A
surda guerra entre israelenses e palestinos prossegue sem que nada seja empreendido para que a Justiça
possa prevalecer e impedir que o mútuo ódio continue a crescer, como se nada
fora. A falta de quaisquer ações positivas para criar condições para a Paz,
dentro da atual inação, participa de modo inquietante do prevalente cinismo, como
se essa situação inumana fosse uma circunstância natural da interação - seja
ela volitiva ou não - entre dois povos, a que a cercania, malgrado celebrados
esforços para criar condições ditas de Paz foram deixados soçobrar, seja no
abandono, seja na indiferença, seja, ao final, através de demonstrações
concretas de total menosprezo por condições de uma Paz real e, portanto,
positiva.
Esse
prevalente cinismo, de uma parte, e do quase desespero, de outra parte, são os
fautores de situação que seria abominável e insuportável, se não dispusesse de
forças tanto internacionais, quanto nacionais, que, seja por um incrível laissez faire, seja por penosa sucessão
de planos e programas internacionais que, no recente passado, surgiram para as
forças mundiais amantes da Paz - e elas existem, malgrado a indiferença que as
cerca - e que acabaram na prática derrotados por uma falta de desejo político -
ou de forças consideráveis que trabalham por inviabilizar tais planos, para
tanto valendo-se da falta de atores que sejam persistentes nos próprios continuados
esforços para estabelecer autênticas condições de paz.
Os
acordos de Oslo fracassaram porque, apesar de terem chegado ao jardim
florido do máximo poder mundial, não tiveram a continuidade necessária, de uma
parte, e de outra, não faltou ao adversário o recurso extremo da eliminação
física como solução.
Hoje essa magna questão do estabelecimento da Justiça entre os homens é
conspurcada pelos milhares e milhões de dólares gastos para vencer o ódio com
mais ódio, que é fórmula que atrai àqueles radicais a que falta o entendimento
necessário que a violência - e ainda mais aquela movida por motivações
contrárias ao direito das gentes - está destinada não a eliminar tal violência,
mas sim sardonicamente incorporar-se nessa espiral de cinismo e mais injustiça,
como se alguém pensasse poder sufocar forças tectônicas com estruturas de concreto.
A Injustiça, com o seu quociente de afronta e de cinismo, nunca será uma
política válida, se se deseja criar condições de justiça entre os homens. Todas as formas de violência merecem o nosso
desprezo. Não devemos esquecer que o justo em tal ambiente costuma cair pela
arma assassina, que é o disfarce preferido do radicalismo, como se, pela ignara
e estúpida violência, algo se constrói que permanente possa ser chamado.
A grande chave para a construção da harmonia no futuro é o respeito à Justiça.
Não a devemos confundir com os disfarces do para-militarismo. A mentira não
constrói. E essa mesma mentira se refugia no silêncio diante de gritantes
situações de injustiça e de desrespeito aos mínimos direitos a que todos nós
como seres humanos fazemos jus.
Se a violência não construirá jamais, é porque ela se baseia na negação do direito
e do respeito que se deve a todo povo e a todo ser humano. A Humanidade é prova
disso. Através dos tempos, deparamos a
civilizações que se fundaram na escravidão, na servidão. Tinham helotas a servi-los, escravos,
servos. Chamem-se por qualquer nome que
implique o roubo violento e imposto em uma situação de permanente
desvantagem. Grandes civilizações
pensaram poder lidar com tal estado de coisas. A História está aí para
demonstrar que a Liberdade - que implica em igualdade de direitos e obrigações
- não é um enfeite ridículo, que desprezar-se possa. O mesmo é a Injustiça. E
não me reporto àquelas situações
transitórias que todos nós porventura vivemos, e que pertencem ao transitório,
ao ocasional e circunstancial.
Outra é a injustiça permanente, que é aquela que agride quem a depara.
Muitas armas e muitas couraças, reais ou metafóricas, não podem assegurar
àqueles que vivem na e da injustiça a ambição de ter pela frente situações
permanentes, porque, por mais forte que se acredite a força injusta - aquela
que ocupa lugares que não lhe pertencem, ou que impede de ter neles o Outro a
participação que o restante da
Humanidade aceita e compreende - será que tal gente que acredita
florescer e prosperar na injustiça legal,
na discriminação violenta ou até suasória, em condições abomináveis para uns -
e quem acaso poderia evitar o pensamento no Inferno de Gaza para tais situações
? - será que um pouco de História lhes trará um incentivo maior para que tenham
um pouco mais de juízo e discernimento, que se mostrem menos obturados pela
própria rudeza que converteram em condição permanente de existência, e não só
para eles próprios, mas também para o Outro,
aquele que estava ali antes que ele chegasse na terra que pensara lhe fosse
prometida?
Diante do último choque entre palestinos e
israelenses - cuja envergadura deveria contribuir para iluminar os governos e
as facções envolvidas pela sua crescente e inquietante gravidade - mais do que o silêncio, choca a inoperância de
qualquer propósito de criar condições de Paz em Israel e na Palestina.
Mas acaso se poderia imaginar a existência da Paz sem a companhia da
Justiça? Assim como são loucos, insanos na verdade, aqueles que querem
acreditar em uma situação de normalidade que se afunda no mais anormal que
pensar-se possa, vale dizer, na agressiva permanência de um Estado que se crê não só a visão, como a permanente
situação de uma servidão que se reflete na pobreza e na necessidade, a que o
Poder adversarial ambiciona aplicar através de anos, decênios, e quem sabe
séculos de agressiva injustiça, não vá ao fundo e ao cabo contaminá-lo e
transformá-lo como a imagem adversa, a que o tempo cuidará de tornar tão similarmente
agressiva quanto a do Outro, que acabará,
pelo ditado da História, a confundir-se com o que pretendia destruir?
( Fonte: Arnold Toynbee, A Study of History )
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