domingo, 5 de julho de 2015

O que fazer do ISIS?


                                        

       Em diversos blogs, muitos deles tentando desconstruir o Exército Islâmico,  buscando entendê-lo, devo confessar que nem sempre será fácil  arquitetar  um discurso racional em torno desse movimento terrorista. Mas, deve-se reconhecer, que a dificuldade em entender essa criação relativamente recente do terror organizado, ela existe de forma concreta.

      Se não há dúvida que o ISIS constitui consequência da revolução síria, revolução essa que por erro do Governo Obama se permitiu descambasse para conflito de baixa intensidade, se pode considerar que essa nova janela terrorista abriu-se pela negligência – se benigna ou maligna, é difícil determinar – do Ocidente, que ensejou o surgimento de vácuo político na parte oriental da Síria.

     Com um mal estabelecido – a ditadura de Bashar al-Assad – não sei quem convenceu os países ocidentais que indiretamente apoiavam a causa democrática, secundada pela Liga Árabe e pelas nações sunitas do Golfo, que não existia maior risco em que se deixasse ou em fogo lento, ou apodrecer a revolução contra a tirania alauíta de Damasco.

      Os subprodutos desta negligência supostamente benigna não deixaram de repontar, com os profusos agradecimentos dos ditadores aliados de Bashar, v.g., Ali Khamenei, do Irã, o seu cliente e dependente do Hezbollah, chefiado por Hassan Nasrallah, e de nosso conhecido gospodin Vladimir Putin, da Federação Russa. Essa tríade tem grandes interesses na preservação de al-Assad. Khamenei, porque a derrubada do presidente sírio enfraqueceria o campo xiita. O mesmo vale – e ainda mais – para Nasrallah do Hezbollah, que perderia o seu grande aliado sírio, na prática  por golpe quase mortal para a sua milícia estabelecida no Líbano.  E Putin, presidente de todas as Rússias, que vem bancando Assad faz tempo, dele carece e muito por causa do porto de Tartus no mar Mediterrâneo oriental, que lhe proporciona base à saída do Mar Negro com suas águas quentes.

       A Superpotência e seus aliados já deveriam saber, que por esse estalo,[1] nada de bom poderia surgir. O que apareceu – além do vazio estratégico que acalentou o ISIS – foi uma espécie de terra de ninguém e de espaço para todas as pestes e epidemias. Como se sabe, o presidente Bashar al-Assad tem concepção um tanto peculiar no combate a forças revolucionárias adversas. Como as reportagens da corajosa médica Annie Sparrow o demonstram em The New York Review – e a que me tenho reportado por mais de uma vez – Assad não se peja de valer-se do recurso às epidemias e às enfermidades como febre tifóide, outras moléstias provindas da contaminação do esgoto e um vastíssimo etcetera. Para ele, são válidos tais instrumentos bélicos contra as populações que residam em área rebelde.

        As condições nos acampamentos, com a sua falta de higiene, escassez ou falta de medicamentos, a par de ter visão no mínimo dúbia quanto à serventia de valer-se de tal tipo de recurso, tudo isso forma o terreno propício para a propagação de enfermidades que a medicina moderna, se provida dos meios necessários, não teria dificuldade em manter tais terríveis males sob controle. Pena que a outra parte no conflito não partilhe da mesma opinião.

         Muita vez se lê na mídia que há interesse da ciência em preservar os virus ou micróbios que originaram as grandes calamidades do gênero humano. Li há tempos que grupo de cientistas se empenhava em exumar de ilha na Escandinávia corpos de homens e mulheres dizimados por um dos derradeiros presentes da chamada Grande Guerra (que depois viraria Iª Guerra Mundial): a chamada Gripe Espanhola, que matou cerca de vinte milhões de pessoas. O escopo da pesquisa seria o de conhecer mais sobre a letal enfermidade, e para tanto a gelada terra escandinava apresentaria grande oportunidade para os cientistas. Como nunca mais ouvi do projeto, ou ele gorou, ou teve êxito, e façamos votos para que saibamos de tal sucesso da melhor maneira possível.

