A História não é sequência ininteligível de fatos, mas
livro aberto que os pósteros carecem de ler se querem entender mais um pouco do
comportamento humano e da experiência de outros países.
O México - que foi uma de minhas
destinações diplomáticas - é terra de longa história, que a conquista marcou, e
que por ser demasiado próxima do gigante do Norte disso sofreu as
consequências.
Mas não é para falar desse aspecto que
hoje venho bater metaforicamente à porta de meus leitores. Pretendo discorrer de
forma breve para abrir-lhes uma janela
na experiência política daquele país-irmão na imediata fase pós-grande
Revolução, desencadeada pelo assassínio brutal do presidente Francisco I.
Madero.
Plutarco Elías Calles evoluiria mais
tarde para principal líder pós-revolucionário. A nova Constituição mexicana lhe
colocou uma Pedra no caminho: a proibição da não-reeleição. Fora justamente o
abuso farsesco das reeleições do ditador Porfírio Diaz que desencadeara a
primeira fase revolucionária, com o breve mandato de Francisco I. Madero, que
se tornaria mártir nas mãos do traidor General Victoriano Huerta. Seguir-se-ía
a grande revolução, com as suas principais lições, que vimos posteriormente
repetidas nos governos que se sucederam, na quarta década do século passado,
através dos lemas Sufragio efectivo y No-reelección.
Infelizmente, dos dois,
apenas o segundo seria respeitado, eis que nos anos quarenta, após a
presidência de Lázaro Cárdenas, a ascendência do PRI (Partido Republicano
Institucional) perduraria por longas décadas, com sexênios de presidentes
(saídos muita vez de Gobernación -
ministério do Interior), com o beneplácito do antecessor. E funcionou, a
princípio bem, mas com a institucionalização, marcada crescentemente pela
senhora Corrupção.
Após o pandemônio da Grande Revolução,
e findo o respectivo mandato presidencial, Plutarco Elías Calles resolveu
instituir o maximato. Dentro desse
contexto, tão mexicano e tão latino-americano, Dom Plutarco continuou o Líder Máximo, mas um presidente da
república de turno - na prática, sob suas ordens - seria eleito. Surgia, assim,
o período dos presidentes peleles
(fantoches). Nesse ponto, creio que o meu leitor, porventura perplexo, já há de
suspeitar a que tenciono referir-me.
A situação entre o Líder Máximo - no caso Dom Plutarco - e o Presidente pelele indicava quem tinha realmente o
mando. Este último se ocupava do dia-a-dia da rotina de um primeiro mandatário,
mas as decisões que contavam, quem deveria tomá-las era D. Plutarco. Foi
somente no governo do presidente - a princípio pelele - General Lázaro Cárdenas que a reeleição seria realmente
varrida do mapa constitucional. Com dois anos de governo, Cárdenas colocou o
Lider Máximo em um DC-3 com destino a Estados Unidos, e pode o General Cárdenas
terminar o seu sexênio como um dos maiores presidentes da história mexicana.
Como verá o leitor, a situação
hodierna em Pindorama não é exatamente a mesma, mas há muitos traços similares.
Primo,
a relação da reeleita (e como!) Dilma
Rousseff, no que tange ao grande líder petista Lula da Silva. Deveu a
presidência ao Chefe, que a fez eleger, passando por cima de gente mais
qualificada, como procederia um coronelão de seu velho Nordeste (a derrota de
José Serra, a despeito de sua enorme experiência político-administrativa, ele a
deve ao fato de ter sido quase cristianizado em Minas, além do presente-grego
de vice inexpressivo, tudo isso graças, sobretudo, ao sôfrego rival tucano Aécio Neves). Secondo,
não é aqui o local para reportar os estragos da indicação, mas o que importa é
a força institucional da presidente em funções, e do aparelhamento dos órgãos
competentes para impedir que viesse à tona antes da eleição o legado maldito do
primeiro mandato de Dilma. Essa mesma força tornaria quase patética qualquer
tentativa do ex-presidente de assumir-lhe o lugar na chapa.
Dessarte, apesar de ter-lhe barrado o caminho
em 2014, os vínculos de sua indicação e a virtual paternidade da primeira
eleição - a tudo isso somada a força política de Lula no PT, e a crescente
exasperação do velho cacique petista com o cerco que lhe estaria sendo feito
pelo Ministério Público de São Paulo, notadamente o Promotor Conserino, a
respeito do notório tríplex do Guarajá
(além do sítio do Atibaia, que apesar
de não ser de sua propriedade, como alega
amiúde, para lá fez transportar mais de cem caixas com bebidas, ao terminar o
segundo mandato, em 2010).
