A pedido da Presidente afastada, Dilma Rousseff discursou perante os
Senadores. Presidiu a longa sessão o Ministro Ricardo Lewandowsky. Controlou o
debate sem maiores dificuldades, eis que, ao contrário das sessões anteriores,
prevaleceu o respeito mútuo e ambiente não marcado por impropérios e ofensas,
publicáveis ou não.
Dilma cuidou da aparência, e se manteve
sempre contida. Se não houve provocações, de seu lado em nada contribuíu para
acirrar os ânimos.
Não é que se tenha mostrado submissa ou
com excessiva deferência. A sua postura foi digna, evitando atitudes provocatórias.
Tampouco recuou em suas opiniões e
posições. Continuou a chamar o impeachment
de 'golpe' e também persistiu em ver na tramitação das acusações
constitucionais do Dr. Hélio Bicudo, prof. Miguel Reale Júnior e Dra. Janaína Paschoal, represália
de parte do então Presidente da Câmara Eduardo Cunha, que se vingava do
processo de cassação de mandato contra ele instituído pelo PT, com o apoio do
Planalto.
Estudou a própria lição com cuidado e
afinco, intentando afastar a pecha de crime nas pedaladas fiscais,
desenvolvendo os conhecidos argumentos. Nesse ponto mostrou que havia feito o
dever de casa, mas dadas as características da questão, não conseguiu convencer
os senadores de que as ditas pedaladas não eram crimes fiscais. Sendo tópico
bastante batido, os argumentos, esgrimidos com afinco, se não convencem a parte
adversária, tendem a mostrar a própria pertinácia.
Dilma, dada a sua situação, não deu
vazão à cólera e a palavras mais duras. Sem ser cordata, tampouco exibiu a postura dos arrependidos.
Bem enfronhada, dando amplas mostras que estudara o dever de casa, a presidente
afastada se esforçou em apresentar, sem arrogância, mas tampouco com posturas de
uma deferência que roce com tendências ao arrependimento, encontradiço na
história quando autoridades decaídas tratam de ganhar a boa vontade junto à
facção que deverá prevalecer.
Dilma Rousseff respondeu a todas as
perguntas com dignidade e capacidade. Mostrou haver repassado e estudado a
matéria - mormente se as pedaladas são crime ou não. Não tropeçou, nem
tergiversou. Se procede que os próprios argumentos não inovaram, nem
convenceram, ela desenvolveu o respectivo discurso sem tropeços nem erros
maiores.
As suas tão citadas escorregadelas
não repontaram. Com efeito, parece-me próprio e justo afirmar que ela se portou
com dignidade, e, em consequência, não foi surpresa que não repontassem erros,
clamorosos ou não, mostrando dois aspectos: que ela sabia da relevância de sua
intervenção, e que respeitou a assembléia senatorial.
Tampouco se humilhou. Sem ser
arrogante, ela foi altaneira, por mais árduo que seja tal papel, pelas
características da situação. Ela sabia que em tais condições são escassas as
possibilidades de que a corte senatorial pudesse reverter sobre as respectivas
posições.
Sem embargo, houve respeito de parte
a parte, e se a presidente afastada sentiu em algum momento vontade de replicar de forma a que mais
assemelhasse a primeira Dilma, ela preferiu seguir com a cabeça erguida, sem deixar-se vencer pelo temperamento.
A dignidade não é apenas um adereço
do poderoso, pois muitas autoridades portam-se, quando açulados pela
adversidade, de forma abjeta, ou próxima disso. Este não foi o caso de
Dilma na sessão do Senado de 29 de
agosto.
Dilma, que já enfrentou momentos
difíceis e penosos, estava existencialmente preparada para arrostar a sua vez e
hora na jornada de ontem, perante a Câmara alta.
Sem gaguejar, nem tropeçar, armou sua
vela em tempo de borrasca. Sabia que o esforço era o mais relevante, eis que o
resultado já estava desenhado naquela assembleia. Com isso, engrandeceu-se ela
e também a assembleia adversária, que, diante da atitude da Presidente afastada, não desceu a posturas que pertencem a outros cenários.
É quase lugar-comum definir
determinadas situações como 'históricas'. Se os historiadores hão de mostrar o
natural ceticismo diante da inevitável falta de visão - eis que no caso o
histórico não passa de um momento não processado pelos arquivos do futuro, e,
portanto despojado de qualquer vestimenta definitiva - todos naquela assembleia
se mostraram conscientes da relevância do momento para a democracia brasileira.
Dilma, por seu histórico de luta,
compareceu com significativa contribuição. Preparando-se para a arguição,
ela mostrou respeitar a ocasião. Agindo como o fez, não se diminuíu e quiçá
haja trazido aporte considerável para o juízo futuro desse momento da
democracia brasileira. Ali estava não a Dilma farsesca de que alguns querem esboçar o retrato. Além de arrostar com
determinação a longa prova, ela mostraria apenas na face os sinais do esforço comprido em situação não exatamente favorável.
Vendo-a de longe, seu criador
não terá deparado algo que o pudesse contristar. Em desvantagem, não são fáceis
os embates.
Por infelicidade, os
juízes-senadores serão carregados por um conjunto de atos que depõe contra
aquela figura indômita, corajosa, mas que, por associação em certos casos, e
por responsabilidade própria noutros, escreveu na arena da vida a própria
condenação.
As qualidades no personagem
trágico são muita vez presa do destino e de um cenário que desfaz as boas intenções, mas não o caráter,
que permanece indene, malgrado as borrascas da existência.
(Fontes: Tevê Senado; Guimarães Rosa, Jorge Amado)
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