Endurecimento do regime de Erdogan
O clérigo Fetullah Gülen,
acusado pelo homem forte da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, de planejar a
tentativa de golpe de estado de quinze de julho último, veio a público em carta
a Le Monde, estampada pelo jornal a
doze de agosto corrente.
Negando ter alguma responsabilidade na
intentona, Güllen na carta pediu a formação de comissão internacional para
apurar se ele de fato teve participação na rebelião. A propósito, Gülen aduz que aceitará as
conclusões dessa comissão e, se for o caso, voltará ao país.
Erdogan acusa o clérigo de tentativa de
golpe militar frustrada. Gülen, asilado nos Estados Unidos desde 1999, nega
qualquer responsabilidade.
Dentro do que pode ser interpretado
como guerra de nervos, o governo turco afirmou
na última sexta haver recebido "sinais positivos" dos Estados
Unidos quanto ao pedido de extradição do clérigo.
Por outro lado, o presidente Erdogan
se reaproximou de Vladimir Pùtin, com que visa 'punir' a Comunidade Europeia -
por deixar na 'geladeira' a pretensão turca de integrar o organismo de Bruxelas
- e o próprio governo de Washington, de quem Putin se arvora a assumir a antiga
função da extinta URSS como adversária dos Estados Unidos. A esse propósito, no
ano passado, Obama assinalara a gospodin Putin que o papel de Moscou é o de um fator continental, não tendo condições
de substituir a União Soviética que antes da própria implosão tinha papel
mundial, que hoje não mais persiste.
De qualquer forma, está em processo a
tentativa de Ancara de uma eventual reversão de alianças no Oriente Médio.
Resta saber se isso há de funcionar como o deseja Recep Erdogan.
Por outro lado, a intentona militar -
decerto motivada pelo crescente arrocho no que resta de democracia na Turquia
terá envolvido um grupo de militares que pensou dispor de condições de derrubar
o tirano. Por enquanto, o que aconteceu foi dar a Erdogan o pretexto de
realizar um grande expurgo em todos os círculos eventualmente suspeitos de posições contrárias ao
presidente e seu partido
islamizante. Em ambiente propício a
delatores, denúncias, falsas acusações e
acertos de conta, Erdogan e seu regime pensaram em instrumentalizar a
intentona, com uma verdadeira chasse aux
sorcières[1] (que faria inveja
a Salem).
No consequente paroxismo, está indo
pelo ralo a débil democracia turca. Dentre os primeiros passos nesse sentido, o
Parlamento já cedeu bastante, dando poderes de controle a Erdogan que são
paradigmáticos desses ataques à democracia. A primeira vítima, junto com o Povo,
é a Liberdade e as garantias de expressão.
A instrumentalização pelo tirano
Erdogan da suposta intentona poderá ter os mesmos resultados para a cada vez
mais frágil democracia turca do que outros movimentos de caserna tiveram para a
evolução democrática no Brasil, com os previsíveis resultados.
Resta determinar quem sairá
reforçado do episódio, no médio prazo.
Campanha Eleitoral Americana.
O Partido Republicano dá sinais de
crescente nervosismo diante das declarações e atitudes de seu candidato Donald
Trump. Lídimo vencedor na batalha das primárias - quando dizimou politicamente
medíocres herdeiros políticos de grandes famílias republicanas - vencendo de
forma inconteste os principais expoentes das diversas correntes e tendências no
GOP, a quem superou sem direito ao
benefício da dúvida desde Jeb Bush - da dinastia Bush, que dera aos Estados
Unidos Bush senior (presidente de um só
mandato, por que derrotado pelo democrata Bill Clinton), e uma série de outros
esperançosos (hopefuls) como os
senadores Marco Rubio (Florida), o governador de Ohio Joe Kasich e, por último,
o Senador Ted Cruz (Texas), que levou ao cúmulo o anti-fair play, quando
aceitou falar para a Convenção Republicana de Cleveland, no que pensava Trump
seria discurso recomendando a sua nomination.
Cruz instrumentalizou a ocasião, e escarneceu da confiança que o candidato
do GOP - com indicação já segura - nele depositava, para valer-se do prazer
de uma discutível desforra, desmerecendo
do nominee[2] perante os convencionais reunidos.
Talvez não haja episódio que reflita com cores mais verazes do que essa
'traição' de Cruz a atual atmosfera no Grand Old Party. Este senhor é comparado por alguns com aquele
grande demagogo (que infernizou e desgraçou a muita gente inocente na Terra de
Tio Sam) Joseph McCarthy, cuja notoriedade se deveu ao movimento socio-político
do macartismo.
A falta de organização, as
acusações irresponsáveis vem minando a campanha de Trump. Uma de suas últimas
assertivas desse gênero foi quando insinuou que os adeptos da Segunda Emenda -
aquela que nos albores da democracia americana dispunha sobre o direito de
formar milícias para defender a infante República, e sobretudo o direito dos cidadãos
estadunidenses de portar armas - deveriam fazer alguma coisa com a candidata
Hillary Clinton, pela ameaça que ela representa em querer derrogar a dita
Emenda constitucional.
