terça-feira, 7 de julho de 2015

A Entrevista de Dilma à Folha

                                     

        A História do Brasil teve entrevistas determinantes, que  afetaram a maneira como ela seria escrita no futuro. Por exemplo, a dada por José Américo de Almeida ao jornalista Carlos Lacerda, publicada a 22 de fevereiro de 1945, pelo Correio da Manhã, autorizada expressamente por Paulo Bittencourt, que, na prática, soou o dobre da censura pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) de Lourival Fontes [1] e iniciaria o processo da primeira queda do Presidente Getúlio Vargas

        Se hoje vivemos em democracia, não há negar que entrevista como a dada por Dilma Rousseff a três jornalistas da Folha de S. Paulo (Maria Cristina Frias, Valdo Cruz e Natuza Nery) tampouco se insere no dia a dia da república. Por primeira vez, a Presidente acede em conversar sobre os seus planos, como evoluirá o respectivo mandato, além de medidas para ampliar o ajuste fiscal.

        A mensagem essencial dessa primeira entrevista no gênero – eis que, enquanto a questão a ela se reporte, tal iniciativa não tem precedentes – é o que está estampado no cabeçalho da Folha de hoje, terça-feira, sete de julho de 2015:

                                         ‘Eu não vou cair’, diz Dilma

         Se são diversos os tempos, as declarações da Presidente têm alguma semelhança com as de seu antecessor Fernando Collor, se não no infortúnio – eis que a sorte neste caso não está selada – pelo menos no tom contestador de alguém que, sentado na curul presidencial, vê crescer  o alarido e as declarações da oposição, que lhe pedem a cabeça.

         Depois de enjeitar por muito as conversas públicas com a mídia, ter-se-á sentido compelida a mudar de atitude, dado o seu relativo mas inquietante isolamento, e tentar trazer à sociedade o que pensa e o que pretende fazer.

         Além do encontro programado com Sila e Caríbdes – relativas a duas sentenças de Tribunais, o Tribunal de Contas da União, e o Tribunal Superior Eleitoral – e que se reportam, como é público e notório, de um lado às chamadas Pedaladas Fiscais, e de outro, a alegadas irregularidades nas contas eleitorais. O que semelha mais inquietar Dilma Rousseff é a carência de afastar a suspeição de que ela vá cair.

          Nessa hora extrema, em que se sente abandonada até pelo próprio criador, Dilma, como tábua de salvação, se apega – como as garras de quem se vai afogando mandam para baixo o corpo de quem se joga nas águas turbulentas para salvar a pessoa ameaçada – ao voluntarismo e à própria biografia.

          Colocada diante do desafio extremo – e não há divisa mais frágil entre a ameaça à própria existência nos porões da ditadura, e esse repto inesperado, que é a possibilidade de que a sua reeleição, por vícios redibitórios que ela contesta, venha  a ser anulada – ela recorre ao voluntarismo, que lhe valeu na juventude quando do sumo desafio da tortura e de suas cruéis e rasgadas opções.

          Não há solidão maior de que o desafio que se transforma em processo político à pessoa do(a) primeiro(a) magistrado(a) da República.

          Dessarte, não é por falta de apoios que Dilma Rousseff se singulariza. As próprias características da ameaça tornam o apelo ao voluntarismo quase inelutável.

          Diante de males demasiado grandes, que a atingem e a singularizam, pelo mesmo processo o círculo em seu torno tende a esgarçar-se. E muita vez não se trata de mau-caratismo, que é típico de ratos e ratazanas, que cuidam de abandonar o navio que vai fazendo água. Excluídos os familiares, diante das desgraças excepcionais, como o desafio do gênero, mesmo os mais chegados se descobrem constrangidos a não mencionar a questão. Dada a magnitude do problema – que é reforçada pelo envolvimento da pessoa, o que tende a separá-la até das personalidades mais próximas – o que também se coaduna com a hiper-relevância do cargo,  há uma espécie de reação em cadeia, em que vários fatores contribuem para exacerbar-lhe o isolamento.

         Não se surpreendam, portanto, os leitores quanto à situação. Por haver chegado tão alto, as reações são próprias e exclusivas, condicionadas por condição que é única, e tende a jogar suspicácias  sobre a maior parte das pessoas que se aventurem a cruzar essa terra de ninguém que o destino criou à volta da Autoridade.

 

( Fontes: Folha de S. Paulo; “Getúlio II 1930-1945, Lira Neto, Cia. das Letras, 2013”.)   



[1] V. pp. 460, Getúlio, 2°  1930-1945, Lira Neto, Cia. das Letras.

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