O que dizer da performance global dos atletas brasileiros? Primeiro, essa atuação nada tem diretamente a ver com o
quadro publicado pelo jornal O Globo.
Decerto, a intenção foi boa: dar um
retrato sem retoques dos resultados obtidos por nossos esportistas.
Diga-se de início para que o Brasil,
anfitrião da Olimpíada, entre no quadro do mesmo jornal, é necessária pequena
liberdade tipográfica. Assim, o quadro das medalhas, inclui os nove primeiros -
dos EUA à Coreia do Sul - e depois dá um senhor pulo - que nenhum atleta humano
poderia realizar - eis que ignora do décimo ao vigésimo-quinto, alcançando o
bravo vigésimo-sexto (que não por acaso é o Brasil,
ziu, ziu, com um micro-total de 4
medalhas, sendo uma apenas, de ouro (Rafaela Silva, no judô).
Tem-se a impressão de que Pindorama, ao
contrário da grande maioria dos demais concorrentes, considera o número de
medalhas como produto do acaso, da vontade enigmática dos deuses.
Nem desde os tempos do festival em Olímpia,
no Peloponeso, se atribuía ao acaso o número de coroas de louro dadas aos
atletas helênicos concorrentes nas reduzidas modalidades de provas. Desde a
Antiguidade elas eram resultado do esforço da Cidade de onde vinha o atleta,
assim como do valor individual de cada partícipe. Entre as especialidades
olímpicas - para contá-las, os dedos das duas mãos já bastavam - e se entendia
que a força individual iria preponderar em núcleos como Esparta, e a habilidade
em outros como Atenas. Mas a pequena cidade, se amiúde luzia menos, podia
surgir avassaladora, e para registrá-lo, que melhor do que gravá-la no mármore
helênico?
O Brasil continua a ser gigante
preguiçoso. Em que outro país uma governante chega ao cúmulo de designar como
ministro do esporte senhor de nome George
Hilton, que confessa, ao tomar posse, não ser versado em esportes?! No passado, a coisa
ficara ao deus dará. Mais mal do que bem se compunha a delegação de atletas.
Dado o tamanho do Brasil, vez por outra explode nos registros feito
surpreendente, como o de Adhemar Ferreira da Silva, que do
nada surgeu para arrebentar com o recorde mundial no salto triplo! Em Atenas,
iríamos sem o saber vencer a maratona - que é a homenagem da Modernidade a Filípides,
o mensageiro da vitória contra Xerxes, o tirano persa, que desejara escravizar
os helenos. Com o seu "eníkamen"
(vencemos), ele exalou o último suspiro, após os 42 km da distância entre a
batalha de Maratona e Atenas, que
humilhara os persas - Xerxes queria anexá-la - tolo que foi! - ao próprio
Império -, enquanto a tardança dos espartanos fê-los perder este encontro com a
glória (mil deles haviam perecido nas Termópilas).
De nossa parte, nas Olimpíadas de
Atenas, permitimos que estranhíssimo padre, surgido não se sabe bem de onde, nos
arrancasse na maratona a vitória ao conterrâneo Vanderlei. Quase ao adentrar o
estádio aonde terminava a prova, com grande vantagem sobre os que o seguem, não
se sabe como nem por que, surge paramentada figura, com estranho, idiótico
sorriso nos lábios costurado, e que se aplica, com ignóbil e ignavo empenho, a
desfazer a vitória certa de representante de um país subdesenvolvido. Vanderlei,
que pelo cruel, inaudito esforço adicional dispendido e pelo tempo que lhe foi
arrancado, cede o ouro e a prata, chegando no opaco bronze, ao terceiro lugar
reservado. O mais estranho não foi sequer esse estúpido agravo imposto a representante
do Terceiro Mundo, que arrebataria - vejam só, nas vizinhanças dessa antiga
façanha - a medalha da Maratona! Ainda mais difícil de entender, e, quem diria,
de tolerar que os paredros de Pindorama não empenhassem esforço algum para
reclamar - de Atenas, a desídia do serviço policial, e das autoridades da
Olimpíada, que justiça fosse feita, e que aquela vitória roubada ao Terceiro
Mundo fosse restituída a quem de direito.
Com muito tempo - e por acaso,
pela renúncia do Pelé, dos mil gols, então acamado pelas muitas faltas que o
seu valor não mereceria de seus companheiros atletas - alguém se lembra afinal
do maratonista esbulhado Vanderlei Cordeiro de Lima, para que acenda no Rio de Janeiro a pira olímpica! Antes
tarde, minha gente, do que nunca.
O Brasil, nessa e nas futuras
Olimpíadas, nunca estará à altura da
própria grandeza, se não antes livrarmo-nos deste complexo de vira-latas
que mais do que no corpo, na mente carregamos.
( Fontes: O
Globo, rede Globo; Nelson Rodrigues )
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