domingo, 12 de julho de 2015

A Luz Verde dos Psicólogos à Tortura

                             

                  Por decisão do Presidente Barack Obama, ao assumir a Casa Branca, em janeiro de 2009, concedeu-se à Administração Bush uma espécie de anistia branca. Preocupado em não dividir o país, através da denúncia daquelas pessoas e mesmo entidades que participaram ativamente em ações de apoio e sustentação a prática abominável – que é a tortura – o Governo Obama se pautou por não responsabilizar penalmente o seu antecessor George W. Bush.

                  Se tal orientação era certa ou errada, ainda semelha talvez demasiado cedo para opinar. No entanto, a Administração Obama, ao não desejar atuar judicialmente contra  seu antecessor nessa matéria, criou condições para que não só os torcionários da CIA não tivessem as suas ações, por mais reprováveis que hajam sido, de alguma forma questionadas, mas também o infame  suporte da cultura dessa prática abominável, que sói ser confundida ou com a Idade Média, ou com as prisões anteriores à vinda do Iluminismo.

                  Com efeito,  malgrado a libertária Revolução Francesa e suas sucedâneas no mundo, essa mais do que censurável atitude pôde de alguma forma ainda encontrar guarida em plagas do Ocidente, posto que seja mais encontradiça no Oriente e em terras antes havidas como bárbaras.

                   Arnold Toynbee, na sua grande obra “Um Estudo da História” desenvolveu a conhecida teoria do desafio e reposta que muita vez sela o destino de uma civilização. Assim, dentro de qualquer civilização podemos encontrar várias culturas e modos consequentes de responder a desafios determinados.

                   O Iluminismo que é, na verdade, um pluri-fenômeno surgiu apropriadamente no Século das Luzes, e repercutiu com sua cultura de liberdade e de respeito ao homem de várias formas na civilização ocidental.

                   E não só se manifestou na França da Revolução, mas também na Inglaterra – que soubera contornar os movimentos de sublevação com respostas tópicas apropriadas. Já na Itália, os novos tempos também surgiram, mas tiveram a ação condicionada por uma diferente realidade política, com o Papa-Rei nas áreas centrais da bota italiana, o Reino das duas Sicílias ao Sul, e ao norte, o Grão-Ducado da Toscana, Piemonte, Milão e para o lado do Adriático, a República de Veneza, além de outros pequenos domínios.

                   Em Milão, o Iluminismo está presente com Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria. Ele é o autor da célebre obra “Dos Delitos e das Penas”.  Neste livro – em que o acompanham, como influências, o pensamento de Montesquieu, Diderot, Rousseau e Bouffon -  Beccaria se coloca contra a pena de morte, e prega a proporcionalidade entre a pena e o crime.  Por isso, ele ataca a violência e a arbitrariedade da Justiça.

                  Se tivermos presente a resposta dada pela Administração Bush ao magno desafio representado pelo ataque terrorista de Osama ben-Laden às Torres Gêmeas do World Trade Center será forçoso reconhecer que o terrorista chefe da al-Qaida, apesar das perseguições e prisões sofridas por seu grupo, perseguições essas que mais tarde levariam à própria eliminação física de ben-Laden e de sua família, teriam como réplica[1] em resultado principal a adoção pela Superpotência, na Administração Bush, de  resposta em que os Estados Unidos transformaram Guantánamo em uma prisão e centro de torturas. Em seguida, houve duas guerras movidas pelos Estados Unidos. A primeira contra o Afeganistão, no que seria a primeira busca do principal responsável pelo ataque terrorista de onze de setembro de 2001.

                  Mais tarde, sob o pretexto forjado que Saddam Hussein apoiara o ataque às Torres Gêmeas, Bush iniciou guerra contra o Iraque, que, se abateria o regime baathista e rapidamente ‘conquistaria’ o Iraque, no que representou um enganoso sucesso, depois se voltaria contra os Estados Unidos, ao dar origem a um brutal prejuízo para Washington. No fim de contas, ao investir contra os moinhos de vento de Don Quixote e as armas de Saddam de destruição em massa, em breve se comprovou que a superpotência adentraram um pântano, com irrupção metastática de um novo Vietnam consubstanciado nos colossais prejuízos causados pela aventura  preconizada pelos neo-conservadores e seus sonhos de petróleo e democracia em terra árabe.

