domingo, 21 de agosto de 2016

As Olimpíadas do Rio de Janeiro

                    

        Hoje é o último dia das Olimpíadas cariocas. Apesar de não morrer de amores pelo Prefeito do Rio de Janeiro, é preciso reconhecer que, com todos os sucessos acumulados desde os trancos e barrancos do começo, com a delegação da Austrália  saindo da Vila Olímpica,  o senhor Eduardo Paes, com o seu eventual mal-jeito, logrou grande resultado.
        Ouviu-se mais alguma reclamação com o esforço olímpico da Prefeitura do Rio de Janeiro?
        E com todas as previsões sombrias desencadeadas pela firma de decreto de calamidade pública, pelo governador interino do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, o que vemos senão a terra carioca ingressar no último dia da festa olímpica, em  que, computadas as perdas, salvaram-se todos!
        A razão pela qual os coleguinhas estrangeiros torceram as mãos pela suposta celebração de uma pública desgraça, na verdade correspondia a exigência da legislação, para justificar a oportunidade do crédito para o Rio de Janeiro.
         O suposto assalto aos nadadores olímpicos americanos não passou de farsa, urdida pelo nadador Ryan Lochte, cuja única defesa hoje é dizer que exagerou e que desde ontem pede desculpas.
          Por mais advogados que se tenha - como é o caso de Lochte ao prestar, agora contrito, depoimento em que pede escusas pro-forma  - semelha indispensável dizer-lhe que, por mais arrependido que pareça, o que tem a declarar simplesmente é que mentiu. Não nos venha com essa potoca que exagerou um pouco a estória do assalto.
          Na verdade, para dissimular arruaça cometida por farra e bebedeira, o celebrado Lochte venha com essa estória para boi dormir. O que deve fazer é simples: reconhecer, como o Comitê Olímpico Internacional, e que por isso pede desculpas ao povo brasileiro.
          Interessante também a reportagem pré-preparada sobre o fim existoso das Olimpíadas cariocas. Quanto ao jogo com os alemães, não adianta dissimular que foi só isso ou aquilo. A vitória de ontem abriu um novo capítulo no esporte internacional.
           Psicologicamente, é necessário ao Primeiro Mundo lançar reportagens preparadas, em que a pobreza brasileira e do Rio de Janeiro, em particular, serve para a tentativa de manchar o inegável sucesso de país, de Terceiro Mundo ainda, é verdade, mas apesar de  tudo soberano,  como já o reconhecia o meu colega diplomata em outro posto de Terceiro Mundo, para a sua mulher que vocalizava demasiadas dúvidas sobre as condições do Brasil: "não se esqueça que V. vai para um país soberano!"  
              E é como soberano que o Brasil aparece neste último dia de Olimpíada.  Vi com prazer desenvolver-se a maratona, com a vitória do queniano.  Mas a minha satisfação diante dos cuidadosos preparativos brasileiros a ela se mesclou um quê de insopitada revolta, junto com a orgulho da ótima organização, inclusive na segurança.
               Aos muitos que viram o desenrolar dessa prova olímpica - que celebra o heróico esforço de Filípides, levando o "Vencemos! (enikamen) da vitória dos helenos (leia-se atenienses e plateenses) sobre Xerxes e o exército persa em Maratona - não pude deixar de relembrar, diante do cuidado da segurança prestada por nosso exército aos corredores durante todos os 42 km do percurso, com o negligente e lamentável abandono de qualquer proteção aos atletas, pelo governo helênico. E o resultado foi o esbulho da lídima vitória de nosso conterrâneo Vanderlei, quando não se sabe bem de onde, surgiu aquele padre paramentado, que segurando o nosso maratonista impediu - sabe-se lá por que - a lídima vitória do corredor brasileiro, que já se aproximava, com boa distância sobre os demais concorrentes, da chegada ao Panatenaikos, o estádio ateniense. Que me desculpem os leitores se eu sou a única voz que clama no deserto por esse insolente esbulho de corredor que se aprestava a vencer. A seu devido tempo, nada foi feito para esclarecer este evidente ato de terrorismo.     Pôs-se metafórica pedra em cima dessa inaudita violência, que a todos que amam o esporte deve provocar nojo, indignação e repúdio. Nada disso se viu no atroador silêncio, com que, na prática, desfizeram do triunfo - que  foi barrado, e com burlesca ignomínia, qual coringa saído das cartas de esdrúxulo baralho - de nosso compatriota Vanderlei Cordeiro de Lima, de quem ora se lembram para substituir Pelé enfermo para reacender a pira olímpica.
