sexta-feira, 17 de julho de 2015

Na Casa de Dona Corrupção


                          

         Desafia a imaginação a amplitude da corrupção no Brasil. A falta de princípios éticos se vai tornando a norma geral da elite dominante.

         Neste momento de descalabro, se tem a impressão de que o ético, o honesto constituem a exceção.

          O Brasil – felizmente – não foi incluído em concurso para determinar o quão honesto (ou não) é uma determinada nacionalidade.

          Vários países participaram  neste teste ético, entre eles os Estados Unidos, a Alemanha, Suiça e França. Uma pequena bolsa de viagem contendo valores, objetos úteis e pequenos aparelhos de uso comum foi colocada em diversos locais de grande movimento de uma cidade em cada um desses países (a lista acima incluía outras nacionalidades).

           Procurou-se estabelecer de forma random (ao acaso)  o grau de honestidade dos povos respectivos.  Ao serem restituídas,  algumas voltaram vazias, outras com artigos faltando e somente uma reapareceu intata. Não pude determinar qual o país da  hiper-honestidade, em que a bolsinha de viagem (denominada nécessaire na França) foi devolvida intata. Sei, no entanto, que no caso da Suíça,  não se confirmou a fama de seus nacionais: faltavam alguns artigos  quando a bolsa foi devolvida !

           Os brasileiros, assim como os mexicanos, seriam quiçá excluídos desse concurso, e semelha óbvia a razão. Muitos dos outros povos por onde passam têm essas duas nacionalidades sob conceito de excessiva esperteza, que está no limite da desonestidade.

           As generalizações costumam ser injustas, sobretudo para os que são por elas atingidos, mas tais classificações, por mais aleatórias que sejam, elas existem. No Brasil, estão fundadas na informalidade de nossa gente, informalidade essa que admite dois caminhos assaz diversos.

           O que está ora ocorrendo em Pindorama foge de qualquer tentativa de classificação. Um partido, uma vez chegado ao poder, decidiu por força de sua principal liderança de apropriar-se do bem público, como se a força política majoritária, ao assumir o mando, teria visão patrimonialista ao extremo desses próprios nacionais. Sem significar o que pretendia Luis XIV ao declarar  O Estado sou eu![1] , o PT de Lula e, posteriormente, de Dilma apropriou-se do Estado. Se não gritou a plenos pulmões, que o Estado é o Presidente, não há menor dúvida –  apesar de desconhecerem a assertiva do Rei Sol – que tivessem uma visão bastante mais abrangente da declaração.

           O medo que Lula sente de ser preso, como refere Ricardo Noblat, terá razões bastante tangíveis. O velho dito de quem não deve, não teme, aqui se aplicaria a contrario sensu.

            A Lava-Jato está funcionando como uma espécie de catarse nacional. Não surpreende que o Vice-Presidente Michel Temer afirme que as ações policiais abalam a “tranquilidade institucional”. Mas essa ‘tranquilidade institucional’ que se fundamenta sobre o ‘faz de conta’ seria, apenas, postura de avestruz, a qual não se pode admitir.

              Nos Estados Unidos, ninguém está acima da lei. Lá, de nenhum governador, senador ou deputado, se ouvirá a frase da camada dominante no Brasil: ‘Sabe com quem está falando?’

               Esta frase não é dita na democracia americana, porque há outra impregnada na consciência de todos os americanos: ninguém está acima da lei. E por isso, com exceção do Presidente da República, nenhuma outra autoridade goza de foro privilegiado. Se descumprir a lei, a cadeia é o seu destino.

                Por mais poderoso que seja o político, se houver motivo bastante para considerá-lo fora da lei, a autoridade judicial dispõe do poder necessário – sem pedir licença a ninguém – para decretar-lhe a prisão preventiva.

                Não há nada que mais garanta a democracia do que o respeito à Lei. E tal respeito se insere na obediência à norma. Excluído o juiz competente na matéria, não há intermediários para ensejar que alguns sejam mais iguais do que os outros, ou que haja diversos tipos de cidadão, como disse Lula da Silva para livrar o Senador José Sarney.

               A norma jurídica carece de ser observada, e quanto mais alta a autoridade, maior a razão para que ela seja cumprida.

               Veja-se um pequeno, mas significativo exemplo. Anomia existe se há um juiz  que não obedeça à injunção de qualquer norma, como se estivesse acima da lei. No Supremo, os processos podem ter a tramitação suspensa por quinze dias, se o magistrado  solicitar-lhe vista.  Não diz pouco da anomia existente em nossa terra que um juiz peça vista de processo, e o retenha na gaveta, não por duas semanas, como lhe é facultado, mas, a exemplo de o que ocorreu com o Ministro Gilmar Mendes, por 409 dias!

                 A corrupção tem muitas modalidades, O desrespeito à norma jurídica que a define só pode existir pela falência, total ou parcial, do poder do Estado que a proíbe, sob penas severas, fundado nas premissas do Pacto social republicano.

                 Assim, ninguém se pode valer da própria autoridade com o fim do enriquecimento próprio. A autoridade é republicana, e só existe para o Povo e pelo Povo. Ninguém se pode valer do bem público para fins privados, sem a contrapartida exigida de toda a Sociedade.

                 Dessarte, quando se contempla um emaranhado de fios, na realidade verdadeira floresta de ligações elétricas clandestinas, o crime cometido pela autoridade competente que prevarica será o vergonhoso espelho do Estado fraco que não faz cumprir a Lei e ainda convive com a contravenção.

                 E não se engane quem convive com esse emaranhado de ligações perigosas e ilegais, e nela veja justiça social. Como o câncer que corrói a sociedade civil, a generalizada corrupção – instalada no Poder, não importa se com séria catadura, ou expressão zombeteira – não pode prevalecer nem permanecer onde está, pois ela é a contradição  da essência mesmo da República.
                          
                   Calçado o coturno das enfáticas afirmações, o Vice-Presidente Michel Temer adentra o palco com sofreguidão do principiante – que não é – para declarar que operações da Polícia Federal abalam ‘tranquilidade institucional’!

                   Quem não deve, Senhor Temer, não teme!

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo)  



[1] L’État c’est moi !

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