Hoje é o último dia das Olimpíadas
cariocas. Apesar de não morrer de amores pelo Prefeito do Rio de Janeiro, é
preciso reconhecer que, com todos os sucessos acumulados desde os trancos e
barrancos do começo, com a delegação da Austrália saindo da Vila Olímpica, o senhor Eduardo Paes, com o seu eventual
mal-jeito, logrou grande resultado.
Ouviu-se mais alguma reclamação com o
esforço olímpico da Prefeitura do Rio de Janeiro?
E com todas as previsões sombrias
desencadeadas pela firma de decreto de calamidade pública, pelo governador
interino do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, o que vemos senão a terra
carioca ingressar no último dia da festa olímpica, em que, computadas as perdas, salvaram-se todos!
A razão pela qual os coleguinhas
estrangeiros torceram as mãos pela suposta celebração de uma pública desgraça,
na verdade correspondia a exigência da legislação, para justificar a
oportunidade do crédito para o Rio de Janeiro.
O suposto assalto aos nadadores olímpicos
americanos não passou de farsa, urdida pelo nadador Ryan Lochte, cuja única
defesa hoje é dizer que exagerou e que desde ontem pede desculpas.
Por mais advogados que se tenha -
como é o caso de Lochte ao prestar, agora contrito, depoimento em que pede escusas
pro-forma - semelha indispensável
dizer-lhe que, por mais arrependido que pareça, o que tem a declarar
simplesmente é que mentiu. Não nos venha com essa potoca que exagerou um pouco
a estória do assalto.
Na verdade, para dissimular arruaça
cometida por farra e bebedeira, o celebrado Lochte venha com essa estória para
boi dormir. O que deve fazer é simples: reconhecer, como o Comitê Olímpico
Internacional, e que por isso pede desculpas ao povo brasileiro.
Interessante também a reportagem
pré-preparada sobre o fim existoso das Olimpíadas cariocas. Quanto ao jogo com
os alemães, não adianta dissimular que foi só isso ou aquilo. A vitória de
ontem abriu um novo capítulo no esporte internacional.
Psicologicamente, é necessário ao
Primeiro Mundo lançar reportagens preparadas, em que a pobreza brasileira e do
Rio de Janeiro, em particular, serve para a tentativa de manchar o inegável
sucesso de país, de Terceiro Mundo ainda, é verdade, mas apesar de tudo soberano, como já o reconhecia o meu colega diplomata
em outro posto de Terceiro Mundo, para a sua mulher que vocalizava demasiadas
dúvidas sobre as condições do Brasil: "não se esqueça que V. vai para um
país soberano!"
E é como soberano que o Brasil
aparece neste último dia de Olimpíada.
Vi com prazer desenvolver-se a maratona, com a vitória do queniano. Mas a minha satisfação diante dos cuidadosos
preparativos brasileiros a ela se mesclou um quê de insopitada revolta, junto
com a orgulho da ótima organização, inclusive na segurança.
Aos muitos que viram o
desenrolar dessa prova olímpica - que celebra o heróico esforço de Filípides,
levando o "Vencemos! (enikamen)
da vitória dos helenos (leia-se atenienses e plateenses) sobre Xerxes e o
exército persa em Maratona - não pude deixar de relembrar, diante do cuidado da
segurança prestada por nosso exército aos corredores durante todos os 42 km do
percurso, com o negligente e lamentável abandono de qualquer proteção aos atletas,
pelo governo helênico. E o resultado foi o esbulho da lídima vitória de nosso
conterrâneo Vanderlei, quando não se sabe bem de onde, surgiu aquele padre
paramentado, que segurando o nosso maratonista impediu - sabe-se lá por que - a
lídima vitória do corredor brasileiro, que já se aproximava, com boa distância
sobre os demais concorrentes, da chegada ao Panatenaikos,
o estádio ateniense. Que me desculpem os leitores se eu sou a única voz que
clama no deserto por esse insolente esbulho de corredor que se aprestava a
vencer. A seu devido tempo, nada foi feito para esclarecer este evidente ato de
terrorismo. Pôs-se metafórica pedra
em cima dessa inaudita violência, que a todos que amam o esporte deve provocar
nojo, indignação e repúdio. Nada disso se viu no atroador silêncio, com que, na
prática, desfizeram do triunfo - que foi
barrado, e com burlesca ignomínia, qual coringa saído das cartas de esdrúxulo
baralho - de nosso compatriota Vanderlei
Cordeiro de Lima, de quem ora se lembram para substituir Pelé enfermo para
reacender a pira olímpica.