                  Pois a competência do Brasil e do Rio de Janeiro, também se refletiu nesse detalhe de respeito ao esporte e de cuidado para que não haja interferência estranha ao resultado da pista, que corresponde ao esforço de cada corredor.  Foi com muito prazer - e também um pouco de melancolia - que acompanhei a extrema atenção que foi dada pelo Estado brasileiro e pelo Governo do Rio de Janeiro, ao conferir todas as condições de proteção para que nessa corrida, que é um dos fechos heróicos das Olimpíadas, fosse atendido o imperativo da segurança aos corredores. Ao que inexistia na terra que criou a Maratona, sobrou, para nossa tranquila satisfação, a atenção minudente, proporcionando que em todo o trajeto a força militar e policial estivesse presente, para assegurar aos maratonistas a liberdade de exercer o respectivo esporte sem as travas que surgiriam na terra ática. E esta atenção - que passará a muitos como se fora algo sem importância - não me passou despercebida, e aqui comparece como outra metáfora pela qual o Brasil, este país soberano, assegurou pela silente, porém ordenada presença uma ordem que para muitos - e a mídia em geral - terá passado como algo comezinho, mas que muito revela pelo grande e atento cuidado dispensado à grande festa, de que foi não pequena honra realizá-la, já entrados na tarde do último dia, com um êxito que a disfarçada inveja pode tentar diminuir, com reportagens enlatadas sobre não-eventos, mas que ao fim e ao cabo, reponta luzente, desmentindo pela sua presença e realização essa sopitada inveja dos que latem, enquanto passa a caravana.
            O povo brasileiro já colhe parte de o que nosso governo investiu no esforço olímpico. Dentre os sucessos, não poderemos esquecer a vitória de ontem, contra a Alemanha do sete a um.
             O Maracanã que fora inaugurado em 1950 para sediar uma Copa do Mundo -  que tudo tínhamos para ganhar - e nos escapou na ridente tarde de  dezesseis de julho, por um chute despretensioso do ponta uruguaio Ghighia.  Este gol - na verdade, um quase frango do goleiro Barbosa - silenciou os 220 mil que atopetavam o novo Maracanã.
              Depois, em outra Copa que a muitos de  nós também parecia reservada, em Minas Gerais, no estádio de Belo Horizonte, a seleção - que não dispunha de Neymar, contundido no jogo anterior - sofreu a derrota mais vergonhosa imposta ao Povo brasileiro, a saber o 7x1, que nos aplicou, em jogo leal, o scratch da Alemanha.
               Desde então, a esse oito de julho de 2014, o tínhamos atravessado na garganta o seu espinho. Ontem, na decisão do futebol olímpico, terminada a peleja, no tempo regulamentar e nas prorrogações por um a um,  Brasil e Deutschland partiram para a roleta da decisão por pênaltis. Quis a sorte que na última cobrança o nosso goleiro Ewerton tenha agarrado o pênalty chutado por um joão alemão, e que Neymar, o último da série a bater o pênalty, decretou, com a paradinha regulamentar, a nossa enfim vitória, sobre o goleiro Horn.
                 Não era apenas o desfecho de um match Brasil-Alemanha. Era a recuperação afinal do velho Maracanã - que a última reforma não conseguira descaracterizar de todo - e que levantado em 1949/50 para arrebatar a nossa Primeira Copa do Mundo  (que ficaria postergada para 1958, na Suécia, com Pelé e Garrincha) - reaparecia afinal, de novo paramentado para outra Copa - que daria a ele e a nós brasileiros a chance de dar fim aos dois  vexames históricos de 1950 e de 2014.



