quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O Embate entre Força e Injustiça


                   
                              
        A surda guerra entre israelenses e palestinos prossegue  sem que nada seja empreendido para que a Justiça possa prevalecer e impedir que o mútuo ódio continue a crescer, como se nada fora. A falta de quaisquer ações positivas para criar condições para a Paz, dentro da atual inação, participa de modo inquietante do prevalente cinismo, como se essa situação inumana fosse uma circunstância natural da interação - seja ela volitiva ou não - entre dois povos, a que a cercania, malgrado celebrados esforços para criar condições ditas de Paz foram deixados soçobrar, seja no abandono, seja na indiferença, seja, ao final, através de demonstrações concretas de total menosprezo por condições de uma Paz real e, portanto, positiva.
          Esse prevalente cinismo, de uma parte, e do quase desespero, de outra parte, são os fautores de situação que seria abominável e insuportável, se não dispusesse de forças tanto internacionais, quanto nacionais, que, seja por um incrível laissez faire, seja por penosa sucessão de planos e programas internacionais que, no recente passado, surgiram para as forças mundiais amantes da Paz - e elas existem, malgrado a indiferença que as cerca - e que acabaram na prática derrotados por uma falta de desejo político - ou de forças consideráveis que trabalham por inviabilizar tais planos, para tanto valendo-se da falta de atores que sejam persistentes nos próprios continuados esforços para estabelecer autênticas condições de paz.
            Os acordos de Oslo fracassaram  porque, apesar de terem chegado ao jardim florido do máximo poder mundial, não tiveram a continuidade necessária, de uma parte, e de outra, não faltou ao adversário o recurso extremo da eliminação física como solução.
             Hoje essa magna questão do estabelecimento da Justiça entre os homens é conspurcada pelos milhares e milhões de dólares gastos para vencer o ódio com mais ódio, que é fórmula que atrai àqueles radicais a que falta o entendimento necessário que a violência - e ainda mais aquela movida por motivações contrárias ao direito das gentes - está destinada não a eliminar tal violência, mas sim sardonicamente incorporar-se nessa espiral de cinismo e mais injustiça, como se alguém pensasse poder sufocar forças tectônicas com estruturas de concreto. A Injustiça, com o seu quociente de afronta e de cinismo, nunca será uma política válida, se se deseja criar condições de justiça entre os homens.  Todas as formas de violência merecem o nosso desprezo. Não devemos esquecer que o justo em tal ambiente costuma cair pela arma assassina, que é o disfarce preferido do radicalismo, como se, pela ignara e estúpida violência, algo se constrói que permanente possa ser chamado.
              A grande chave para a construção da harmonia no futuro é o respeito à Justiça. Não a devemos confundir com os disfarces do para-militarismo. A mentira não constrói. E essa mesma mentira se refugia no silêncio diante de gritantes situações de injustiça e de desrespeito aos mínimos direitos a que todos nós como seres humanos fazemos jus.
               Se a violência não construirá jamais,  é porque ela se baseia na negação do direito e do respeito que se deve a todo povo e a todo ser humano. A Humanidade é prova disso. Através dos tempos,  deparamos a civilizações que se fundaram na escravidão, na servidão.  Tinham helotas a servi-los, escravos, servos.  Chamem-se por qualquer nome que implique o roubo violento e imposto em uma situação de permanente desvantagem.  Grandes civilizações pensaram poder lidar com tal estado de coisas. A História está aí para demonstrar que a Liberdade - que implica em igualdade de direitos e obrigações - não é um enfeite ridículo, que desprezar-se possa. O mesmo é a Injustiça. E não me reporto  àquelas situações transitórias que todos nós porventura vivemos, e que pertencem ao transitório, ao ocasional e circunstancial.
                      Outra é a injustiça permanente, que é aquela que agride quem a depara. Muitas armas e muitas couraças, reais ou metafóricas, não podem assegurar àqueles que vivem na e da injustiça a ambição de ter pela frente situações permanentes, porque, por mais forte que se acredite a força injusta - aquela que ocupa lugares que não lhe pertencem, ou que impede de ter neles o Outro a participação que o restante da  Humanidade aceita e compreende - será que tal gente que acredita florescer e prosperar na injustiça legal, na discriminação violenta ou até suasória, em condições abomináveis para uns - e quem acaso poderia evitar o pensamento no Inferno de Gaza para tais situações ? - será que um pouco de História lhes trará um incentivo maior para que tenham um pouco mais de juízo e discernimento, que se mostrem menos obturados pela própria rudeza que converteram em condição permanente de existência, e não só para eles próprios, mas também para  o Outro, aquele que estava ali antes que ele chegasse na terra que pensara lhe fosse prometida?
                    Diante do último choque entre palestinos e israelenses - cuja envergadura deveria contribuir para iluminar os governos e as facções envolvidas pela sua crescente e inquietante gravidade -  mais do que o silêncio, choca a inoperância de qualquer propósito de criar condições de Paz em Israel e na Palestina.
                      Mas acaso se poderia imaginar a existência da Paz sem a companhia da Justiça? Assim como são loucos, insanos na verdade, aqueles que querem acreditar em uma situação de normalidade que se afunda no mais anormal que pensar-se possa, vale dizer, na agressiva permanência de um Estado  que se crê não só a visão, como a permanente situação de uma servidão que se reflete na pobreza e na necessidade, a que o Poder adversarial ambiciona aplicar através de anos, decênios, e quem sabe séculos de agressiva injustiça, não vá ao fundo e ao cabo contaminá-lo e transformá-lo como a imagem adversa, a que o tempo cuidará de tornar tão similarmente agressiva quanto a do Outro, que acabará,  pelo ditado da História, a confundir-se com o que pretendia destruir?


( Fonte: Arnold Toynbee,  A Study of  History )

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