sexta-feira, 16 de novembro de 2018

A crise de Theresa May ?


                 

       Em sua intervenção de ontem no Parlamento, Theresa May deu a impressão de alguém que, de repente, se vê objeto de chacotas, de risadas, e até de momentos de um humor patético, porque não desejado pela acossada Primeiro Ministro.
        Desenham-se, assim, naquelas austeras tribunas, imediatos e inelutáveis cotejos com personalidades de uma estirpe diversa, que não se viam enxovalhados e debochados pelos M.P.s circunstantes, por saberem diferençar-se daquela grei, em que parlamentares de nomeada se confundem com representantes do chamado baixo clero, que sóem aparecer nessas horas terríveis em que as distâncias nas bancadas como que se estreitam e.  mesmo, dadas  as características dessa assembléia mãe de tantas outras, confundir-se.
          Não se vá exigir da pobre May que surja, como se fora entidade que não se confunde com o atropelo que a crise faz invadir as tribunas, como que trazendo de súbito estranhas forças para um meio em geral que bem conhece os respectivos lugares.  Não é que a agitação política seja estranha criatura em um meio, em que as distâncias e as posturas sóem ser bem medidas.
          A crise, na verdade, não quebra as hierarquias, eis que simplesmente as ignora.  Enquanto os back-benchers[1] se animam, em atmosfera em que a liberdade de atitudes se implanta,  os que ocupam as cadeiras da frente - o lugar dos líderes - se descobrem como que invadidos por parlamentares pouco conhecidos, que costumam  não  intervir nas discussões e polêmicas dos respectivos chefes, assim como das bancadas adversárias, senão através de aplausos ou de vaias.
            Toda assembléia constitui, na verdade, a expressão de forças que as discussões tendem a transformar, conforme a violência dos argumentos e a presença de uma crise subjacente ou, mesmo, a irromper naquele cercado em que se marcam as posições políticas.
             Não se vá exigir da pobre Theresa May que tenha o domínio de Churchill  ou, se mergulharmos no tempo, de um Robespierre. As distâncias e o consequente respeito são criaturas de mais difícil controle nessas viagens pela História, posto que os grandes líderes costumam marcar as respectivas posições sem a necessidade de refugiar-se em tribunas, ou outros apartados. Costuma acompanhá-los  indefinível atmosfera, tecida menos por longa permanência do que pela natural imantação que a solidão do poder sói atribuir, mais pela força da própria presença e tudo o que evoca em termos de afirmação, que quase não carece do posto, por afirmar-se através do carisma e da mensagem que traz consigo, a qual se sobrepõe aos demais por exemplo e imagem. O que distingue a tais personagens é uma força fora do tempo, que lhe determina a autoridade e a consequente capacidade de sobrepor-se aos eventos.

            Por isso, personagens como a Primeiro Ministro Theresa May, que pelo capricho dos deuses não teve acesso a tais deferências, deveriam ter mais cuidado ao mergulharem no atropelo das crises e nas convulsões das assembléias.
           Grita aos céus que a prudência se imponha na série lamentável de erros parlamentares, que geraram a presente situação. Ignorando o pensamento de gerações anteriores, o Primeiro Ministro David Cameron tratou uma decisão capital - que tanto exigira de seus maiores - como se fora coisa de somenos. E quem grandes perigos apequena, tende a neles perecer politicamente. O brexit foi um tipo peculiar de consulta, e dada a estival leviandade com que se elevara esse redundante processo, a crassa ignorância de poucos trouxe de volta ao mundo dos vivos criatura do século passado, que não, por acaso, tinha sido enterrada com todas as honras, junto com passados valores.
             A May não é uma Thatcher. Esta conclusão há de aparecer acaciana, mas infelizmente não o é.  Contra vento e maré, ela afronta forças que lhe são superiores, pensando colher em eventual resultado que lhe pareça favorável a solução dos problemas com que se envolve. São muito estreitos os limites entre o histórico churchilleano e as reais condições que a cerceiam, em meio ao desejo inegável do Povo inglês de decidir por uma vez, não em afogadilho estival, mas com a grandeza e a necessária amplitude que deva ter tal referendo, que desastrada pressa e por que não dizer medíocre liderança trataram enquanto simples folgança essa repetitiva consulta, que punha em risco o futuro, ao fazer pouco  do pensar grande das gerações que venceram a guerra e os desafios da despedida do Império.
               Há muitos anos atrás, um lorde inglês desmereceu da voz da Rainha, cujos discursos lhe dariam uma dor no pescoço (a pain in the neck).  A jovem Elizabeth cresceu na sua posição, cujo simbolismo faz parte do ethos e do espírito do Reino Unido. Quem hoje se lembra dele?
                O Brexit aparece para alguns como uma oportunidade. Não se confunda essa mal-encaminhada questão, como verdadeira opção para o Reino Unido. Não é por acaso que a May enfrenta rebelião de integrantes do Partido Conservador, que são contrários ao acordo preliminar de saída da União Europeia, que foi, às carreiras, costurado na última terça-feira.
                 Há uma crise nos tories - partido conservador que,com o minúsculo DUP, retem a maioria em Westminster - que se reflete em verdadeira rebelião nos ditos conservadores. Quatro ministros e o vice-chairman da legenda renunciaram aos respectivos postos. De acordo com a mesma disposição, deputados começaram a movimentar-se  para pedir um voto de desconfiança interno na bancada conservadora, com o escopo de derrubar a Primeiro Ministro.
                   Existe, além disso, um movimento para a realização de um novo referendo, tal o desconforto de grande parte da bancada, tanto com a pressa da Primeiro Ministro, assim como as incertezas que cercam essa atabalhoada postura de cortar o amplo desejo do Povo da Ilha de que tenha a oportunidade de decidir, em consulta ampla, se realmente desejam o brexit, com a saída às pressas da União Europeia, ou se aspiram - como muitos vem sentindo - continuar na organização de Bruxelas, afastando-se de decisões imprudentes e que privilegiam o passado diante de promissor futuro de cooperação e progresso comum na União Europeia.
                     Como um sal nesse prato que lhes é posto como imposição, não convence a uma larga faixa da Opinião pública britânica a capacidade da May e de sua coorte de ambiciosos brexiteers em lidar como  realidade que apesar de apontar para o porvir, na verdade se funda em passadas ilusões.  

( Fontes: The Independent, O Globo, The New York Times )


[1] parlamentares sentados nas bancadas de trás, por serem de menor peso político.

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