sábado, 21 de março de 2015

O Brasil é mesmo o país do futuro ?


                       

       Está hoje olvidado o menosprezo do general de Gaulle – expresso ao tempo da chamada guerra da lagosta – quanto ao Brasil, e à circunstância de não ser, a seu critério, um país sério.

       Infelizmente, no entanto, o juízo do velho general contínua a merecer análise e reflexão. Por muito tempo, fomos o país do café e do carnaval. Nos anos quarenta, a imagem brasílica se via associada ao periquito Zé Carioca, idealizado por Walt Disney, e à Carmen Miranda, a única brasileira[1] com o seu estro e turbante de frutas tropicais a popularizar a nossa terra em Hollywood e nos Estados Unidos.

        O Brasil, decerto, já avançou bastante em relação tanto aos anos quarenta quanto sessenta do século XX, mas ainda projeta imagens disparatadas. Não ajuda decerto ao ego nacional que, malgrado seja (ou, melhor, fosse) o país do futebol e ainda do carnaval, vem patinando ultimamente na corrida dos PIBs.  Depois de fugaz estada no sexto lugar, já caímos para sétimo, e com o passo lento dos últimos tempos, seremos ultrapassados pela Índia.

        Não faz muito, Edward Said, sábio palestino que emigrara para os Estados Unidos, nos caracterizara como país non-descript[2], e nos comparou nesse contexto à Nigéria.  Não creio que se estivesse vivo hoje, persistiria em colocar-nos ao lado da Nigéria, tal a crise que atravessa esta grande nação africana, com o Boko Haram. Quanto à corrupção, no entanto, os parâmetros não muito se diferenciam, com o infame Petrolão.

         Por sua vez, não esqueçamos o pobre Stefan Zweig, que no tempo do Presidente Getúlio Vargas, nos enalteceu com o livro “Brasil país do futuro”. Escritor de grande voga e mesmo, sucesso no seu tempo, Zweig, arranchado na bucólica Petrópolis, não suportou a então perspectiva do triunfo do mal personificado pelo nazismo de Adolf Hitler, e o alheamento do exílio em ultramar, que recente biografia intenta explicar[3].

         Terminamos o mandato de JK com muito gás, não só pela construção de Brasília, o que nos libertou da sina de caranguejos que nos perseguia desde a colônia, mas que deixaria um legado ambíguo, não só com a inflação, mas também com a ebulição política, que nos conduziria aos vinte e dois anos da chamada ‘Redentora’, que foi o quanto durou a ditadura militar no Brasil. Por coincidência, decerto não interessante, o fascismo de Benito Mussolini teve na Itália a mesma duração.[4]

         Vencida a inflação com o Plano Real, e com os bons ventos na economia dos governos Lula – foi o tempo também da criação do acrônimo Bric[5]. O otimismo desse tempo, respaldado pela boa performance econômico-financeira do Brasil, fez Lula falar mais grosso, embora erros anteriores e posteriores tiraram um pouco do panache  do presidente Lula et al.

             Hoje estamos pagando a húbris de Lula ao tirar de seu colete a própria candidata, que apropriadamente os nordestinos chamariam de a mulher do Lula. O processo que o Brasil está enfrentando na atualidade  pode ser considerado uma decorrência de erros insanáveis no passado recente. O mensalão, que pensávamos fosse um processo atípico, se revelaria um signo de outros escândalos, notadamente o maior de todos, que é o petrolão, vale dizer, a instrumentalização pela corrupção partidária da nossa maior empresa, a Petróleo Brasileiro S.A. Não foi para isso que Getúlio Vargas, já às vésperas de que a direita furibunda o tentasse apear do poder, ao que respondeu com o gesto mais nobre e peregrino dos governantes brasileiros, vale dizer o sacrifício da própria vida pelo povo e a Constituição. Com isso, Vargas não só entrou na História, mas afirmou os direitos do Povo, arrebatando da aliança oportunista entre militares e a direita o domínio sobre os destinos da nacionalidade.    

             Dilma Rousseff não estava preparada para levar avante o projeto Brasil. Hoje ela paga não só pelos próprios erros (a gestão temerária do primeiro mandato, que trouxe de volta a inflação, além de pôr em suspenso o crescimento sustentado de nossa terra), senão pelos maus passos de seu mestre (e não me refiro aqui à circunstância de havê-la indicado, o que fez menos pelas suas qualidades do que pela expectativa de poder controlá-la no futuro), entre os quais está o sinistro esquema da Petrobrás para fins outros do que os de sua razão social.

