segunda-feira, 20 de julho de 2015

Drôle de Guerre

                                                 

        Guerra esquisita ou engraçada, foi assim que os franceses denominaram o início do conflito com a Alemanha de Hitler, em setembro de 1939. Enquanto a Wehrmacht acabava com o exército polonês, o front ocidental se quedava tranquilo. Aquela pasmaceira não iludia a França, mas enquanto durasse...

        Cerca de 76 anos depois, quase que por um capricho Vladimir V. Putin, abriu uma estranha guerra no continente europeu.

        Esse conflito não teve declaração formal. Seguiu-se pouco depois da fuga do ex-presidente Viktor Yanukovich, que o Kremlin acreditava fosse a sua peça mestra para a vinculação da Ucrânia à zona aduaneira instituída por Moscou.

        Derrubado por sublevação popular, com fortes traços das revoluções de barricada na Paris do século XIX, gospodin Putin ficou sumamente irritado com a falta de modos da população ucraniana de escorraçar Yanukovich, fiel servo do presidente russo, por não haver atendido a aspiração nacional de associação com Bruxelas e a Comunidade Européia.

        As diferenças entre a união aduaneira com Putin e o acordo com Comunidade Europeia eram demasiado grandes. Enquanto aquela os condenava à servidão do Estrangeiro próximo, essa faixa de países vassalos do Império de todas as Rússias, a aliança com Bruxelas lhe abria as portas de mais comércio e de menos penúria, de mais desenvolvimento econômico e tecnológico, e por conseguinte a perspectiva de uma vida melhor, de futuro mais risonho.  

         As guerras podem variar entre si, na amplitude da violência e do sofrimento. Por mais, no entanto, que diante do atônito Ocidente, o senhor de Moscou acredite factível que as potências da Europa e os Estados Unidos possam vir a aceitar projeto que é uma volta à barbárie, com a invasão da Criméia e a descarada instrumentalização dos  rebeldes ditos pró-Rússia – é empresa insensata.

         Tal insensatez não pode, nem deve perdurar. O povo russo já sofre com as estreitezas da guerra. Por mais que se pretenda negá-la, as sanções pontuais e as exigências do conflito tendem a acirrar a inflação e a penúria, pois apesar de toda a empáfia de gospodin Putin, a sua Federação Russa tem pés de barro pelos percalços do petróleo e de cotações despojadas da antiga pujança.

         Quanto ao escândalo de uma agressão fria e com  dúbia motivação de o que não passa de guerra de conquista, será que o regime Putin, com a sua cleptocracia tão bem investigada pelo livro da professora Karen Dawisha, terá condições de manter por muito a ficção de uma invasão sem qualquer outro motivo que os sonhos infantis de uma colossal apropriação indébita?

         Superar contradições internas – sem falar na atmosfera revolucionária do Cáucaso – através de aventuras externas não é e nunca será solução para os problemas do vasto reino do Senhor Vladimir Putin.

         A reportagem do New York Times alude à zona fronteiriça de Golovinka, uma pequena vila na estepe do sul, próxima da Ucrânia. No verão passado essa área, no lado ucraniano, era patrulhada  por guardas de fronteira ucranianos. Agora esse espaço  limítrofe está aberto: os comboios militares russos o cruzam sem qualquer interferência. Nesse sentido, o caminho está aberto para o contrabando de carvão, armas e carros roubados... Os símbolos da soberania de Kiev sobre esse rincão desapareceram.

 

( Fonte: The New York Times, reportagem de Andrew E. Kramer “Cidadezinha russa perto da Ucrânia, antes tranquila, hoje é só atividade militar” )       

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