavras como ‘massacre na praça Tiananmen’ ou ‘Dalai Lama’, a resposta é um espaço em branco.
A saída do Google do mercado chinês se confirmada equivaleria a uma repreensão da RPC por uma das maiores e mais admiradas empresas tecnológicas. No mercado de busca chinês, a participação do Google é menor do que a tida em outras partes. Em média, apenas recebe um pedido de busca contra três destinados aos concorrentes chineses.
Agora, o Google emprega em seus escritórios na RPC setecentas pessoas, dos quais muitos altamente bem-pagos engenheiros em soft-ware. De sua presença naquele mercado aufere rendimento anual de cerca de trezentos milhões de dólares.
Na avaliação de analistas, dadas as potencialidades do mercado chinês – hoje existem trezentos milhões de usuários da internet na China - a sua retirada poderia reduzir de forma significativa a capacidade de crescimento do Google a longo prazo.
De qualquer maneira, é ainda cedo para prever como terminará esta questão. Google tem o apoio da Secretária de Estado Clinton, e talvez a própria iniciativa tenha a ver com o esforço promovido pelo Departamento de Estado de promover a liberdade na internet através do mundo.
O próprio Presidente Barack Obama, em sua recente visita à China, só pode discursar para estudantes universitários pré-selecionados pelo governo, e a sua transmissão televisiva teve âmbito geográfico reduzido.
Apesar dos diversos percalços sofridos no relacionamento, Obama não alterou por ora o seu modus faciendi, em que costuma privilegiar o entendimento com os gerarcas chineses.
Quanto ao Google, através desta pausa no relacionamento, dependerá das conversas com os setores competentes a indicação de como terminará o assunto. Se as instâncias governamentais não se assinalam pela flexibilidade, o peso do Google não é negligenciável e não esqueçamos que os chineses, qualquer que seja a ideologia, sempre foram bons negociantes.
( Fonte: International Herald Tribune )
[1] O pesar pela morte de Hu Yaobang, identificado pelos estudantes como empenhado na abertura democrática, originou em abril de 1989 o movimento de protesto, que seria posteriormente sufocado pelo massacre de Tiananmen, em quatro de junho.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
O Canal do Jardim de Alah
Em tempos idos, era um prazer a vista do canal que é a ligação da Lagoa Rodrigo de Freitas com o mar. Na verdade, seria o que resta da antiga abertura dessa lagoa com as águas do Atlântico. Sendo Ipanema a maior restinga e o Leblon a menor, o espaço com que a lagoa interior se comunicava com o oceano em nada se parecia com o presente canal.
Não obstante, por força decerto da movimentação dos bancos de areia, nem sempre a oxigenação e a intercomunicação das águas se fazia de forma satisfatória. Será assim talvez pelo capricho das correntes – ou a falta temporária delas - que o nosso bairro ganhou o nome de Ipanema, o que, segundo li em algum livro, quer dizer águas ruins em tupi-guarani.
Ora, se antes havia um largo canal entre a lagoa e o mar, a visão atual desse risco d’água, modesto sucessor de uma passada natural grandeza, não se afigura decerto das mais entusiasmantes.
Vê-lo hoje não nos faz confiar nas promessas do atual Prefeito, em cuja apertada eleição muito contribuíu o apoio recebido do Governador Sérgio Cabral. Pois o canal do Jardim de Alah, transformado na gestão do Prefeito Cesar Maia em virtual espelho d’água estagnada, assim permanecia, porque a indispensável dragagem se perdia em um infindável jogo de empurra entre município e estado.
Não se rasgava a volúvel e arenosa barreira à respiração da lagoa, pelas obscuras razões da insondável burocracia. Afora a Cidade da Música, este segundo mandato de Maia se consumiu em um estranho dolce far niente, como o carioca pôde observar em inúmeros setores que seriam da competência da prefeitura.
Eduardo Paes prometeu ao Rio de Janeiro que se empenharia em sacudir a nossa cidade, de modo que o seu habitante sentisse a benéfica presença da autoridade.