             Nessa encruzilhada, o Brasil poderia aproveitar a oportunidade para ser passado a limpo. Dentre os projetos, está a ridícula pulverização partidária. A estulta decisão do Supremo barrando o caminho de que se procedesse à limpeza das cavalariças de Augeas também entre os partidos carece de ser revista e com urgência. Não pretendamos ler na Constituição Cidadã mais do que nela está escrito.  Tudo que vai contra o bom-senso carece de ser afastado, escoimado.

             Como assinala com grande oportunidade o editorial de hoje da Folha de S. Paulo – Arroubo orçamentário – o Brasil carece de pôr um cobro à multiplicação das legendas. Neste momento, existem 32 partidos no Brasil. Além de implicar em inúteis gastos (que saem do Erário público) e de forçar os cidadãos a ter o seu espaço televisivo continuamente atravessado – com inanes programas de partidos que representam pouco mais do que  si próprios - , o erro do Supremo se dilata e pesa ainda mais no orçamento, com o tropel da sopa de letras em que se transformou o compêndio dos partidos acreditados.

               Como se não bastasse o espetáculo pouco condizente com um país sério no desfile de candidatos à presidência (que na verdade pouco mais representam do que si próprios) nos rituais debates promovidos pelas redes televisivas.  Acaso, a Alemanha não é uma grande democracia?  Lá existe a regra de que um partido que não atinja 5% da votação nacional, perde o direito de ter os respectivos eleitos participantes do Bundestag. Tal, por exemplo, foi o destino dos liberais na ultima  eleição . No futuro, não lhes é vedada a tentativa de lograr preencher o requisito (como já ocorreu no passado)

                O que não se pode suportar é esse arremedo de democracia multitudinária, em que a sopa das letras cresce quase sem limite (a única barreira até o presente parece existir quando o novo partido apresente um grande nome, que porventura ameace os redutos do PT), sob os olhares quiçá enfarados dos senhores ministros do Tribunal Superior Eleitoral.  Pois a sentença do Supremo que abriu caminho a qualquer legenda, sob o dúbio pretexto de que não se pode restringir o acesso dos eventuais partidos ao concurso democrático, esqueceu ao prolatar tal ditame o feérico cartaz do bom senso.

                 O editorialista da Folha não ousa cruzar o Rubicão de uma alegada sensatez. Continua-se com os portões abertos para os novos partidos, como se a representação por legenda se multiplicasse infinitamente.  Propõe, ao invés, uma cláusula de desempenho “a fim de que agremiações pouco representativas tenham direito a pouquíssimo tempo de TV e acesso limitadíssimo ao fundo partidário.”

                 E acrescenta, ao final: “Fizeram o contrário, contudo, reforçando a percepção de que, no Brasil, criar partidos é sempre um ótimo negócio.”

                  Há um limite, até mesmo para o nefasto ‘jeitinho brasileiro’. A rediscussão do tema do número de partidos políticos, é a insânia dos pretendentes que, sem qualquer ligação à lógica e à ideologia vai transformando o Brasil em termos de eleições em um monstro caricato, em que, malgrado o eleitor, todos têm direito a estabelecer um partido, desde que cumpram com as regras da burocracia. Venham todos ao grande banquete dos apaniguados da política. Bastar ter bons despachantes e limitar-se à mediocridade (ou ao oportunismo) para que se abram as portas do registro partidário.

                 Se com isso vai à breca o bom-senso e a nossa imagem no estrangeiro, semelha importar muito pouco.

                 Estaremos condenados a ser os campeões do ridículo e às teses da ultra-democracia – que na verdade escarnecem da política e desmoralizam a sopa das letras das agremiações partidárias ?

 

( Fonte:  Folha de S. Paulo )



[1] Posto que portuguesa de nascimento.
[2] Non-descript – sem maiores qualidades, de não-fácil classificação.
[3] George Prochnik, ‘The impossible exile’ Stefan Zweig at the end of the World, 390pp., New York, Other Press, 2014.
[4] No Brasil, as coisas em geral se resolvem sem sangue (o suicídio de Getúlio Vargas é uma exceção). Na Itália, a soberba fascista terminaria em Piazzale Loreto, com o fuzilamento pelos partiggiani do ex-Duce e da amante, Clara Petacci.
[5] Brasil, Rússia, India e China. Depois se acrescentaria, por critérios não-econômicos, a União Sul-Africana.

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