Este é o quinto
artigo publicado pelo blog acerca de
o que pretende ser o Califado do novo Estado Islâmico. Desta feita, a minha
fonte, Malise Ruthven se ocupa do Islam, tendo publicado recentemente
‘Encontros com o Islam’ e, anteriormente, ‘O Islam no Mundo’.
Para a matéria
tratada desta vez, ela se baseia em avaliação fundada em livro recentemente
publicado em Londres, de autoria de Abdel
Bari Atwan, sob o título ‘Estado Islâmico: O Califado digital’. Segundo se
refere, esse volume também sairá neste setembro, pela Universidade da
Califórnia.
É óbvia a
motivação para o interesse evidenciado com vistas a maior conhecimento do
Estado Islâmico. Não será todo dia que surja no mundo nova entidade política,
que malgrado o seu caráter reacionário – pois apesar de intitular-se Califado,
essa entidade caíra em desuso desde 1924, quando Mustafá Kemal, o líder da nova
Turquia, a aboliu formalmente, junto com o defunto Império Otomano – ela tem
até o momento, por uma conjunção de fatores, evidenciado, além de sucessos
tópicos e manifesta agressividade, a capacidade de atrair o proletariado
interno da Europa Ocidental e do Oriente Próximo.
Não obstante o
mencionado molde reacionário, o ISIS se tem valido de capacidade de adaptação
ao emprego de instrumentos digitais de que se serve na respectiva propaganda. A
contradição está na mensagem reacionária – o califado sunita – a qual emprega como meios de divulgação os
instrumentos da tecnologia digital.
Como
sublinha o livro de Atwan, a ressurgência do Islam, com o ataque às Torres
Gêmeas, desencadearia uma série de conflitos, o primeiro dos quais foi o do
Afeganistão. Com a eliminação pelos Focas
da Marinha americana de Osama bin
Laden, no seu derradeiro refúgio no
Paquistão, a cidade de Abbottabad, o
seu sucessor formal, Ayman al-Zawahiri se torna cada vez mais irrelevante. Com
efeito, para Abdel Bari Atwan, o verdadeiro
herdeiro é Abu Bakr al-Baghdadi, que, como se sabe, seria o real sucessor de
Bin Laden. Para Atwan, sendo o sombrio Califa do ISIS (Estado Islâmico) o “Comandante
dos Fiéis”, ele apresenta ameaça muito mais temível para o Ocidente e
os regimes do Oriente Médio (inclusive a Arábia Saudita) que se sustentam com
armas ocidentais, de o que implicou o próprio bin Laden
da caverna afegã ou do bucólico esconderijo na cidade paquistanesa.
Dentro do
formato de Arnold Toynbee, estamos, no que concerne ao mundo árabe,
sobretudo no espaço sírio, iraquiano, e de outros países menores, por uma luta
de estados sucessores. Seria o período de porfias entre países e movimentos
filiados às bandeiras em liça, de que, ao cabo, emergiria uma cultura ou
civilização, que os englobaria sob a ideologia vencedora.
Confrontam-se
as seitas sunita e xiita, e é das batalhas entre esses dois ramos do Islã que
sairá o sucessor desta guerra intestina.
Desse conflito, a Síria representou um paradigma, porque, sob direção alauíta (uma seita heteróclita próxima
aos xiitas) havia muitas outras crenças, como a majoritária sunita e a cristã.
Com a contestação da camada majoritária sunita ao regime autoritário dos al-Assad, quebrou-se o entendimento e a
relativa tolerância religiosa do sistema introduzido por Hafez al-Assad em
Damasco. A guerra civil síria, com a superação por Bashar al-Assad da direta
ameaça à sua queda, involuíu para conflito de baixa intensidade, em que a
radicalização sunita abriu através da al-Nusra
abriu espaço para o ISIS e o progressivo apodrecimento de um regime
autoritário, mas com concessões a minorias.
Dessarte, o
enfraquecimento do Estado alauíta dos al-Assad para o atual desastre no leste
da Síria, desastre esse que abriu espaço para o Isis ao norte, e para o horror epidemiológico a oriente, como
oportunamente descrito pelo blog.
Para Atwan,
uma das principais forças que possibilitam a formação do Estado Islâmico é a
aptidão digital do corpo operacional do ISIS. Para tanto, os seus técnicos se
valem da mídia social, com penetração em faixas de público jovem. Esse público
é acessado através dos portais da mídia – que é ocidental na tecnologia, mas
aberto na ideologia.
Os
celeiros demográficos do ISIS se acham junto ao chamado proletariado interno
das principais nacões ocidentais (Europa) que é de origem medio-oriental
(Magreb africano ou Turquia), e que não se sente plena e socialmente realizado
na Europa Ocidental. Em parte, seria a chamada racaille (ralé) do discurso do então Ministro do Interior Sarkozy, que
seria confinada aos subúrbios pela sua origem islâmica. É o atual proletariado interno da civilização
ocidental, proletariado esse que, em muitos casos, não se sente representado no
espaço político ocidental. Desse modo, o
afastamento psicológico do proletariado
interno – se reedita o que existia sob o tardo Império Romano – e daí a
terminologia de A. Toynbee – na realidade pelo seu ethos social e político está aberto para a dissidência, como se tem
comprovado pelas defecções para o ISIS.