O juízo acerca do ativismo de Paes, ao completar-se o primeiro ano de sua administração, apresenta um quadro de visões contrastantes, embora seja ainda cedo para que o polegar do povo se manifeste de modo inequívoco.
De qualquer modo, a visão do canal do Jardim de Alah não ajuda por enquanto ao Prefeito. O canal morre engasgado nas areias das praias de Ipanema e Leblon. Na altura do calçadão, onde há uma comporta enferrujada, as águas antes trazidas pelo mar estão separadas por barreiras de ferro de um lençol estagnado de águas pútridas e malcheirosas, que são um quase pântano a separar o mar oceano da lagoa de novo prisioneira da indiferença das autoridades.
Pois de que serve a dita recuperação de suas águas pela CEDAE e o empresário Eike Batista se a sua porta para o Atlântico está outra vez cerrada, como nos tempos de Cesar Maia ? Será que a dragagem das areias precisa ser sempre ausente e a visão de um canal do jardim de Alah de águas límpidas e piscosas deva ser cousa do passado, como se, no capítulo, a tecnologia de nossos avós fosse superior à do senhor Eduardo Paes ?
Não obstante, por força decerto da movimentação dos bancos de areia, nem sempre a oxigenação e a intercomunicação das águas se fazia de forma satisfatória. Será assim talvez pelo capricho das correntes – ou a falta temporária delas - que o nosso bairro ganhou o nome de Ipanema, o que, segundo li em algum livro, quer dizer águas ruins em tupi-guarani.
Ora, se antes havia um largo canal entre a lagoa e o mar, a visão atual desse risco d’água, modesto sucessor de uma passada natural grandeza, não se afigura decerto das mais entusiasmantes.
Vê-lo hoje não nos faz confiar nas promessas do atual Prefeito, em cuja apertada eleição muito contribuíu o apoio recebido do Governador Sérgio Cabral. Pois o canal do Jardim de Alah, transformado na gestão do Prefeito Cesar Maia em virtual espelho d’água estagnada, assim permanecia, porque a indispensável dragagem se perdia em um infindável jogo de empurra entre município e estado.
Não se rasgava a volúvel e arenosa barreira à respiração da lagoa, pelas obscuras razões da insondável burocracia. Afora a Cidade da Música, este segundo mandato de Maia se consumiu em um estranho dolce far niente, como o carioca pôde observar em inúmeros setores que seriam da competência da prefeitura.
Eduardo Paes prometeu ao Rio de Janeiro que se empenharia em sacudir a nossa cidade, de modo que o seu habitante sentisse a benéfica presença da autoridade.
O juízo acerca do ativismo de Paes, ao completar-se o primeiro ano de sua administração, apresenta um quadro de visões contrastantes, embora seja ainda cedo para que o polegar do povo se manifeste de modo inequívoco.
De qualquer modo, a visão do canal do Jardim de Alah não ajuda por enquanto ao Prefeito. O canal morre engasgado nas areias das praias de Ipanema e Leblon. Na altura do calçadão, onde há uma comporta enferrujada, as águas antes trazidas pelo mar estão separadas por barreiras de ferro de um lençol estagnado de águas pútridas e malcheirosas, que são um quase pântano a separar o mar oceano da lagoa de novo prisioneira da indiferença das autoridades.
Pois de que serve a dita recuperação de suas águas pela CEDAE e o empresário Eike Batista se a sua porta para o Atlântico está outra vez cerrada, como nos tempos de Cesar Maia ? Será que a dragagem das areias precisa ser sempre ausente e a visão de um canal do jardim de Alah de águas límpidas e piscosas deva ser cousa do passado, como se, no capítulo, a tecnologia de nossos avós fosse superior à do senhor Eduardo Paes ?
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
O Jogo dos Muitos Erros (II)
Começa a se desfazer o decreto, lançado com grande alarde em fins de dezembro, que estabelece o Programa Nacional dos Direitos Humanos.