         Semelha que outra contribuição que a guerra civil na Síria estaria dando às gentes do Oriente Médio seria o reaparecimento da poliomielite que teria repontado, por força do inferno clínico deste conflito, da falta de higiene nos acampamentos de refugiados e da descontinuação das vacinações contra esse antigo flagelo da Humanidade, que vitimou no passado a tantos homens e mulheres, e dos quais um dos mais ilustres foi quem a despeito da enfermidade e com graves sequelas, lograria ser um dos maiores presidentes dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt.

          Antes da revolução síria e sobretudo com a transformação do conflito no que ele é hoje, a poliomielite desaparecera do mapa. Agora, ‘graças’ às condições extremamente favoráveis criadas pela conflagração, ei-la de volta.

           As últimas notícias relativas ao Exército Islâmico são no mínimo consternadoras. Na Tunísia, por via do Estado semifalido em que foi transformada a Líbia, verificou-se mais um estúpido e brutal atentado contra banhistas ingleses (e de outras nacionalidades européias) que fugindo do terrível verão britânico se tornaram vítimas de atentado de brutal bestialidade. Terá bastado apenas um terrorista com arma de repetição para dizimar os veranistas. Será assim tão difícil montar dispositivo eficiente para proteger esta pobre gente que economiza o ano inteiro para morrer na praia, ou em algum museu? Como não é a primeira vez que tal barbaridade acontece, um mínimo de sentido prático e de respeito por visitantes estrangeiros que trazem divisas para a Tunísia,  deveria levar esse estado do Magreb a esforçar-se  no trabalho de deterrência e proteção do estrangeiro amigo, se não querer virar deserto de turistas.

             Mas voltemos ao ISIS. Depois de deixar passar algumas semanas os soldados de Abu Bakr al-Baghdadi após tomar controle de Palmyra, que dizer das ilusões de alguns acerca de atitude menos filistéia e talvez o avanço em alguns séculos em consciência cultural ?

              Infelizmente, não há lugar para otimismo.  O ainda pior nesse cenário dantesco de bestialidade animal, é que ele vem acoplado com o que Nelson Rodrigues chamaria de os idiotas da objetividade.

              Palmyra era uma jóia da Humanidade. O péssimo desses energúmenos é que a sua chefia se acredita esperta, capaz de instrumentalizar o que reputam de desprezível apego por forma de idolatria que se choca contra as lições do Profeta e de seus acólitos.

              Embora a arte e o espírito não sejam decididamente o seu forte, como assinalei em blog anterior, eles empregam a violência como forma de divulgação e de reclame de o que tem à venda. Quero crer que como ocorreu com as estátuas de pedra do Buda, que pelo seu tamanho estavam fora do mercado, e assim os talibãs nada mais tinham que fazer senão destruí-las, talvez a antiquíssima Palmyra coloque para esse novos vândalos o problema de não ter nada que eles  possam colocar no mercado informal, e assim aumentar o caixa, que estaria em oito bilhões.

              Para o ISIS, estaria então combinado assim:  no Iraque, eles enfrentam as milícias xiitas, que até o momento não semelham terem sido de grande valia; já no Curdistão iraquiano,  se defrontam com os corajosos peshmerga, cujo armamento ainda está muito abaixo daquele do Exército Islâmico.

              Lá do alto, os jatos americanos lançam bombas, muitas bombas. Os estragos se dizem grandes, sobretudo nas instalações petrolíferas. Mas no amplo areal por que circula o exército islâmico – em outras palavras, cá por baixo, quem dirá que não são os senhores do pedaço?

              Aviões, foguetes, navios podem ser maravilhas da tecnologia, mas por ora ainda quem não tem infantaria, só lhe resta observar de longe as suas reinações, eis que lhes falta o básico em qualquer conflito: o domínio do terreno.

              E enquanto a poderosa coalizão que deveria fazer-lhes tanto medo, continua a falar grosso de longe, e delega para enfrentar o ISIS  um incrível exército Brancaleone, a caixa de Al-Baghdadi vai seguir aumentando e o Patrimônio da Humanidade, diminuindo.

 

( Fontes: O que está dentro das bombas, de Annie Sparrow, The New York Review ; l'Armata Brancaleone, de Mario Monicelli  )




[1] O qual nada tem a ver com o famoso  estalo de Padre Antonio Vieira (Lisboa 1608-Bahia 1697), grande orador sacro, missionário e diplomata. 

Nenhum comentário: