sábado, 11 de julho de 2015

Segurança no Rio ...

                                    
 
         Recordo-me ainda hoje de um tempo em que a mui leal e heróica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro era lugar em que crianças um pouco mais taludas poderiam ir com tranquilidade e até mesmo sozinhas à praia de Copacabana.

          Se a mãe respectiva encontrasse jeito de cuidá-las à distância – por exemplo, de sua sacada, e mesmo da Avenida Nossa Senhora de Copacabana – porque nessa época ainda havia pouco edifícios na Atlântica, então melhor ainda.

           Copacabana naquele tempo era mesmo a Princezinha do Mar, tal como ela ainda vive na minha memória, e nas modestas escrevinhações desse escriba da série Cidade Nua.

           Tampouco para os jovens teen-agers – termo que na época me era desconhecido – não havia maior problema em ir aos cinemas do bairro. Nos anos cinquenta, a TV Tupi mal engatinhava, e a diversão estava sobretudo na série de salas de cine, como o demonstravam as longas filas para comprar ingresso.

            A única dificuldade para os mais jovens era lograr acesso às inúmeras salas, como o Roxy (que ainda hoje resiste), ao Metro-Copacabana, Art-Palácio (em que passavam muitos filmes italianos), e um pouco mais longe, no Ritz. Já no Posto 6, existiam os cines da galeria Alaska (com seriados à tarde), outros na Av. Copacabana e na rua Raul Pompeia, ainda sonolenta, pois o túnel Sá Freire Alvim sequer era pensado.

             A própria ladeira Saint-Roman, que desemboca na Sá Ferreira, era uma rua burguesa, com residências de classe média. 

             Isso sem falar dos bondes da Light – o treze, o doze e o catorze se não me engano – que íam e vinham pela avenida Nossa Senhora de Copacabana, que então tinha duas mãos! Eram bondes com estribo, cobrador e tudo, e duas seções, i.e., o ilustre passageiro que o tomasse em Copacabana, em Botafogo, na rua da Passagem, teria que pagar mais uma passagem, porque ali começava a segunda seção, que ia até o centro, passando pelo Passeio Público.[1]

        Criança ainda, quando minha mãe ia visitar parentes nossos perto da Gávea – se não erro era com o Catorze – pégavamos o bonde na Francisco Sá, quase esquina da Avenida Copacabana, e de lá seguíamos, no que eu, menino, considerava uma viagem para o longínquo arrabalde do Leblon.
        

         Embora nem tudo fossem rosas, os tempos então era mais tranquilos. E, não obstante, a segurança que nos rodeava – e que nós, a dela desfrutar, sequer nos dávamos conta – não é que não se podia andar muito sem deparar com a dupla dos benquistos Cosme e Damião, que eram os PMs que cruzavam os logradouros cariocas, como creio hoje os guardas londrinos palmilham as ruas da capital de Sua Majestade.

       

          Ali estava pintado com as cores vivas do presente realidade a que não dávamos maior tento, e que hoje, no ambiente e na gente, não mais existe. Se fotos há na parede emolduradas, elas são vistas hoje como simples memórias, e nas palavras do poeta Drummond – e como dóem !

         

           Naquele tempo, em que éramos ignaros e felizes, ainda não havia chegado o progresso, que no seu avanço vai carcomendo os bairros e a gente. Quem chamaria hoje Copacabana de a Princezinha do Mar ?

           Voltar ali, com o comércio rebaixado, calçadas de que desapareceram as pedras portuguesas, iremos seguindo em meio a  público numeroso mas apressado, com aparência que igualmente veremos nas descaracterizadas  ruas do centro citadino, de que fugiram as livrarias, as grandes lojas como a Torre Eiffel por exemplo, e repontam assanhadas, como que duplicando o comércio do Saara, lojinhas de artigos de baixa qualidade, além dos sólitos cartórios e farmácias, muitas farmácias.

             Na Uruguaiana, e guarnecida por enorme camelódromo, se acha a estação do metrô, esse estranho mensageiro do progresso acinzentado, apressado e inseguro dos dias que correm.

             Ontem noticiei a morte de uma pessoa, assassinada por bandidos. Hoje posso retificar a anotação apressada e procurar dar mais algum sentido ao assassínio de  modesto trabalhador, que estava na fila da bilheteria  do metrô para comprar a sua passagem.

             Alexandre Oliveira tinha 46 anos e ganhava a vida com o transporte de valores.

             Nesta cidade, hoje violenta e quase sem lei, onde não mais se vêem perambularem os Polícias Militares Cosme e Damião – assim chamados por mensageiros do bem – Alexandre foi brutalmente trucidado por três foras da lei, enquanto à volta nem dupla, nem nenhum policial se avistava.  Antes, nós os víamos como imagem da serenidade que estava por toda parte e que, na realidade, semelhava até deles prescindir.

              Hoje e ontem e amanhã e sempre, as pessoas vagam por ruas com muita gente mas nenhuma que nos acene com o braço forte da lei e da segurança.

              Será que Alexandre tinha seguro, pois o seu mister era de risco ?

              O mais provável é que não.

              Ouviremos ou leremos talvez palavras de condolência da autoridade. No entanto, quando não estamos sob o reino de algum magno certamen, elas sóem chegar sempre demasiado tarde.

              Porque Alexandre Oliveira poderia não ter morrido, se houvesse algum policiamento ostensivo. Não é assim que eles o denominam quando há muitos estrangeiros circulando pela metrópole?

              Só então as autoridades evidenciam a necessária atenção e preocupação.

              Para fazer transporte de valores, os bancos se servem de carros blindados. Alexandre Oliveira fazia esse mister pondo em risco a própria pele.

             Pena que os Cosme e Damião são coisa do passado.  Então, eles eram benquistos pelo Povo, embora não semelhassem muito necessários. Hoje, em que as coisas mudaram e para muito pior,  nem em retrato na parede eles despontam.

 

( Fontes: O  Globo, Carlos Drummond de Andrade  )        




[1] Havia também os taioba, que serviam para carga e passageiros, e onde se pagava meia.

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