Em diversos blogs, muitos deles tentando
desconstruir o Exército Islâmico, buscando
entendê-lo, devo confessar que nem sempre será fácil arquitetar
um discurso racional em torno desse movimento terrorista. Mas, deve-se
reconhecer, que a dificuldade em entender essa criação relativamente recente do
terror organizado, ela existe de forma concreta.
Se não há dúvida
que o ISIS constitui consequência da
revolução síria, revolução essa que por erro do Governo Obama se permitiu
descambasse para conflito de baixa intensidade, se pode considerar que essa
nova janela terrorista abriu-se pela negligência – se benigna ou maligna, é
difícil determinar – do Ocidente, que ensejou o surgimento de vácuo político na
parte oriental da Síria.
Com um mal
estabelecido – a ditadura de Bashar
al-Assad – não sei quem convenceu os países ocidentais que indiretamente
apoiavam a causa democrática, secundada pela Liga Árabe e pelas nações sunitas
do Golfo, que não existia maior risco em que se deixasse ou em fogo lento, ou
apodrecer a revolução contra a tirania alauíta de Damasco.
Os subprodutos
desta negligência supostamente benigna não deixaram de repontar, com os
profusos agradecimentos dos ditadores aliados de Bashar, v.g., Ali
Khamenei, do Irã, o seu cliente e dependente do Hezbollah, chefiado por Hassan
Nasrallah, e de nosso conhecido gospodin
Vladimir Putin, da Federação Russa.
Essa tríade tem grandes interesses na preservação de al-Assad. Khamenei, porque a derrubada do presidente sírio
enfraqueceria o campo xiita. O mesmo vale – e ainda mais – para Nasrallah
do Hezbollah, que perderia o seu grande aliado sírio, na prática por golpe quase mortal para a sua milícia
estabelecida no Líbano. E Putin,
presidente de todas as Rússias, que vem bancando Assad faz tempo, dele carece e
muito por causa do porto de Tartus no mar Mediterrâneo oriental,
que lhe proporciona base à saída do Mar Negro com suas águas quentes.
A Superpotência
e seus aliados já deveriam saber, que por esse estalo,[1]
nada de bom poderia surgir. O que apareceu – além do vazio estratégico que
acalentou o ISIS – foi uma espécie de
terra de ninguém e de espaço para
todas as pestes e epidemias. Como se sabe, o presidente Bashar al-Assad tem concepção um tanto peculiar no combate a forças
revolucionárias adversas. Como as reportagens da corajosa médica Annie Sparrow o demonstram em The
New York Review – e a que me tenho reportado por mais de uma vez – Assad não
se peja de valer-se do recurso às epidemias e às enfermidades como febre
tifóide, outras moléstias provindas da contaminação do esgoto e um vastíssimo
etcetera. Para ele, são válidos tais instrumentos
bélicos contra as populações que residam em área rebelde.
As condições nos
acampamentos, com a sua falta de higiene, escassez ou falta de medicamentos, a
par de ter visão no mínimo dúbia quanto à serventia de valer-se de tal tipo de
recurso, tudo isso forma o terreno propício para a propagação de enfermidades
que a medicina moderna, se provida dos meios necessários, não teria dificuldade
em manter tais terríveis males sob controle. Pena que a outra parte no conflito
não partilhe da mesma opinião.
Muita vez se
lê na mídia que há interesse da
ciência em preservar os virus ou micróbios que originaram as grandes
calamidades do gênero humano. Li há tempos que grupo de cientistas se empenhava
em exumar de ilha na Escandinávia corpos de homens e mulheres dizimados por um
dos derradeiros presentes da chamada Grande Guerra (que depois viraria Iª
Guerra Mundial): a chamada Gripe
Espanhola, que matou cerca de vinte milhões de pessoas. O escopo da
pesquisa seria o de conhecer mais sobre a letal enfermidade, e para tanto a
gelada terra escandinava apresentaria grande oportunidade para os cientistas.
Como nunca mais ouvi do projeto, ou ele gorou, ou teve êxito, e façamos votos
para que saibamos de tal sucesso da melhor maneira possível.