                  O inexperiente Presidente George Bush encontraria no Iraque um enorme Vietnam. Os conselhos do Vice-Presidente Dick Cheney e do Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, além das visões otimistas dos neoconservadores tampouco frutificariam.

                   Assim como Augusto, já em idade provecta para a época, clamaria em vão para o seu general Quinctilius Varus e as três legiões perdidas diante das hordas germânicas, a aventura no Iraque representou enganoso buraco sem fundo (começado no porta-aviões Abraham Lincoln e o cartaz de ‘Missão Cumprida’ que se transformaria em piada de mau-gosto com dispêndios de bilhões de dólares). E o legado do Iraque foi o chamado declínio, essa sensação evocativa de pré-decadência, como na obra de Spengler, o predecessor de Toynbee, denominada de Decadência do Ocidente. Publicada logo depois da Iª Grande Guerra, refletia o baque sentido pela Alemanha, com a derrota e o chamado Ditado de Versailles.       

                   Como se sabe, o governo Bush ao implantar a sua réplica ao desafio do terror, com o recurso à tortura, desenvolveu a própria peculiar  resposta com o emprego da CIA,  não só na aplicação das sessões de incrementados (enhanced) interrogatórios, que eram a diáfana veste da tortura,  mas também nos indispensáveis rendition sites (sítios de destino), cedidos por ‘países amigos’ para sediar a prisão e a tortura de suspeitos árabes de terrorismo. 

                  O emprego da tortura, na verdade, careceria de outros instrumentos, uns como salvaguarda jurídica, outros que buscariam aporte na comunidade dos psicólogos.

                  O primeiro era o jurídico. O próprio George Bush timbraria em afirmar que não favorecia  tortura, nem o que os prisioneiros de Tio Sam recebiam em prisões como Abu Ghraib, ou nas rendition da Polônia, ou  na prisão de Guantánamo Bay era tortura! Por mais que suas frases se vestissem com a negativa: ‘eu não sou um torturador’ e assertivas similares, a repetição não diluía a impressão contrária. Como maldição, ela caía sobre os ombros dele e da respectiva Administração.     

                  Assim, o núcleo jurídico destinado a trazer a tortura e o torcionário para a sala de visitas da Administração, encontrando fórmulas jurídicas urdidas por  advogados e/ou procuradores  para viabilizar o seu emprego maciço sem supostamente incorrer na maldição implícita no termo. Para tanto foram preparados memoranda para justificá-la, ou então para camuflá-la de fantasias que tentavam negar a sua realidade.

                    Bush lograria o suporte jurídico não com John Ashcroft, o seu primeiro Attorney General (Procurador Geral) mas com Alberto González, que sucedeu a Ashcroft depois de janeiro de 2005, e com os famigerados memoranda da tortura de John Yoo. Esses documentos, redigidos pelo dito advogado John Yoo davam suposto embasamento jurídico para as enhanced practices of interrogation.

                   Por fim, em sua busca por justificar o injustificável, a Administração Bush bateu na porta da ‘American Psychological Association’ e logrou que a A.P.A. se prestasse a dar o necessário apoio psicológico para os torcionários.

                   Como ressalta editorial do New York Times, em resultado do trabalho investigativo do conhecido jornalista James Risen do The Times, um relatório de antigo promotor federal revela detalhes perturbadores. Ele descobriu que membros da cúpula da Associação Psicológica Americana se puseram de acordo com funcionários do Pentágono e da CIA para manter a ética política do grupo alinhada com as táticas que estivessem empregando os interrogadores,  trabalhando para a Agência e os militares.

                     Em momento quando os funcionários de Inteligência e Departamento de Defesa estavam desesperados por obter informações que lhes permitissem barrar novos planos terroristas, os dois órgãos do Governo estavam dispostos a pagar regiamente os expertos que pudessem dar ao programa da tortura um verniz de legitimidade.  Proeminentes psicólogos estavam aparentemente felizes em atender-lhes.

                     Como afirma o relatório do antigo promotor federal o ‘arreglo’ seria o seguinte: A A.P.A. (Associação Americana de Psicologia) escolheu a sua política de ética baseada no objetivo de ajudar o Departamento de Defesa, enquanto cuidavam de suas relações públicas e maximizavam o desenvolvimento de sua atividade profissional.”                 

 

( Fonte:  The New York Times )



[1] A ser entendida, dentro da teoria de Toynbee, como a ‘resposta’ a um desafio determinado.

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