Desafia a imaginação a amplitude
da corrupção no Brasil. A falta de princípios éticos se vai tornando a norma
geral da elite dominante.
Neste momento
de descalabro, se tem a impressão de que o ético, o honesto constituem a
exceção.
O Brasil –
felizmente – não foi incluído em concurso para determinar o quão honesto (ou
não) é uma determinada nacionalidade.
Vários
países participaram neste teste ético,
entre eles os Estados Unidos, a Alemanha, Suiça e França. Uma pequena bolsa de
viagem contendo valores, objetos úteis e pequenos aparelhos de uso comum foi
colocada em diversos locais de grande movimento de uma cidade em cada um desses
países (a lista acima incluía outras nacionalidades).
Procurou-se
estabelecer de forma random (ao
acaso) o grau de honestidade dos povos
respectivos. Ao serem restituídas, algumas voltaram vazias, outras com artigos
faltando e somente uma reapareceu intata. Não pude determinar qual o país da hiper-honestidade, em que a bolsinha de viagem
(denominada nécessaire na França) foi
devolvida intata. Sei, no entanto, que no caso da Suíça, não se confirmou a
fama de seus nacionais: faltavam alguns artigos
quando a bolsa foi devolvida !
Os
brasileiros, assim como os mexicanos, seriam quiçá excluídos desse concurso, e
semelha óbvia a razão. Muitos dos outros povos por onde passam têm essas duas
nacionalidades sob conceito de excessiva esperteza, que está no limite da
desonestidade.
As
generalizações costumam ser injustas, sobretudo para os que são por elas
atingidos, mas tais classificações, por mais aleatórias que sejam, elas
existem. No Brasil, estão fundadas na informalidade de nossa gente,
informalidade essa que admite dois caminhos assaz diversos.
O que está
ora ocorrendo em Pindorama foge de qualquer tentativa de classificação. Um
partido, uma vez chegado ao poder, decidiu por força de sua principal liderança
de apropriar-se do bem público, como se a força política majoritária, ao
assumir o mando, teria visão patrimonialista ao extremo desses próprios nacionais.
Sem significar o que pretendia Luis XIV ao declarar ‘O
Estado sou eu!’[1] , o PT de Lula e,
posteriormente, de Dilma apropriou-se do Estado. Se não gritou a plenos
pulmões, que o Estado é o Presidente, não há menor dúvida – apesar de
desconhecerem a assertiva do Rei Sol –
que tivessem uma visão bastante mais abrangente da declaração.
O medo que Lula
sente de ser preso, como refere Ricardo
Noblat, terá razões bastante tangíveis. O velho dito de quem não deve, não
teme, aqui se aplicaria a contrario
sensu.
A Lava-Jato
está funcionando como uma espécie de catarse nacional. Não surpreende que o Vice-Presidente
Michel Temer afirme que as ações policiais abalam a “tranquilidade
institucional”. Mas essa ‘tranquilidade institucional’ que se fundamenta sobre
o ‘faz de conta’ seria, apenas, postura de avestruz, a qual não se pode
admitir.
Nos Estados Unidos, ninguém está
acima da lei. Lá, de nenhum governador, senador ou deputado, se ouvirá a frase
da camada dominante no Brasil: ‘Sabe com quem está falando?’
Esta
frase não é dita na democracia americana, porque há outra impregnada na
consciência de todos os americanos: ninguém
está acima da lei. E por isso, com exceção do Presidente da República,
nenhuma outra autoridade goza de foro privilegiado. Se descumprir a lei, a
cadeia é o seu destino.
Por
mais poderoso que seja o político, se houver motivo bastante para considerá-lo
fora da lei, a autoridade judicial dispõe do poder necessário – sem pedir
licença a ninguém – para decretar-lhe a prisão preventiva.
Não há
nada que mais garanta a democracia do que o respeito à Lei. E tal respeito se
insere na obediência à norma. Excluído o juiz competente na matéria, não há
intermediários para ensejar que alguns sejam mais iguais do que os outros, ou
que haja diversos tipos de cidadão, como disse Lula da Silva para livrar o
Senador José Sarney.
A norma
jurídica carece de ser observada, e quanto mais alta a autoridade, maior a
razão para que ela seja cumprida.
Veja-se
um pequeno, mas significativo exemplo. Anomia existe se há um juiz que não obedeça à injunção de qualquer norma,
como se estivesse acima da lei. No Supremo, os processos podem ter a tramitação
suspensa por quinze dias, se o magistrado solicitar-lhe vista. Não diz pouco da anomia existente em nossa
terra que um juiz peça vista de processo, e o retenha na gaveta, não por duas
semanas, como lhe é facultado, mas, a exemplo de o que ocorreu com o Ministro
Gilmar Mendes, por 409 dias!
A
corrupção tem muitas modalidades, O desrespeito à norma jurídica que a define
só pode existir pela falência, total ou parcial, do poder do Estado que a
proíbe, sob penas severas, fundado nas premissas do Pacto social republicano.
Assim, ninguém se pode valer da própria autoridade com o fim do
enriquecimento próprio. A autoridade é republicana, e só existe para o Povo e pelo
Povo. Ninguém se pode valer do bem público para fins privados, sem a contrapartida
exigida de toda a Sociedade.
Dessarte, quando se contempla um emaranhado de fios, na realidade
verdadeira floresta de ligações elétricas clandestinas, o crime cometido pela
autoridade competente que prevarica será o vergonhoso espelho do Estado fraco
que não faz cumprir a Lei e ainda convive com a contravenção.
E não se engane quem convive com esse
emaranhado de ligações perigosas e ilegais, e nela veja justiça social. Como o
câncer que corrói a sociedade civil, a generalizada corrupção – instalada no
Poder, não importa se com séria catadura, ou expressão zombeteira – não pode
prevalecer nem permanecer onde está, pois ela é a contradição da essência mesmo da República.
Quem
não deve, Senhor Temer, não teme!
( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo)
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