A História do Brasil teve
entrevistas determinantes, que afetaram a
maneira como ela seria escrita no futuro. Por exemplo, a dada por José Américo de Almeida ao jornalista Carlos Lacerda, publicada a 22 de
fevereiro de 1945, pelo Correio da Manhã, autorizada expressamente por Paulo Bittencourt, que, na prática, soou
o dobre da censura pelo DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda) de Lourival
Fontes [1] e iniciaria o processo da primeira queda do Presidente Getúlio Vargas.
Se hoje
vivemos em democracia, não há negar que entrevista como a dada por Dilma
Rousseff a três jornalistas da Folha de S. Paulo (Maria Cristina Frias,
Valdo Cruz e Natuza Nery) tampouco se insere no dia a dia da república. Por
primeira vez, a Presidente acede em conversar sobre os seus planos, como
evoluirá o respectivo mandato, além de medidas para ampliar o ajuste fiscal.
A mensagem
essencial dessa primeira entrevista no gênero – eis que, enquanto a questão a
ela se reporte, tal iniciativa não tem precedentes – é o que está estampado no
cabeçalho da Folha de hoje, terça-feira, sete de julho de 2015:
‘Eu não vou cair’, diz Dilma
Se são diversos os tempos, as
declarações da Presidente têm alguma semelhança com as de seu antecessor Fernando Collor, se não no infortúnio –
eis que a sorte neste caso não está selada – pelo menos no tom contestador de
alguém que, sentado na curul presidencial, vê crescer o alarido e as declarações da oposição, que
lhe pedem a cabeça.
Depois de
enjeitar por muito as conversas públicas com a mídia, ter-se-á sentido compelida a mudar de atitude, dado o seu
relativo mas inquietante isolamento, e tentar trazer à sociedade o que pensa e
o que pretende fazer.
Além do
encontro programado com Sila e Caríbdes
– relativas a duas sentenças de Tribunais, o Tribunal de Contas da União, e o
Tribunal Superior Eleitoral – e que se reportam, como é público e notório, de
um lado às chamadas Pedaladas Fiscais,
e de outro, a alegadas irregularidades nas contas eleitorais. O que semelha
mais inquietar Dilma Rousseff é a carência de afastar a suspeição de que ela vá
cair.
Nessa hora
extrema, em que se sente abandonada até pelo próprio criador, Dilma, como tábua
de salvação, se apega – como as garras de quem se vai afogando mandam para
baixo o corpo de quem se joga nas águas turbulentas para salvar a pessoa
ameaçada – ao voluntarismo e à própria biografia.
Colocada
diante do desafio extremo – e não há divisa mais frágil entre a ameaça à
própria existência nos porões da ditadura, e esse repto inesperado, que é a
possibilidade de que a sua reeleição, por vícios redibitórios que ela contesta,
venha a ser anulada – ela recorre ao
voluntarismo, que lhe valeu na juventude quando do sumo desafio da tortura e de
suas cruéis e rasgadas opções.
Não há
solidão maior de que o desafio que se transforma em processo político à pessoa
do(a) primeiro(a) magistrado(a) da República.
Dessarte,
não é por falta de apoios que Dilma Rousseff se singulariza. As próprias
características da ameaça tornam o apelo ao voluntarismo quase inelutável.
Diante de
males demasiado grandes, que a atingem e a singularizam, pelo mesmo processo o
círculo em seu torno tende a esgarçar-se. E muita vez não se trata de
mau-caratismo, que é típico de ratos e ratazanas, que cuidam de abandonar o
navio que vai fazendo água. Excluídos os familiares, diante das desgraças
excepcionais, como o desafio do gênero, mesmo os mais chegados se descobrem
constrangidos a não mencionar a questão. Dada a magnitude do problema – que é
reforçada pelo envolvimento da pessoa, o que tende a separá-la até das personalidades
mais próximas – o que também se coaduna com a hiper-relevância do cargo, há uma espécie de reação em cadeia, em que
vários fatores contribuem para exacerbar-lhe o isolamento.
Não se
surpreendam, portanto, os leitores quanto à situação. Por haver chegado tão
alto, as reações são próprias e exclusivas, condicionadas por condição que é
única, e tende a jogar suspicácias sobre
a maior parte das pessoas que se aventurem a cruzar essa terra de ninguém que o
destino criou à volta da Autoridade.
( Fontes: Folha de S. Paulo; “Getúlio
II 1930-1945, Lira Neto, Cia.
das Letras, 2013”.)
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