Por decisão do Presidente
Barack Obama, ao assumir a Casa Branca, em janeiro de 2009, concedeu-se à
Administração Bush uma espécie de anistia branca. Preocupado em não dividir o
país, através da denúncia daquelas pessoas e mesmo entidades que participaram
ativamente em ações de apoio e sustentação a prática abominável – que é a
tortura – o Governo Obama se pautou por não responsabilizar penalmente o seu
antecessor George W. Bush.
Se
tal orientação era certa ou errada, ainda semelha talvez demasiado cedo para
opinar. No entanto, a Administração Obama, ao não desejar atuar judicialmente
contra seu antecessor nessa matéria, criou
condições para que não só os torcionários da CIA não tivessem as suas ações,
por mais reprováveis que hajam sido, de alguma forma questionadas, mas também o
infame suporte da cultura dessa prática
abominável, que sói ser confundida ou com a Idade Média, ou com as prisões
anteriores à vinda do Iluminismo.
Com
efeito, malgrado a libertária Revolução
Francesa e suas sucedâneas no mundo, essa mais do que censurável atitude pôde
de alguma forma ainda encontrar guarida em plagas do Ocidente, posto que seja
mais encontradiça no Oriente e em terras antes havidas como bárbaras.
Arnold
Toynbee, na sua grande obra “Um Estudo da História” desenvolveu a
conhecida teoria do desafio e reposta
que muita vez sela o destino de uma civilização. Assim, dentro de qualquer civilização
podemos encontrar várias culturas e modos consequentes de responder a desafios
determinados.
O
Iluminismo que é, na verdade, um pluri-fenômeno surgiu apropriadamente no Século das Luzes, e repercutiu com sua
cultura de liberdade e de respeito ao homem de várias formas na civilização
ocidental.
E
não só se manifestou na França da Revolução, mas também na Inglaterra – que
soubera contornar os movimentos de sublevação com respostas tópicas
apropriadas. Já na Itália, os novos tempos também surgiram, mas tiveram a ação
condicionada por uma diferente realidade política, com o Papa-Rei nas áreas centrais da bota italiana, o Reino das duas
Sicílias ao Sul, e ao norte, o Grão-Ducado da Toscana, Piemonte, Milão e para o
lado do Adriático, a República de Veneza, além de outros pequenos domínios.
Em
Milão, o Iluminismo está presente com Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria. Ele
é o autor da célebre obra “Dos Delitos e das Penas”. Neste livro – em que o acompanham, como
influências, o pensamento de Montesquieu, Diderot, Rousseau e Bouffon - Beccaria se coloca contra a pena de morte, e
prega a proporcionalidade entre a pena e o crime. Por isso, ele ataca a violência e a
arbitrariedade da Justiça.
Se
tivermos presente a resposta dada pela Administração Bush ao magno desafio
representado pelo ataque terrorista de Osama ben-Laden às Torres Gêmeas do World Trade Center será forçoso
reconhecer que o terrorista chefe da al-Qaida, apesar das perseguições e
prisões sofridas por seu grupo, perseguições essas que mais tarde levariam à
própria eliminação física de ben-Laden e de sua família, teriam como réplica[1] em
resultado principal a adoção pela Superpotência, na Administração Bush, de resposta em que os Estados Unidos
transformaram Guantánamo em uma prisão e centro de torturas. Em seguida, houve
duas guerras movidas pelos Estados Unidos. A primeira contra o Afeganistão, no
que seria a primeira busca do principal responsável pelo ataque terrorista de
onze de setembro de 2001.
Mais
tarde, sob o pretexto forjado que Saddam Hussein apoiara o ataque às Torres
Gêmeas, Bush iniciou guerra contra o Iraque, que, se abateria o regime
baathista e rapidamente ‘conquistaria’ o Iraque, no que representou um enganoso
sucesso, depois se voltaria contra os Estados Unidos, ao dar origem a um brutal
prejuízo para Washington. No fim de contas, ao investir contra os moinhos de
vento de Don Quixote e as armas de Saddam de destruição em massa, em breve se
comprovou que a superpotência adentraram um pântano, com irrupção metastática
de um novo Vietnam consubstanciado nos colossais prejuízos causados pela
aventura preconizada pelos
neo-conservadores e seus sonhos de petróleo e democracia em terra árabe.