Para que
se tenha ideia do tamanho presente do Estado Islâmico, assinale-se que
atualmente de sua ‘capital’ Raqqa domina faixa territorial quase
tão grande quanto a Inglaterra.
Nesse
contexto, Jürgen Todenhöfer, que transcorreu dez dias em áreas controladas pelo
Exército Islâmico, tanto no Iraque, quanto na Síria, observou de forma
categórica: “É preciso entender que o ISIS é agora uma nação”.
Se essa
assertiva pode ser contestada, o que Todenhöfer quis frisar é que o ISIS, nas áreas da Síria oriental e do Iraque
ocidental (que são contíguas), funciona hoje como um Estado.
Para
Atwan, o EI é uma bem dirigida
organização que combina eficiência
burocrática e experiência militar com uso sofisticado da tecnologia de
informática.
Abu
Bakr al-Baghdadi, por motivos sobretudo de segurança, raramente aparece
em público. É também conhecido com o
Fantasma (al-shabah), ou o xeque
invisível, por causa do hábito de usar máscara quando se dirige a seus comandantes. Note-se que isso também
pode ser imitação dos Imperadores Chineses, que davam as ordens
para seus alto funcionários por trás de biombos.
O seu
nome verdadeiro é Ibrahim bin Awwad bin Ibrahim al-Badri al-Qurayshi. Nasceu em
1971 na cidade iraquiana de Samarra, que, entre 750-1258, foi a sede dos
Califas do período Abbasida (750-1258).
Simbolicamente, a tribo Bobadri a qual ele pertence inclui a tribo de
Qurayshin, na sua linhagem (segundo a tradição clássica Sunita, o Califa deve
ser um Qurayshita).
Na
biografia de Baghdadi, transmitida on-line, e proporcionada pela agência al-Hayat da mídia do Exército Islâmico, ele pertence a família de
religiosos, que inclui diversos imans (líderes da oração) e expertos (scholars) do Alcorão. Al-Baghdadi terá cursado a Universidade
Islâmica de Bagdá, onde recebeu os seus diplomas de bacharel, mestre e doutor (Ph.D.), e versou a jurisprudência
islâmica bem como estudos de cultura e história islâmica.
Como assinala Abdel Bari Atwan,
que é conhecido jornalista árabe, as suas credenciais acadêmicas conferem
legitimidade à respectiva pretensão de ser guia religioso, bem como líder
político e militar – autoridade de que não dispunham nem bin Laden, nem Zawahri
– a sua extensa experiência em campos de batalha, e a reputação de ser tático
astuto, o habilitaram a ganhar o apoio de comandantes experientes e administradores
do antigo regime Baathista.
Ainda segundo Atwan, em janeiro de 2015, quando a aliança liderada pelos
Estados Unidos intensificou o bombardeio aéreo nos alvos do regime islâmico no
Iraque, o Conselho Militar decidiu remanejar
os seus esforços na direção da Síria. Os
combatentes no Iraque foram instruidos a se manterem inativos, com perfil
baixo, enquanto os batalhões e a células em hibernação na Síria foram
reativadas. Em resultado, o E.I. dobrou
o território sob seu controle na Síria, entre agosto de 2014 e Janeiro de 2015.
O Exército Islâmico se tem valido do apoio de ex-Baathistas. Céticos
podem duvidar da sua sinceridade, eis que sob Saddam apoiavam administração
laica. Entretanto, segundo Atwan, o mais provável é que o seu apoio ao ISIS
seja motivado por convicção religiosa, dada a anterior ascendência dos
detestados xias no Iraque. Voltariam agora para a sua fé sunita.
Que não se iludam, no entanto, aqueles que acreditarem na exortação do
Califa ‘me aconselhem quando eu errar’.
Com efeito, qualquer ameaça, oposição ou mesmo contradição, será erradicada de
forma instantânea.
Baghdadi tem dois alternos – ambos membros do antigo Partido Baath do
Iraque, sob Saddam Hussein. Ambos foram
seus companheiros no Acampamento Bucca, o extenso centro de detenção na
ocupação pelo Exército americano,
localizado no sul do Iraque. Hoje
esse campo de detenção é visto como uma espécie de universidade do jihad (guerra santa), em que antigos Baathistas e insurgentes sunitas teceram
laços ideológicos e religiosos.
Assim, Abu Muslim al-Turkmani,
que é o vice de Baghdadi, era membro da temida inteligência militar de Saddam.
O segundo vice de Baghdadi, Abu Ali
al-Anbari, era general de divisão no exército iraquiano.
( Fonte:
The New York Review of Books )
(a
continuar)
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