Semelha que
outra contribuição que a guerra civil na Síria estaria dando às gentes do
Oriente Médio seria o reaparecimento da poliomielite que teria repontado, por
força do inferno clínico deste conflito, da falta de higiene nos acampamentos
de refugiados e da descontinuação das vacinações contra esse antigo flagelo da
Humanidade, que vitimou no passado a tantos homens e mulheres, e dos quais um
dos mais ilustres foi quem a despeito da enfermidade e com graves sequelas,
lograria ser um dos maiores presidentes dos Estados Unidos, Franklin
Delano Roosevelt.
Antes da
revolução síria e sobretudo com a transformação do conflito no que ele é hoje,
a poliomielite desaparecera do mapa. Agora, ‘graças’ às condições extremamente
favoráveis criadas pela conflagração, ei-la de volta.
As últimas
notícias relativas ao Exército Islâmico são no mínimo consternadoras. Na Tunísia,
por via do Estado semifalido em que foi transformada a Líbia, verificou-se mais
um estúpido e brutal atentado contra banhistas ingleses (e de outras
nacionalidades européias) que fugindo do terrível verão britânico se tornaram
vítimas de atentado de brutal bestialidade. Terá bastado apenas um terrorista
com arma de repetição para dizimar os veranistas. Será assim tão difícil montar
dispositivo eficiente para proteger esta pobre gente que economiza o ano
inteiro para morrer na praia, ou em algum museu? Como não é a primeira vez que
tal barbaridade acontece, um mínimo de sentido prático e de respeito por
visitantes estrangeiros que trazem divisas para a Tunísia, deveria levar esse estado do Magreb a
esforçar-se no trabalho de deterrência e
proteção do estrangeiro amigo, se não querer virar deserto de turistas.
Mas
voltemos ao ISIS. Depois de deixar passar algumas semanas os soldados de Abu Bakr al-Baghdadi após tomar controle
de Palmyra, que dizer das ilusões de alguns acerca de atitude menos filistéia e
talvez o avanço em alguns séculos em consciência cultural ?
Infelizmente, não há lugar para otimismo. O ainda pior nesse cenário dantesco de
bestialidade animal, é que ele vem acoplado com o que Nelson Rodrigues chamaria de os idiotas da objetividade.
Palmyra era uma jóia da Humanidade. O péssimo
desses energúmenos é que a sua chefia se acredita esperta, capaz de
instrumentalizar o que reputam de desprezível apego por forma de idolatria que
se choca contra as lições do Profeta e de seus acólitos.
Embora a
arte e o espírito não sejam decididamente o seu forte, como assinalei em blog anterior, eles empregam a violência
como forma de divulgação e de reclame de o que tem à venda. Quero crer que como
ocorreu com as estátuas de pedra do Buda, que pelo seu tamanho estavam fora do
mercado, e assim os talibãs nada mais tinham que fazer senão destruí-las,
talvez a antiquíssima Palmyra coloque para esse novos vândalos o problema de
não ter nada que eles possam colocar no
mercado informal, e assim aumentar o caixa, que estaria em oito bilhões.
Para o
ISIS, estaria então combinado assim: no
Iraque, eles enfrentam as milícias xiitas, que até o momento não semelham terem
sido de grande valia; já no Curdistão iraquiano, se defrontam com os corajosos peshmerga, cujo
armamento ainda está muito abaixo daquele do Exército Islâmico.
Lá do
alto, os jatos americanos lançam bombas, muitas bombas. Os estragos se dizem
grandes, sobretudo nas instalações petrolíferas. Mas no amplo areal por que
circula o exército islâmico – em outras palavras, cá por baixo, quem dirá que
não são os senhores do pedaço?
Aviões,
foguetes, navios podem ser maravilhas da tecnologia, mas por ora ainda quem não
tem infantaria, só lhe resta observar de longe as suas reinações, eis que lhes
falta o básico em qualquer conflito: o domínio do terreno.
E
enquanto a poderosa coalizão que deveria fazer-lhes tanto medo, continua a
falar grosso de longe, e delega para enfrentar o ISIS um incrível exército Brancaleone, a caixa de
Al-Baghdadi vai seguir aumentando e o Patrimônio da Humanidade, diminuindo.
( Fontes: O que está
dentro das bombas, de Annie Sparrow, The New York Review ; l'Armata Brancaleone, de Mario Monicelli )
[1] O qual nada tem a ver com
o famoso estalo de Padre Antonio Vieira (Lisboa 1608-Bahia
1697), grande orador sacro, missionário e diplomata.
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