O decreto, alcunhado por Jânio de Freitas, de ‘tresloucado’, em se chocando com realidades que parece não ter levado na devida conta, torna-se ora objeto do mau humor presidencial.
Dentre as modificações a serem introduzidas no decreto, está a frase que justifica a criação de Comissão Nacional da Verdade para investigar atos cometidos durante a ditadura militar. Na versão original se diz que comissão vai apurar violações de direitos humanos “praticadas no contexto da repressão política”. Na nova versão, a fim de contentar o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os Comandantes militares, entraria a expressão “praticadas no contexto de conflitos políticos”.
É um recuo e tanto. A Comissão da Verdade investigará não só militares, mas também militantes da esquerda armada durante a ditadura. Em outras palavras, torturadores e torturados são colocados no mesmo nível.
A respeito, o Presidente Lula adiantou a auxiliares, na primeira reunião de coordenação política de 2010, que pretende conversar com o Secretário Paulo Vannuchi (Secretaria de Direitos Humanos) e o Ministro Jobim. O Presidente tenciona a propósito ‘uma solução negociada, sem traumas’. Como os dois já manifestaram a intenção de se exonerarem, caso as suas respectivas redações não sejam respeitadas, não se afigura fácil encontrar versão que atenda a ambas partes. O mais provável é o que vem sendo anunciado como a preferência de Lula, que atende aos reclamos dos chefes das três forças, com o pleno apoio do Ministro da Defesa.
Como referi no blog anterior, o dito Programa Nacional de Direitos Humanos se ressente de muitas falhas, tanto de forma, quanto de conteúdo. Não é uma questão de somenos importância a criação de Comissão de Verdade e Justiça, depois podada para apenas Comissão de Verdade, com o eventual intuito de punir os torturadores (cujos crimes não estariam cobertos pela lei de anistia). Se o governo tenciona enfrentar tal questão – o que só parece um magno problema no Brasil, se o cotejarmos com o tratamento do assunto por inúmeros outros países, com a Argentina à frente – é difícil entender porque logo se apreste a mudar de posição, diante das primeiras resistências na área castrense.
Por outro lado, a amplitude legal da anistia deverá ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal, em ação de iniciativa da OAB. Como a palavra da Corte Suprema será presumivelmente a final, ao determinar se os torturadores estão ou não cobertos pela lei de anistia, cabe a pergunta se não teria sido mais apropriado aguardar tal pronunciamento.
As modificações ao decreto não param por aí. No entanto, dentre os pontos polêmicos, a atitude do Presidente Lula pode sinalizar o efetivo comprometimento do governo e o que seria suscetível de negociação ou não.
Assim, Lula atenderá a manifestações da Igreja, e determinou mudanças no que se reporta à descriminalização do aborto.
No que concerne à reforma agrária, censura e retirada de símbolos religiosos, o governo não semelha demonstrar a mesma flexibilidade. Lula está aborrecido com as observações do Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, menos pela substância, do que pelo fato de tê-las feito em público e de não diferirem das críticas da Senadora do DEM, Kátia Abreu. A posição do Ministro Guilherme Cassel – favorável à mediação antes da reintegração de posse – continua a ser a do governo.
Tampouco se evidencia vontade de transigir no que tange à criação “de critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação” seja em favor dos direitos humanos, seja os que cometam “violações”. O caráter dirigista e controlador da proposta, com claro ranço de inconstitucionalidade, enquanto favorece instâncias e mecanismos de controle da informação, se insere na linha de propostas anteriores apresentadas pelo P.T., e já afastadas pela reação da sociedade civil.
Tal proposição, sem embargo, é subsídio interessante para evidenciar a simpatia do petismo por medidas de controle da informação. Tal é corroborado pela sua falta de apoio quer a medidas pró-ativas para fortalecer a proibição constitucional contra a censura, quer no combate aos seus avatares, inclusive a chamada censura judicial, que é talvez a forma mais preocupante de tendência autoritária e inconstitucional.
O decreto, alcunhado por Jânio de Freitas, de ‘tresloucado’, em se chocando com realidades que parece não ter levado na devida conta, torna-se ora objeto do mau humor presidencial.
Dentre as modificações a serem introduzidas no decreto, está a frase que justifica a criação de Comissão Nacional da Verdade para investigar atos cometidos durante a ditadura militar. Na versão original se diz que comissão vai apurar violações de direitos humanos “praticadas no contexto da repressão política”. Na nova versão, a fim de contentar o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os Comandantes militares, entraria a expressão “praticadas no contexto de conflitos políticos”.
É um recuo e tanto. A Comissão da Verdade investigará não só militares, mas também militantes da esquerda armada durante a ditadura. Em outras palavras, torturadores e torturados são colocados no mesmo nível.
A respeito, o Presidente Lula adiantou a auxiliares, na primeira reunião de coordenação política de 2010, que pretende conversar com o Secretário Paulo Vannuchi (Secretaria de Direitos Humanos) e o Ministro Jobim. O Presidente tenciona a propósito ‘uma solução negociada, sem traumas’. Como os dois já manifestaram a intenção de se exonerarem, caso as suas respectivas redações não sejam respeitadas, não se afigura fácil encontrar versão que atenda a ambas partes. O mais provável é o que vem sendo anunciado como a preferência de Lula, que atende aos reclamos dos chefes das três forças, com o pleno apoio do Ministro da Defesa.
Como referi no blog anterior, o dito Programa Nacional de Direitos Humanos se ressente de muitas falhas, tanto de forma, quanto de conteúdo. Não é uma questão de somenos importância a criação de Comissão de Verdade e Justiça, depois podada para apenas Comissão de Verdade, com o eventual intuito de punir os torturadores (cujos crimes não estariam cobertos pela lei de anistia). Se o governo tenciona enfrentar tal questão – o que só parece um magno problema no Brasil, se o cotejarmos com o tratamento do assunto por inúmeros outros países, com a Argentina à frente – é difícil entender porque logo se apreste a mudar de posição, diante das primeiras resistências na área castrense.
Por outro lado, a amplitude legal da anistia deverá ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal, em ação de iniciativa da OAB. Como a palavra da Corte Suprema será presumivelmente a final, ao determinar se os torturadores estão ou não cobertos pela lei de anistia, cabe a pergunta se não teria sido mais apropriado aguardar tal pronunciamento.
As modificações ao decreto não param por aí. No entanto, dentre os pontos polêmicos, a atitude do Presidente Lula pode sinalizar o efetivo comprometimento do governo e o que seria suscetível de negociação ou não.
Assim, Lula atenderá a manifestações da Igreja, e determinou mudanças no que se reporta à descriminalização do aborto.
No que concerne à reforma agrária, censura e retirada de símbolos religiosos, o governo não semelha demonstrar a mesma flexibilidade. Lula está aborrecido com as observações do Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, menos pela substância, do que pelo fato de tê-las feito em público e de não diferirem das críticas da Senadora do DEM, Kátia Abreu. A posição do Ministro Guilherme Cassel – favorável à mediação antes da reintegração de posse – continua a ser a do governo.
Tampouco se evidencia vontade de transigir no que tange à criação “de critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação” seja em favor dos direitos humanos, seja os que cometam “violações”. O caráter dirigista e controlador da proposta, com claro ranço de inconstitucionalidade, enquanto favorece instâncias e mecanismos de controle da informação, se insere na linha de propostas anteriores apresentadas pelo P.T., e já afastadas pela reação da sociedade civil.
Tal proposição, sem embargo, é subsídio interessante para evidenciar a simpatia do petismo por medidas de controle da informação. Tal é corroborado pela sua falta de apoio quer a medidas pró-ativas para fortalecer a proibição constitucional contra a censura, quer no combate aos seus avatares, inclusive a chamada censura judicial, que é talvez a forma mais preocupante de tendência autoritária e inconstitucional.
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