Incomodado pelo cerco que vem
enfrentando pela Lava-Jato, adotou
duas providências, decerto ligadas entre si, mas a que falta certa coerência.
De início, pediu ao Supremo, como foi referido, que o dispense de comparecer às
audiências com o MP de São Paulo, para
responder a inquéritos sobre o tríplex do Guarajá e o sítio do Atibaia, de que
há muitas suspeitas de que seja o verdadeiro proprietário. Terá consultado os seus
traquejados advogados, mas como não tem privilégio de foro como ex-presidente,
cabe perguntar qual a base jurídica de tal demanda.
Mais tarde, não se sabe com
base em quê, Lula terá declarado que não mais iria comparecer a tais
convocações.
De qualquer forma, a sua ex-pupila
resolveu dispensar os serviços do Ministro da Justiça, que era um dos poucos
que a acompanhara desde a fotografia do gabinete do primeiro mandato, de 1º de
janeiro de 2011.
Conforme o seu currículo, Cardozo
nunca cedeu à frenética pressão da bancada do PT no Congresso, do presidente do
PT, o deputado Rui Falcão, entre outros mais, que buscavam controlasse a
autonomia da Polícia Federal, em termos da Lava-Jato. A informativa coluna de Merval Pereira de hoje
agrega os seguintes informes sobre o seu digno currículo: ("A saída de José
Eduardo Cardozo é o desfecho de uma relação tumultuada que, ele um dos
fundadores do PT, sempre teve com Lula e dirigentes do partido, como José
Dirceu. Nos anos noventa ele fez parte de comissão de investigação do PT em São
Paulo sobre uma denúncia do economista Paulo de Tarso Venceslau contra o
advogado Roberto Teixeira, o mesmo compadre de Lula que até hoje está no
noticiário. (...) Os outros membros da comissão eram Hélio Bicudo (...) e Paul
Singer. O diretório nacional do PT, controlado por Lula, rejeitou o relatório
da comissão de averiguação, que viu sinais de corrupção nos contratos, e o
único punido foi (o denunciante) Paulo de Tarso Venceslau, expulso da
legenda."
Mas
dona Dilma, como era de esperar, não se terá sentido com cacife para enfrentar o
criador Lula da Silva e ainda por cima sobre questões éticas, buscando preservar
o seu principal ministro, cada vez mais solitário remanescente do PT ético (que
nos dias que correm virou espécimen de museu) .
Excluída essa batalha de
Itararé - aquela que não houve - a
Presidenta se apequenou um tanto mais trazendo para o ministério da Justiça personagem
da política estadual da Bahia,
Wellington César de Lima e Silva, ex-procurador de Justiça naquele
estado, e indicado por Jaques Wagner (Casa Civil), a quem é ligado.
O que fazer da frase,
muito repetida pela Presidenta: "O PT deixa investigar, não joga nada para
debaixo do tapete", pois este lema partidário está em grave perigo de virar
constrangedor anacronismo. Nas palavras do colunista, "começa a desmoronar
a farsa petista e arma-se uma crise institucional".
Como a Lava-Jato não é mais apenas uma política, mas vontade nacional e
instrumento de primeira linha na luta contra a corrupção - mormente no grau de
intensidade com que nos presenteou o Partido de Lula da Silva - cortar-lhe as
verbas (da Polícia Federal e do MPF) ou pôr obstáculos no seu caminho, equivaleria
a afrontar a opinião pública e a maioria do Congresso (não vejo parlamentar com
desejo de reeleger-se que se proponha contrariar as finalidades éticas dessa
grande cruzada contra a corrupção, cortando-lhe as verbas).
É luta comprida e
dificultosa a batalha contra a corrupção. Tomando minhas liberdades com Camões,
e pedindo licença a Lionel Brizola, não permitamos que a rainha fraca enfraqueça
a forte gente da Polícia Federal, do M.P.F. e a própria opinião pública, porque
a batalha já está mais do que encetada, e a longa noite há de passar.
(Fontes:Carlos Drummond de Andrade, Enciclopédia
Delta-Larousse, O Globo, coluna de Merval Pereira)
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