Faz tempo, li
em manual disponível nas sucursais do Detran, que o motorista amador é obrigado a comparecer
quando da renovação de sua carteira.
O que deparei
me ficou gravado na memória, porque havia ali assertiva que me surpreendeu pelo
seu despropósito, eis que a tal frasezinha estava totalmente alienada da
realidade.
Antes que
dela me ocupe, devo assinalar que esse tipo de afirmação oficial, a qual parte do pressuposto de que basta
editar uma norma qualquer para que ela não só entre em teórico vigor, mas
também seja considerada efetivamente aplicada.
Essa mentalidade do faz-de-conta é muito
comum em Pindorama. Pode ser que esse vezo nos tenha sido passado pelo
colonizador luso, desde o tempo das Ordenações Filipinas. Segundo essa peculiar visão, o legislador, em
qualquer nível que esteja, só tem a preocupar-se em pôr no papel as respectivas
determinações e depois deixar a questão ao deus dará.
Seria como
escrever, aprovar e publicar uma norma – seja ela qual for, assim como venha de
quem vier – que a dita autoridade não mais deva preocupar-se com a lei.
No entanto,
para que se entenda um pouco mais do meu espanto, o que eu então li foi o
seguinte: o ciclista está obrigado a
respeitar todas as leis do trânsito.
Depois da
perplexidade que me provocou a dita frase – a ponto de que a repeti uma ou duas
vezes – não pude deixar de, incrédulo, menear a cabeça, diante da cínica
negação da realidade carioca.
Não se
precisa demorar por muito em terras da Cidade Maravilhosa para que se saiba o
quanto essa sentença está afastada da realidade.
Pois o que
acontece nessa mui leal e heróica cidade é justamente o contrário da tal
frase. Na verdade, e o seu comportamento
o demonstra a todo momento, o ciclista
não está obrigado a respeitar
nenhuma das leis do trânsito.
Assim, não
sei qual a intenção da autoridade municipal em fazer imprimir em seu manual de
trânsito uma assertiva vazia como a que está à disposição dos cidadãos
obrigados a atualizar os seus respectivos documentos no DETRAN.
A
circunstância de não se implementar esta norma – que é aplicável em outras
terras civilizadas – não pode ser eludida com esse truquezinho do faz-de-conta.
O abandono
municipal no que tange à aplicação das regras de trânsito para os ciclistas
seria de fácil implementação, se existisse a vontade política de zelar pela
segurança do pedestre.
Na
atualidade, os ciclistas e os que utilizam triciclos usam as calçadas como se fossem
pistas de corrida. Até as bicicletas elétricas – cuja utilização cresce – se incluem
nesse vale-tudo. Por outro lado, os ciclistas tampouco obedecem a mão das
ruas. Por isso, é muito comum topar com
um que venha a toda pela contramão. Se não uma precaução usual do pedestre
olhar para os dois lados de uma rua (quando ela é de uma só mão), a realidade
pode ensiná-lo a tomar esse cuidado sempre que desejar atravessá-la. Qual é o transeunte que no Rio não tenha
topado com um ciclista que vinha pela contramão?
De que adiantam as desculpas de um ciclista
na contramão, que atropela um pedestre que está atravessando o logradouro, e
toma a precaução reflexa normal, que é a de olhar para a mão da rua? Mas no Rio, pela desordem ciclista que se
origina da falta da autoridade municipal, é mais do que aconselhável olhar para
os dois lados, ao atravessar qualquer rua...
Já
mencionei neste blog a sensação de
perigo experimentado ao ver-se passar pelo pedestre um ciclista jovem, que
parecia estar disputando uma prova contra o relógio. A calçada, como há muitas
no Rio, havia sido radicalmente ‘comida’ pelo avanço abusivo das grades dos
edifícios a ponto de o pedestre ficar com um espaço bastante estreito para
andar. E não é que, em dia de chuva (quando não se ouve tão bem uma bicicleta
que vem à toda) esse ciclista (dentro do egoismo ilegal de quem prefere a
segurança (para ele!) da calçada) passou a escassos centímetros de um choque,
que me lançaria longe, com o que possa resultar desse atropelamento por um
energúmeno movido a duas rodas. São aquelas passagens de raspão, que trazem
para o pedestre a sensação de estar seguro
nas calçadas do Rio.
Toda
essa anarquia seria facilmente resolvível por providências pontuais do Senhor
Prefeito Eduardo Paes. Ele pode pensar muito em Olimpíada – o que caracteriza a
imposição do respeito à lei é característica que as autoridades são zelosas em
cumprir quando há eventos internacionais em Pindorama (pensando, é claro, nos
estrangeiros, no intuito de resguardar a imagem pátria).
O caos
ciclístico – e fenômenos correlatos, como os espaços abertos na orla nos
domingos para os pedestres – é de fácil controle. Basta utilizar os guardinhas
municipais para que façam cumprir as normas municipais, para salvaguarda e
bem-estar de todos.
E se
houver muita resistência e má-vontade dos que se colocam fora da lei, a solução
é prática e rendosa para a autoridade municipal mostrar ao que veio: instituir,
como era aplicado nos bons velhos tempos, que todos os ciclistas (e
triciclistas) deveriam ter os respectívos veículos munidos de plaquetas
numeradas. Com isso, dois coelhos de uma só cajadada: mais renda para os cofres
municipais, e melhor maneira de controlar a indisciplina dos ciclistas !
Nenhum comentário:
Postar um comentário