O
inexperiente Presidente George Bush encontraria no Iraque um enorme Vietnam. Os
conselhos do Vice-Presidente Dick Cheney e do Secretário da Defesa, Donald
Rumsfeld, além das visões otimistas dos neoconservadores tampouco
frutificariam.
Assim como Augusto, já em idade provecta para a época, clamaria em vão
para o seu general Quinctilius Varus e as três legiões perdidas diante das
hordas germânicas, a aventura no Iraque representou enganoso buraco sem fundo
(começado no porta-aviões Abraham Lincoln e o cartaz de ‘Missão Cumprida’ que se transformaria em piada de mau-gosto com
dispêndios de bilhões de dólares). E o legado do Iraque foi o chamado declínio, essa sensação evocativa de
pré-decadência, como na obra de Spengler, o predecessor de Toynbee, denominada
de Decadência
do Ocidente. Publicada logo depois da Iª Grande Guerra, refletia o
baque sentido pela Alemanha, com a derrota e o chamado Ditado de Versailles.
Como
se sabe, o governo Bush ao implantar a sua réplica ao desafio do terror, com o
recurso à tortura, desenvolveu a própria peculiar resposta com o emprego da CIA,
não só na aplicação das sessões de incrementados (enhanced) interrogatórios, que eram a diáfana veste da
tortura, mas também nos indispensáveis rendition sites (sítios de destino),
cedidos por ‘países amigos’ para sediar a prisão e a tortura de suspeitos
árabes de terrorismo.
O
emprego da tortura, na verdade, careceria de outros instrumentos, uns como
salvaguarda jurídica, outros que
buscariam aporte na comunidade dos psicólogos.
O
primeiro era o jurídico. O próprio
George Bush timbraria em afirmar que não favorecia tortura, nem o que os prisioneiros de Tio Sam
recebiam em prisões como Abu Ghraib, ou nas rendition
da Polônia, ou na prisão de Guantánamo
Bay era tortura! Por mais que suas frases se vestissem com a negativa: ‘eu não
sou um torturador’ e assertivas similares, a repetição não diluía a impressão
contrária. Como maldição, ela caía sobre os ombros dele e da respectiva
Administração.
Assim, o núcleo jurídico destinado a trazer a tortura e o torcionário
para a sala de visitas da Administração, encontrando fórmulas jurídicas urdidas
por advogados e/ou procuradores para viabilizar o seu emprego maciço sem
supostamente incorrer na maldição implícita no termo. Para tanto foram
preparados memoranda para justificá-la, ou então para camuflá-la de fantasias
que tentavam negar a sua realidade.
Bush lograria o suporte jurídico não com John Ashcroft, o seu primeiro Attorney General (Procurador Geral) mas
com Alberto
González, que sucedeu a Ashcroft depois de janeiro de 2005, e com os
famigerados memoranda da tortura de John
Yoo. Esses documentos, redigidos pelo dito advogado John Yoo davam suposto
embasamento jurídico para as enhanced
practices of interrogation.
Por
fim, em sua busca por justificar o injustificável, a Administração Bush bateu
na porta da ‘American Psychological Association’ e logrou que a A.P.A. se prestasse a dar o necessário
apoio psicológico para os torcionários.
Como ressalta editorial do New
York Times, em resultado do trabalho investigativo do conhecido jornalista James Risen do The Times, um relatório de antigo promotor federal revela detalhes
perturbadores. Ele descobriu que membros da cúpula da Associação Psicológica
Americana se puseram de acordo com funcionários do Pentágono e da CIA para
manter a ética política do grupo alinhada com as táticas que estivessem
empregando os interrogadores, trabalhando
para a Agência e os militares.
Em momento quando os funcionários de Inteligência e Departamento de
Defesa estavam desesperados por obter informações que lhes permitissem barrar
novos planos terroristas, os dois órgãos do Governo estavam dispostos a pagar
regiamente os expertos que pudessem dar ao programa da tortura um verniz de
legitimidade. Proeminentes psicólogos
estavam aparentemente felizes em atender-lhes.
Como
afirma o relatório do antigo promotor federal o ‘arreglo’ seria o seguinte: A A.P.A.
(Associação Americana de Psicologia) escolheu a sua política de ética baseada
no objetivo de ajudar o Departamento de Defesa, enquanto cuidavam de suas
relações públicas e maximizavam o desenvolvimento de sua atividade profissional.”
( Fonte:
The New York Times )
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