segunda-feira, 2 de março de 2015

Putin e a Morte de Nemtsov

                                      

          Quando cairá a ficha da eliminação de Boris Nemtsov? A sua oposição ao Presidente Vladimir Putin era inegável e muitos vêem na sua denúncia da guerra da Ucrânia como uma agravante no que concerne ao Kremlin.

           A comparação do dia está na liquidação da jornalista Anna Politovskaya, e a sua cobertura crítica da guerra na Tchetchênia. No Ocidente, muitos colocaram o cui prodest? [1] na soleira de Vladimir Vladimirovich.

           No entanto, a questão mereceu mais de um julgamento. Os possíveis responsáveis estão no campo anônimo dos executores.

           No caso da grande jornalista, estava igualmente presente o assassínio por encomenda (contract killing). A diferença é que a Politovskaya a abateram sozinha no modesto saguão de seu prédio residencial, enquanto Nemtsov foi alvejado em procedimento análogo, mas não estava só, pois o acompanhava a namorada ucraniana Anna Duritskaya.

           O local, no entanto, não podia ser mais público, dada a proximidade do Kremlin e da basílica de São Basílio, conquanto  tráfico e  público estivessem condicionados pelas altas horas da madrugada.

           O temor da mãe – e a sua atribuição a Putin – foram transmitidos por entrevista aqui referida de Nemtsov, que preferiu pautar-se pelo nobre ceticismo das vítimas.

           A violência desse Oeste sofisticado costuma trajar as capas cinzentas dos assassinos profissionais. É rastro mais difícil, que torna mais complicadas as buscas e mais obscuras as pistas.

           No entanto, a suspicácia é incômoda e difícil de ignorar. A incrível observação de Viktor Zolotov (então chefe da guarda pessoal de Putin, e hoje Ministro do Interior para Yevgeniy Murov (chefe do Serviço Secreto Russo) de que há gente demais para ser morta ([2]) já sublinha, contudo, as intricâncias da questão e a dificuldade de determinar responsabilidades.

            Infelizmente, a perda da oposição é grande. Posto que Nemtsov, na contestação ao presidente, não tivesse ultimamente o relevo de Aleksei Navalnyi, o seu curriculum e a direção que vinha imprimindo às críticas (a guerra de Putin contra a Ucrânia), além de incomodar o poder, prometia trazer mais elementos para determinar a responsabilidade do Kremlin quanto à continuação do conflito, mesmo depois da anexação da Criméia.

            O burburinho da marcha, os sessenta mil manifestantes que a polícia, mais preocupada com a contenção das reações, preferiu estimar em menos de vinte mil (e assim autorizá-la, pois estaria dentro da quota oficial dos cinquenta mil), não teve outra novidade que a detenção de deputado ucraniano por causa da camisa que dizia ‘Os heróis não morrem’...

            Por enquanto semelha difícil prognosticar uma crise mais prolongada. Na Rússia dos últimos tempos, este magnicídio é mais uma pedra tumular no caminho de gospodin Putin. Se terá outras consequências, além de manifestações no Ocidente e eventuais sanções, é ainda cedo para prognosticar.

            Em Roma como no mundo helênico, os harúspices e adivinhos pediam mais tempo ou então se escondiam em ambíguos versos da Ilíada.

 

( Fontes:  O  Globo, Karen Dawisha )



[1] A quem aproveita
[2] V. Karen Dawisha, Putin’s Kleptocracy, pp. 308/309.

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