Está hoje olvidado
o menosprezo do general de Gaulle – expresso ao tempo da chamada guerra da lagosta – quanto ao Brasil, e
à circunstância de não ser, a seu critério, um
país sério.
Infelizmente,
no entanto, o juízo do velho general contínua a merecer análise e reflexão. Por
muito tempo, fomos o país do café e do carnaval. Nos anos quarenta, a imagem
brasílica se via associada ao periquito Zé Carioca, idealizado por Walt Disney,
e à Carmen Miranda, a única brasileira[1]
com o seu estro e turbante de frutas tropicais a popularizar a nossa terra em
Hollywood e nos Estados Unidos.
O Brasil,
decerto, já avançou bastante em relação tanto aos anos quarenta quanto sessenta
do século XX, mas ainda projeta imagens disparatadas. Não ajuda decerto ao ego
nacional que, malgrado seja (ou, melhor, fosse) o país do futebol e ainda do
carnaval, vem patinando ultimamente na corrida dos PIBs. Depois de fugaz estada no sexto lugar, já
caímos para sétimo, e com o passo lento dos últimos tempos, seremos
ultrapassados pela Índia.
Não faz muito,
Edward Said, sábio palestino que emigrara para os Estados Unidos, nos
caracterizara como país non-descript[2], e nos comparou nesse
contexto à Nigéria. Não creio que se
estivesse vivo hoje, persistiria em colocar-nos ao lado da Nigéria, tal a crise
que atravessa esta grande nação africana, com o Boko Haram. Quanto à corrupção,
no entanto, os parâmetros não muito se diferenciam, com o infame Petrolão.
Por sua vez,
não esqueçamos o pobre Stefan Zweig, que no tempo do Presidente Getúlio Vargas,
nos enalteceu com o livro “Brasil país do futuro”. Escritor de grande voga e
mesmo, sucesso no seu tempo, Zweig, arranchado na bucólica Petrópolis, não
suportou a então perspectiva do triunfo do mal personificado pelo nazismo de
Adolf Hitler, e o alheamento do exílio em ultramar, que recente biografia
intenta explicar[3].
Terminamos o
mandato de JK com muito gás, não só pela construção de Brasília, o que nos
libertou da sina de caranguejos que nos perseguia desde a colônia, mas que
deixaria um legado ambíguo, não só com a inflação, mas também com a ebulição
política, que nos conduziria aos vinte e dois anos da chamada ‘Redentora’, que
foi o quanto durou a ditadura militar no Brasil. Por coincidência, decerto não
interessante, o fascismo de Benito Mussolini teve na Itália a mesma duração.[4]
Vencida a
inflação com o Plano Real, e com os bons ventos na economia dos governos Lula –
foi o tempo também da criação do acrônimo Bric[5]. O
otimismo desse tempo, respaldado pela boa performance econômico-financeira do
Brasil, fez Lula falar mais grosso, embora erros anteriores e posteriores
tiraram um pouco do panache do presidente Lula et al.
Hoje
estamos pagando a húbris de Lula ao
tirar de seu colete a própria candidata, que apropriadamente os nordestinos
chamariam de a mulher do Lula. O
processo que o Brasil está enfrentando na atualidade pode ser considerado uma decorrência de erros
insanáveis no passado recente. O mensalão, que pensávamos fosse um processo
atípico, se revelaria um signo de outros escândalos, notadamente o maior de
todos, que é o petrolão, vale dizer, a instrumentalização pela corrupção
partidária da nossa maior empresa, a Petróleo Brasileiro S.A. Não foi para isso
que Getúlio Vargas, já às vésperas de que a direita furibunda o tentasse apear
do poder, ao que respondeu com o gesto mais nobre e peregrino dos governantes
brasileiros, vale dizer o sacrifício da própria vida pelo povo e a
Constituição. Com isso, Vargas não só entrou na História, mas afirmou os
direitos do Povo, arrebatando da aliança oportunista entre militares e a
direita o domínio sobre os destinos da nacionalidade.
Dilma
Rousseff não estava preparada para levar avante o projeto Brasil. Hoje ela paga
não só pelos próprios erros (a gestão temerária do primeiro mandato, que trouxe
de volta a inflação, além de pôr em suspenso o crescimento sustentado de nossa
terra), senão pelos maus passos de seu mestre (e não me refiro aqui à
circunstância de havê-la indicado, o que fez menos pelas suas qualidades do que
pela expectativa de poder controlá-la no futuro), entre os quais está o
sinistro esquema da Petrobrás para fins outros do que os de sua razão social.