Pois a competência do Brasil
e do Rio de Janeiro, também se refletiu nesse detalhe de respeito ao esporte e
de cuidado para que não haja interferência estranha ao resultado da pista, que
corresponde ao esforço de cada corredor.
Foi com muito prazer - e também um pouco de melancolia - que acompanhei
a extrema atenção que foi dada pelo Estado brasileiro e pelo Governo do Rio de
Janeiro, ao conferir todas as condições de proteção para que nessa corrida, que
é um dos fechos heróicos das Olimpíadas, fosse atendido o imperativo da
segurança aos corredores. Ao que inexistia na terra que criou a Maratona,
sobrou, para nossa tranquila satisfação, a atenção minudente, proporcionando
que em todo o trajeto a força militar e policial estivesse presente, para
assegurar aos maratonistas a liberdade de exercer o respectivo esporte sem as
travas que surgiriam na terra ática. E esta atenção - que passará a muitos como
se fora algo sem importância - não me passou despercebida, e aqui comparece
como outra metáfora pela qual o Brasil, este país soberano, assegurou pela silente,
porém ordenada presença uma ordem que para muitos - e a mídia em geral - terá
passado como algo comezinho, mas que muito revela pelo grande e atento cuidado
dispensado à grande festa, de que foi não pequena honra realizá-la, já entrados
na tarde do último dia, com um êxito que a disfarçada inveja pode tentar
diminuir, com reportagens enlatadas sobre não-eventos, mas que ao fim e ao
cabo, reponta luzente, desmentindo pela sua presença e realização essa sopitada
inveja dos que latem, enquanto passa a caravana.
O povo brasileiro já colhe parte de
o que nosso governo investiu no esforço olímpico. Dentre os sucessos, não
poderemos esquecer a vitória de ontem, contra a Alemanha do sete
a um.
O Maracanã que fora inaugurado em
1950 para sediar uma Copa do Mundo - que
tudo tínhamos para ganhar - e nos escapou na ridente tarde de dezesseis de julho, por um chute
despretensioso do ponta uruguaio Ghighia.
Este gol - na verdade, um quase frango do goleiro Barbosa - silenciou os
220 mil que atopetavam o novo Maracanã.
Depois, em outra Copa que a
muitos de nós também parecia reservada,
em Minas Gerais, no estádio de Belo Horizonte, a seleção - que não dispunha de
Neymar, contundido no jogo anterior - sofreu a derrota mais vergonhosa imposta
ao Povo brasileiro, a saber o 7x1, que nos aplicou, em jogo leal,
o scratch da Alemanha.
Desde então, a esse oito de
julho de 2014, o tínhamos atravessado na garganta o seu espinho. Ontem, na
decisão do futebol olímpico, terminada a peleja, no tempo regulamentar e nas
prorrogações por um a um, Brasil e Deutschland partiram para a
roleta da decisão por pênaltis. Quis a sorte que na última cobrança o nosso
goleiro Ewerton tenha agarrado o pênalty chutado por um joão alemão, e que Neymar,
o último da série a bater o pênalty,
decretou, com a paradinha regulamentar, a nossa enfim vitória, sobre o goleiro
Horn.
Não era apenas o desfecho de
um match Brasil-Alemanha. Era a recuperação afinal do velho Maracanã - que a
última reforma não conseguira descaracterizar de todo - e que levantado em
1949/50 para arrebatar a nossa Primeira Copa do Mundo (que ficaria postergada para 1958, na Suécia,
com Pelé e Garrincha) - reaparecia afinal, de novo paramentado para outra Copa
- que daria a ele e a nós brasileiros a chance de dar fim aos dois vexames históricos de 1950 e de 2014.
