É vizinho do impossível agradar a
todos, e mais ainda àqueles habituados a pronunciar vereditos sobre o restante
da Humanidade, empoleirados em posições que acreditam colocadas sob o eterno
favor da Endinheirada Fama e do rio Hudson, bafejado este pela circundante fortuna da grande metrópole americana.
Depois de muita luta, o Rio de Janeiro
logrou o seu lugar não ao Sol, mas junto aos favores da mídia universal e com a
vênia dos suaves, macios e repousantes raios reflexos dessa nossa eterna
companheira das noites, como o será dos românticos, do sertão ou alhures, esta Lua que no céu sempre flutua. Não te importes,
conterrânea Gisele, que a tua caminhada, como expressão da graça, beleza e
desenvoltura da mulher brasileira, se faça no radioso entorno da abertura da
festa universal das Olimpíadas de que participaram mais de centena de
delegações, algumas delas simbólicas, e outras que semelham envergonhadas de
exibir a formosura de metade de suas populações.
A festa da apresentação das Olimpíadas
nessa cidade que teima ser maravilhosa deveria ser continuada pela luz que se
quer eterna, e que nos chega do Peloponeso, quando nos domínios de Olímpia, na
velha Hellas se ordenava reinasse a Paz, ainda que por poucos dias, para que os
atletas do mundo helênico que naqueles tempos abraçava o Egeu, o mar Tirreno e
a própria Anatólia, participassem dos desforços tradicionais. Aos campeões se
cingia com coroas de louro, e para os verdadeiramente grandes se elevavam no
entorno de Olímpia monumentos cinzelados conforme as antigas dimensões do
renome dos heróis helênicos, que hoje modestos nos parecem, quando esquecemos a
força desses feitos, que marcavam presença na angusta geografia de proezas e ao
mesmo tempo fincavam na terra o mármore que supunham eterno para dizer aos
pósteros que não se olvidassem das vitórias passadas.
Em termos de oportunidade, me parece
de fundada ainda que postergada justiça, que o nosso compatriota Vanderlei
Cordeiro de Lima, maratonista em Atenas, acendesse ontem a Pira olímpica. Na
verdade, caberia ao nosso maior herói Edson Arantes do Nascimento, o imortal
Pelé, cumprir essa honrosa formalidade. Ele, no entanto, por causa de seu
futebol, e do temor que infundia aos muitos jogadores com que se defrontou para
lograr o feito único dos mil gols (que completara no Maracanã, contra o goleiro
Andrade), temor esse que se repetiria em demasiadas faltas contra ele
aplicadas, Pelé, o maior craque de todos os tempos, sofre hoje da coluna -
registro individual e implacável da violência dos fouls que lhe foram feitos ao longo de sua brilhante carreira. Por
isso, ele não teve condições físicas de realizar o singelo atear da pira
olímpica.
Na falta do campeão, foi muito
oportuna a escolha de Valdemar Cordeiro de Lima, maratonista na Olimpíada de
Atenas, e que dispunha nesse prélio de folgada vantagem. No entanto, nas
vizinhanças do estádio onde romperia a fita que simbolicamente eterniza o feito
do mensageiro que levou aos atenienses a boa nova da vitória contra os Persas
em Maratona, surgiu em espaço não-policiado um estranho padre que vinha oficiar
não uma missa, ou sequer benzer o corredor, mas sim abraçá-lo como um tamanduá para
quebrar-lhe o elã e facilitar a vitória de outrem.
Revoltou a nós brasileiros que esse bizarro
sacerdote se julgasse autorizado a desvirtuar a vitória já quase certa - dada a
vantagem de que dispunha o nosso corredor.
Quebrado o seu ritmo - e sem ajuda de nenhum elemento de policiamento
ausente, e por conseguinte conivente - ficaria para Vanderlei apenas o bronze dessa
antiga corrida. Ignoro quais eram os
propósitos desse fantasmagórico oficiante que se julgava intitulado a decidir -
fora do campo e da justiça - quem deveria ser o vencedor de mais aquela
maratona.
Não nos escapa a ironia de que o
mensageiro - que simboliza o primeiro maratonista, ao levar para Atenas a
notícia da vitória sobre Xerxes e o exército persa - tinha o nome Filipedes, e
morreu após dizer "enikamen (vencemos)". De qualquer forma, esse vencedor
moral da Olimpíada de Atenas, o brasileiro Vanderlei foi honrado com homenagem,
antes destinada a Pelé, e que o grande craque não pode cumprir por seu estado
de saúde.
Uma palavra final sobre a apresentação da
festa olímpica. Utilizando o entorno do Maracanã, esse grande símbolo do amor
do brasileiro pelo futebol, nos é difícil descrever a beleza e a simbologia da
apresentação feita na linguagem da pós-modernidade para a reedição desse
festival de paz da Humanidade, que são as olimpíadas. Nada mais oportuno de que
realizá-la na linguagem do virtual. Esse novo fraseado da arte representou por
cerca de uma hora a mensagem de paz que o esporte simboliza, sem deixar de lado
o aporte de nossa cultura e do nosso cântico de homenagem à música e à dança.
( Fontes: Rede Globo, The New York Times )
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