Nessa
encruzilhada, o Brasil poderia aproveitar a oportunidade para ser passado a
limpo. Dentre os projetos, está a ridícula pulverização partidária. A estulta
decisão do Supremo barrando o caminho de que se procedesse à limpeza das
cavalariças de Augeas também entre os partidos carece de ser revista e com
urgência. Não pretendamos ler na Constituição Cidadã mais do que nela está escrito. Tudo que vai contra o bom-senso carece de ser
afastado, escoimado.
Como
assinala com grande oportunidade o editorial de hoje da Folha de S. Paulo –
Arroubo orçamentário – o Brasil carece de pôr um cobro à multiplicação das legendas.
Neste momento, existem 32 partidos no Brasil. Além de implicar em inúteis
gastos (que saem do Erário público) e de forçar os cidadãos a ter o seu espaço
televisivo continuamente atravessado – com inanes programas de partidos que
representam pouco mais do que si
próprios - , o erro do Supremo se dilata e pesa ainda mais no orçamento, com o
tropel da sopa de letras em que se transformou o compêndio dos partidos
acreditados.
Como se
não bastasse o espetáculo pouco condizente com um país sério no desfile de
candidatos à presidência (que na verdade pouco mais representam do que si
próprios) nos rituais debates promovidos pelas redes televisivas. Acaso, a Alemanha não é uma grande
democracia? Lá existe a regra de que um
partido que não atinja 5% da votação nacional, perde o direito de ter os
respectivos eleitos participantes do Bundestag. Tal, por exemplo, foi o destino
dos liberais na ultima eleição . No
futuro, não lhes é vedada a tentativa de lograr preencher o requisito (como já
ocorreu no passado)
O que
não se pode suportar é esse arremedo de democracia multitudinária, em que a
sopa das letras cresce quase sem limite (a única barreira até o presente parece
existir quando o novo partido apresente um grande nome, que porventura ameace
os redutos do PT), sob os olhares quiçá enfarados dos senhores ministros do
Tribunal Superior Eleitoral. Pois a
sentença do Supremo que abriu caminho a qualquer legenda, sob o dúbio pretexto
de que não se pode restringir o acesso dos eventuais partidos ao concurso
democrático, esqueceu ao prolatar tal ditame o feérico cartaz do bom senso.
O
editorialista da Folha não ousa cruzar o Rubicão de uma alegada sensatez.
Continua-se com os portões abertos para os novos partidos, como se a
representação por legenda se multiplicasse infinitamente. Propõe, ao invés, uma cláusula de desempenho “a
fim de que agremiações pouco representativas tenham direito a pouquíssimo tempo
de TV e acesso limitadíssimo ao fundo partidário.”
E
acrescenta, ao final: “Fizeram o contrário, contudo, reforçando a percepção de
que, no Brasil, criar partidos é sempre um ótimo negócio.”
Há
um limite, até mesmo para o nefasto ‘jeitinho brasileiro’. A rediscussão do
tema do número de partidos políticos, é a insânia dos pretendentes que, sem qualquer
ligação à lógica e à ideologia vai transformando o Brasil em termos de eleições
em um monstro caricato, em que, malgrado o eleitor, todos têm direito a
estabelecer um partido, desde que cumpram com as regras da burocracia. Venham
todos ao grande banquete dos apaniguados da política. Bastar ter bons
despachantes e limitar-se à mediocridade (ou ao oportunismo) para que se abram
as portas do registro partidário.
Se
com isso vai à breca o bom-senso e a nossa imagem no estrangeiro, semelha
importar muito pouco.
Estaremos condenados a ser os campeões do ridículo e às teses da
ultra-democracia – que na verdade escarnecem da política e desmoralizam a sopa
das letras das agremiações partidárias ?
( Fonte: Folha de S. Paulo )
[1] Posto que portuguesa de
nascimento.
[2] Non-descript – sem maiores
qualidades, de não-fácil classificação.
[3] George Prochnik, ‘The impossible exile’ Stefan
Zweig at the end of the World, 390pp., New York, Other Press, 2014.
[4] No Brasil, as coisas em
geral se resolvem sem sangue (o suicídio de Getúlio Vargas é uma exceção). Na
Itália, a soberba fascista terminaria em Piazzale Loreto, com o fuzilamento
pelos partiggiani do ex-Duce e da
amante, Clara Petacci.
[5] Brasil, Rússia, India e
China. Depois se acrescentaria, por critérios não-econômicos, a União
Sul-Africana.
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