sábado, 4 de julho de 2015

Calçadas cariocas


                                        

         Faz tempo, li em manual disponível nas sucursais do Detran,  que o motorista amador é obrigado a comparecer quando da renovação de sua carteira.

         O que deparei me ficou gravado na memória, porque havia ali assertiva que me surpreendeu pelo seu despropósito, eis que a tal frasezinha estava totalmente alienada da realidade.

          Antes que dela me ocupe, devo assinalar que esse tipo de afirmação oficial,  a qual parte do pressuposto de que basta editar uma norma qualquer para que ela não só entre em teórico vigor, mas também seja considerada efetivamente aplicada.

          Essa mentalidade do faz-de-conta é muito comum em Pindorama. Pode ser que esse vezo nos tenha sido passado pelo colonizador luso, desde o tempo das Ordenações Filipinas.  Segundo essa peculiar visão, o legislador, em qualquer nível que esteja, só tem a preocupar-se em pôr no papel as respectivas determinações e depois deixar a questão ao deus dará.

          Seria como escrever, aprovar e publicar uma norma – seja ela qual for, assim como venha de quem vier – que a dita autoridade não mais deva preocupar-se com a lei.

          No entanto, para que se entenda um pouco mais do meu espanto, o que eu então li foi o seguinte: o ciclista está obrigado a respeitar todas as leis do trânsito.

          Depois da perplexidade que me provocou a dita frase – a ponto de que a repeti uma ou duas vezes – não pude deixar de, incrédulo, menear a cabeça, diante da cínica negação da realidade carioca.

           Não se precisa demorar por muito em terras da Cidade Maravilhosa para que se saiba o quanto essa sentença está afastada da realidade.

           Pois o que acontece nessa mui leal e heróica cidade é justamente o contrário da tal frase.  Na verdade, e o seu comportamento o demonstra a todo momento, o ciclista não está obrigado a respeitar nenhuma das leis do trânsito.           

           Assim, não sei qual a intenção da autoridade municipal em fazer imprimir em seu manual de trânsito uma assertiva vazia como a que está à disposição dos cidadãos obrigados a atualizar os seus respectivos documentos no DETRAN.

           A circunstância de não se implementar esta norma – que é aplicável em outras terras civilizadas – não pode ser eludida com esse truquezinho do faz-de-conta.

           O abandono municipal no que tange à aplicação das regras de trânsito para os ciclistas seria de fácil implementação, se existisse a vontade política de zelar pela segurança do pedestre.

           Na atualidade, os ciclistas e os que utilizam  triciclos usam as calçadas como se fossem pistas de corrida. Até as bicicletas elétricas – cuja utilização cresce – se incluem nesse vale-tudo. Por outro lado, os ciclistas tampouco obedecem a mão das ruas.  Por isso, é muito comum topar com um que venha a toda pela contramão. Se não uma precaução usual do pedestre olhar para os dois lados de uma rua (quando ela é de uma só mão), a realidade pode ensiná-lo a tomar esse cuidado sempre que desejar atravessá-la.  Qual é o transeunte que no Rio não tenha topado com um ciclista que vinha pela contramão? 

             De que adiantam as desculpas de um ciclista na contramão, que atropela um pedestre que está atravessando o logradouro, e toma a precaução reflexa normal, que é a de olhar para a mão da rua?  Mas no Rio, pela desordem ciclista que se origina da falta da autoridade municipal, é mais do que aconselhável olhar para os dois lados, ao atravessar qualquer rua...

              Já mencionei neste blog a sensação de perigo experimentado ao ver-se passar pelo pedestre um ciclista jovem, que parecia estar disputando uma prova contra o relógio. A calçada, como há muitas no Rio, havia sido radicalmente ‘comida’ pelo avanço abusivo das grades dos edifícios a ponto de o pedestre ficar com um espaço bastante estreito para andar. E não é que, em dia de chuva (quando não se ouve tão bem uma bicicleta que vem à toda) esse ciclista (dentro do egoismo ilegal de quem prefere a segurança (para ele!) da calçada) passou a escassos centímetros de um choque, que me lançaria longe, com o que possa resultar desse atropelamento por um energúmeno movido a duas rodas. São aquelas passagens de raspão, que trazem para o pedestre a sensação de  estar seguro nas calçadas do Rio.

              Toda essa anarquia seria facilmente resolvível por providências pontuais do Senhor Prefeito Eduardo Paes. Ele pode pensar muito em Olimpíada – o que caracteriza a imposição do respeito à lei é característica que as autoridades são zelosas em cumprir quando há eventos internacionais em Pindorama (pensando, é claro, nos estrangeiros, no intuito de resguardar a imagem pátria).

              O caos ciclístico – e fenômenos correlatos, como os espaços abertos na orla nos domingos para os pedestres – é de fácil controle. Basta utilizar os guardinhas municipais para que façam cumprir as normas municipais, para salvaguarda e bem-estar de todos.

              E se houver muita resistência e má-vontade dos que se colocam fora da lei, a solução é prática e rendosa para a autoridade municipal mostrar ao que veio: instituir, como era aplicado nos bons velhos tempos, que todos os ciclistas (e triciclistas) deveriam ter os respectívos veículos munidos de plaquetas numeradas. Com isso, dois coelhos de uma só cajadada: mais renda para os cofres municipais, e melhor maneira de controlar a indisciplina dos ciclistas !   

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