O fim de Dilma Rousseff enquanto presidente estava
anunciado. Como assinalei no meu blog
'Dilma e seu tribunal', não lhe
faltou determinação. A sua longa exposição ao Senado foi feita quase sem
esperança - por mais que se busque negá-la, essa eterna companheira da Humanidade
sempre arranjará modo de insinuar-se, acenando com conquistas que para as
pessoas do entorno são miragens do deserto - mas como já me referi, ela a fez
com dignidade e o esforço denodado que se reserva às tentativas da vigésima-quinta
hora.
Preparou-se com denodo. Ela que
durante os seus dois mandatos - o primeiro que criou condições para o fim, e o
segundo, exercido por ano e meio, no qual o concurso de seus
credores partiria para o desfecho.
Nas tragédias, o personagem central vai
acumulando, alimentada pela húbris, a
sua parcela de hamartya - as faltas
cometidas - e como um tolo delas a princípio sequer se apercebe. Mas o processo,
uma vez iniciado, ganha a sua própria dinâmica, e nossa heroína se irá ,aos
poucos, dando conta de o que engendrou.
Não é aqui o lugar para relembrar-lhe
a travessia. A princípio, ela terá pensado poder manter o monstro à distância. Contudo,
mesmo a desventura e a falta de certos dons que sobravam no seu criador,
tornaram a caminhada, a princípio envolta por sorrisos e aclamações, mais árdua, à medida que a herança maldita
dela se vai acercando, e como o credor desapiedado irá aumentando as próprias
exigências.
As promessas são como promissórias.
Na sua letra miúda, carregam sempre condições malvadas e impíedosas. Quando ela
as assume, terá pensado apenas nos seus resultados imediatos.
O Povo não difere muito das
pessoas. Muito governante esquece que ele é a soma da gente. Não há negar que
as promessas sempre reluzem. A massa quer acreditar. Mas cuidado. Sendo
conjunto de pessoas, podem decidir eleições. No entanto, como outras coisas da
vida, a gente miúda, além da memória, pode virar monstro, em que a lembrança do
engano se transforma em raiva, depois cólera, e, mais tarde o que é pior, em
ressentimento. Quebrada a confiança, a visão muda, e o afastamento - que é pior
do que a repulsa, pois nesta há a chama da paixão e o sentimento continua nela
presente - dita o fim de uma relação.
Deploro o que sucedeu a Dilma. Ela
foi o resultado de uma escolha ruim. A sua eventual culpa - hamartya - é uma espécie de consequência
infeliz de uma indicação errada.
Dilma tem coragem e determinação,
mas faltou-lhe o grão da política, que é feito de experiência, simpatia, muita
paciência, capacidade de unir e de ouvir. Quem a escolheu, cometeu um erro de
pessoa, induzido talvez por considerações próprias. Quem pretende ser mais esperto do que todo
mundo e, em especial, do que o próprio partido, corre o risco de que, tal a
serpente de Laocoonte, seu engano se
volte contra ele próprio e seu projeto.
Como todo personagem trágico,
mesmo sem o saber, Dilma terá despertado paixões. Sem cairmos na vala amorosa,
este é um sentimento capaz de induzir à própria volta muitos atos de desapego e
dedicação.
Foi o que vimos no drama do impeachment. Seus acusadores - e há
gente de têmpera entre eles, como o seu primeiro signatário, Hélio Bicudo - sem
o querer, douraram a pintura do quadro de Dilma Rousseff. Através de seus erros
- e não foram poucos - ela luziu com dignidade, pertinácia e aquela velha
coragem que já lhe servira para arrostar as infâmias da ditadura.
( Fonte: Tevê Senado, Dicionário Mítico-Etimológico,II, de Junito Brandão )
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