Não mais - e por graça de
Neymar e do goleiro Ewerton, - o temos na garganta. Se formos, como é hábito dessa terra generosa,
dele nos despedir, que o façamos com um quase gentil aufwiedersehn, mas se a
afronta a outros terá parecido maior, que valha um 7x1 "raus!
Para completar a realização
do Brasil, faltava o volei. No feminino - como aconteceu no futebol das
mulheres - ficamos pelo caminho.
Sem embargo, o triunfo do
Brasil não parou no futebol. No volei masculino, a equipe brasileira, sob a
guia de Bernardinho, vence no trecho final a grandes adversários. O jogo com a
Argentina foi arduamente disputado, o que de resto semelha observação
imperativa, que se aplica a todos os embates da fase final do certamen de volley-ball.
Em seguida, nos coube ter
pela frente a Rússia, que nos vencera em Londres. Desta vez, seria diferente e
o urso russo não nos intimidou. Outro adversário duríssimo, o último da série,
era a Itália.
À vista do placar, se pode
ter a impressão de que haja sido fácil. Se prevalecemos em três sets, cada um
deles foi árduo e renhido, o resultado final sempre pendente e incerto. E, sem
embargo, ao cabo, o Brasil logrou preponderar, com a assistência de grandes
jogadores, com Wallace, Lucarelli e Bruninho a frente, como grande líbero.
A Olimpíada do Rio de
Janeiro que hoje finda em meio à
ventania, nós, brasileiros, a vemos como lídima vitória deste Povo, de
que o quadro-registro das pontuais derrotas que inflingimos a quem tentou
barrar-nos o caminho o demonstra. Mas
também pode ser interpretado como ulterior reação contra o coro de descrença,
preconceito e, porque não dizê-lo, de por vezes indisfarçada inveja, com que
nos saudara essa intérprete da opinião das grandes potências do deporto.
Até mesmo a encenação de um acinte ao hóspede
estrangeiro, pela suposta falta de segurança, termina mal para os que a
engendraram. Quanto ao mais, inclusive as matérias enlatadas, a velha imagem
dos cães a ladrarem para a caranava que
passa, continua atual.
E não é pouco que tenhamos
entre os nossos torcedores esse gênio do Terceiro Mundo, Usain Bolt, aquele de que
prognosticavam derrotas ignominiosas, causadas por contusões de velho corredor.
E que foi mesmo o que vimos? Usain
Bolt, torcendo pelo time do Brasil no Maracanã. Previam-lhe o fracasso, e ele
volta para a Jamaica, na bagagem outra tríplice coroa, conquistada com a surpreendente
leveza de suas passadas, que fazem calar as tribunas da inveja e do mau-agouro.
Para nós brasileiros, foi decerto
enorme prazer contemplar os triunfos do
grande Bolt, conseguidos todos com a naturalidade dos heróis, que parecem
tornar fácil, aquilo que para a malta dos medíocres e dos esforçados avulta
como insuperável obstáculo.
Da Olimpíada do Rio, portanto, não esqueçamos
a brasileirinha Rafaela Silva, no
judô, saída da Cidade de Deus, e que arrancou a nossa primeira medalha de ouro;
Thiago Braz, que saído não se sabe
de onde, quebrou o record mundial do salto com vara; a garotada do futebol
guiados por Neymar, com a poção
certa para livrar-nos da maldição dos sete a um; tampouco nos olvidemos do
risonho Izaquias, com as três
medalhas na canoagem, árduo esporte que nos traz do mar da Bahia; e das duas
moças - Kahena Kunze e Martina Grael (esta descendente de
pai rico em lauréis olímpicos), que apareceram com a dádiva de outra medalha de
ouro duramente conquistada na baía de Guanabara e que mereciam mais atenção. Nessas
inquietas águas, que o vento vem açoitando, elas a conquistaram, e a meu ver não
lhes terá agradado a atenção que um cômico, que os reis globais lutam por
promover. Este, apesar de lá estar como Pilatos no credo, recebia as atenções
do velho anfitrião, enquanto quem vencera o ouro para o Brasil, ficaram
escanteadas. Será surpresa que tenham saído à francesa?
( Fonte: O Globo, The New York
Times )
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