Caíu muito mal esta obvia
insinuação que foi interpretada como um convite ao assassínio político de
Hillary. É claro que não passa pela cabeça da democrata propor uma tolice do
gênero. O que os políticos com algum
juízo nos Estados Unidos preconizam é que se controle mais o porte de armas.
Para a National Rifle Association e a
sua vasta rede de lobby e de
intimidação de congressistas o direito de portar armas faz parte dos princípios
de cidadania. Essa falta de controle - há verdadeiros super-mercados de armas,
onde se vende armamento sofisticado, inclusives armas de repetição e de
assalto. Não se carece de ser grande conhecedor da politica americana para que
se tenha ciência do poder da NRA
sobre o Congresso americano e o respeito que muitos congressistas têm pelo lobby das armas. O próprio Senador Bernie Sanders, apesar de ser de esquerda, apóia a NRA, como demonstrou em voto seu no
Congresso.
Pelas suas declarações e por
posições pouco defensáveis, o candidato republicano tem quase toda a imprensa
americana a fustigá-lo. A diferença dele da sua adversária é descomunal. Tudo
isso explica que por enquanto as pesquisas vem mostrando o enfraquecimento do
candidato, e há compreensível nervosismo nas fileiras do Partido Republicano.
Um candidato que vem perdendo substanciais segmentos da opinião pública representa
para o GOP uma ameaça, pois o afastamento do eleitorado do candidato Trump
acarreta não apenas o enfraquecimento de sua candidatura, mas também das
posições republicanas no Congresso (Senado e Câmara de Representantes), e dos
próprios palácios dos governadores estaduais. Daí a inquietude dos
republicanos.
O leitor decerto conhece a
orientação do blog, mas a postura
democrática não aconselha que se enfraqueça em demasia um partido com o papel
histórico do Republicano. Mesmo
dentro de uma postura pró-democrata, não interessa a fraqueza excessiva do GOP. Não há vácuos na Política. Se a
direita - representada pelo Partido Republicano, eis que a sua corrente
moderada praticamente desapareceu - sofre uma derrota desproporcional, é a
democracia que será fragilizada. Não devemos ter ilusões de que o Partido
Democrata preencherá todos esses vácuos. O mais provável é que se reforcem
movimentos de extrema direita ou de acendrado conservadorismo (como o Tea Party), com o consequente surgimento
de movimentos milenaristas e anti-democráticos.
A influência de candidatos
como Trump pode ser bastante negativa, ao reforçar tais movimentos nas franjas
da democracia. Daí a inquietude que o populismo conservador do candidato do GOP
vem criando na campanha eleitoral.
Cresce a preocupação da
direção do GOP porque não vê
alternativa para os próprios interesses. Faixa considerável dos republicanos
vem procurando "resolver o problema" através da arregimentação do
poder da Câmara de Representantes, que em consequência do shellacking (tunda) da eleição intermediária de 2010 (que deu
possibilidade a dirigentes do GOP de montar um grande gerrymander[3])
- ao mudar nos estados em que venceu o Partido Republicano os limites dos
distritos eleitorais (para deputados), de forma a favorecer o GOP. Tal situação deverá um dia ser
derrubada - seja pelos tribunais, seja por campanhas de esclarecimento popular - mas essa instrumentalização tende a
perdurar, pelo menos até o próximo censo demográfico.
As postagens do blog
Ontem as postagens
do blog alcançaram mais um total que
dão conforto e satisfação ao seu autor e responsável, e correspondem ao próprio
desejo de opinar sobre os temas que são julgados de interesse daqueles que
prestigiam esse modesto órgão com a sua leitura.
No dia de ontem,
doze de agosto, a publicação atingiu a marca de 3.500. Surgida em fins de 2008, a sua circulação tem
aumentado, como se pode verificar graças ao Google
e respectivo serviço de rastreamento por
país, que além de mostrar-nos os respectivos limites geograficos, podem dar-nos
gratas surpresas, ao extendê-los por vezes ainda além da Taprobana.[i]
Por
circunstâncias de fácil compreensão para os leitores que honram este blog com as suas visitas virtuais,
devemos celebrar, com a indispensável modéstia,
o passado porque ele é a prova de nosso empenho. Quanto ao futuro, o
eventual poder que sobre ele exercemos, além de não ser confiável, é bastante
tênue...
[1] Caça às feiticeiras. Salem
designa comunidade na Nova Ingleterra dos Estados Unidos, que veio a tipicar
atmosfera opressiva de amplas denúncias.
[2] Aquele que já dispõe da
formal designação (nomination) como candidato do Partido.
[3] gerrymander é adaptar os limites dos distritos eleitorais de
modo a conceder vantagens injustas para um partido em uma eleição (definição do
Oxford American Dictionary.
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