                  Não mais - e por graça de Neymar e do goleiro Ewerton, - o temos na garganta.  Se formos, como é hábito dessa terra generosa, dele nos despedir, que o façamos com um quase gentil aufwiedersehn, mas se a afronta a outros terá parecido maior, que valha um 7x1 "raus!
                  Para completar a realização do Brasil, faltava o volei. No feminino - como aconteceu no futebol das mulheres - ficamos pelo caminho.
                  Sem embargo, o triunfo do Brasil não parou no futebol. No volei masculino, a equipe brasileira, sob a guia de Bernardinho, vence no trecho final a grandes adversários. O jogo com a Argentina foi arduamente disputado, o que de resto semelha observação imperativa, que se aplica a todos os embates da fase final do certamen de volley-ball.
                  Em seguida, nos coube ter pela frente a Rússia, que nos vencera em Londres. Desta vez, seria diferente e o urso russo não nos intimidou. Outro adversário duríssimo, o último da série, era a Itália.
                  À vista do placar, se pode ter a impressão de que haja sido fácil. Se prevalecemos em três sets, cada um deles foi árduo e renhido, o resultado final sempre pendente e incerto. E, sem embargo, ao cabo, o Brasil logrou preponderar, com a assistência de grandes jogadores, com Wallace, Lucarelli e Bruninho a frente, como grande líbero.
                   A Olimpíada do Rio de Janeiro que hoje finda em meio à  ventania, nós, brasileiros, a vemos como lídima vitória deste Povo, de que o quadro-registro das pontuais derrotas que inflingimos a quem tentou barrar-nos o caminho  o demonstra. Mas também pode ser interpretado como ulterior reação contra o coro de descrença, preconceito e, porque não dizê-lo, de por vezes indisfarçada inveja, com que nos saudara essa intérprete da opinião das grandes potências do deporto.
                   Até mesmo a encenação de um acinte ao hóspede estrangeiro, pela suposta falta de segurança, termina mal para os que a engendraram. Quanto ao mais, inclusive as matérias enlatadas, a velha imagem dos cães a ladrarem  para a caranava que passa, continua atual.
                   E não é pouco que tenhamos entre os nossos torcedores esse gênio do Terceiro Mundo, Usain Bolt, aquele de que prognosticavam derrotas ignominiosas, causadas por contusões de velho corredor.
                   E que foi mesmo o que vimos? Usain Bolt, torcendo pelo time do Brasil no Maracanã. Previam-lhe o fracasso, e ele volta para a Jamaica, na bagagem outra tríplice coroa, conquistada com a surpreendente leveza de suas passadas, que fazem calar as tribunas da inveja e do mau-agouro.
                   Para nós brasileiros, foi decerto enorme  prazer contemplar os triunfos do grande Bolt, conseguidos todos com a naturalidade dos heróis, que parecem tornar fácil, aquilo que para a malta dos medíocres e dos esforçados avulta como insuperável obstáculo.
                   Da Olimpíada do Rio, portanto, não esqueçamos a brasileirinha Rafaela Silva, no judô, saída da Cidade de Deus, e que arrancou a nossa primeira medalha de ouro; Thiago Braz, que saído não se sabe de onde, quebrou o record mundial do salto com vara; a garotada do futebol guiados por Neymar, com a poção certa para livrar-nos da maldição dos sete a um; tampouco nos olvidemos do risonho Izaquias, com as três medalhas na canoagem, árduo esporte que nos traz do mar da Bahia; e das duas moças - Kahena Kunze e Martina Grael (esta descendente de pai rico em lauréis olímpicos), que apareceram com a dádiva de outra medalha de ouro duramente conquistada na baía de Guanabara e que mereciam mais atenção. Nessas inquietas águas, que o vento vem açoitando, elas a conquistaram, e a meu ver não lhes terá agradado a atenção que um cômico, que os reis globais lutam por promover. Este, apesar de lá estar como Pilatos no credo, recebia as atenções do velho anfitrião, enquanto quem vencera o ouro para o Brasil, ficaram escanteadas. Será surpresa que tenham saído à francesa?
                    

( Fonte: O Globo, The New York Times )

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