segunda-feira, 30 de março de 2015

Fornada Noturna

                               

Declaração de Levy

 

         Pelo visto, o Planalto preferiu não cair no sensacionalismo da Folha. Ao invés de convocar o Ministro da Fazenda para uma repreensão em regra, a Presidente preferiu baixar os decibéis de sua reação.

         Encarregou, segundo reporta o Estado de S. Paulo, o ministro Mercadante para transmitir a Joaquim Levy a irritação presidencial.

         Ricardo Noblat, no seu artigo das 2ªs. feiras, registra as diversas observações de Levy que, por divergiram da linha governamental, mereceram chamadas da Presidenta.

         Para defender-se, o Ministro alegou que suas palavras foram retiradas do contexto. A avaliação do Palácio do Planalto, segundo refere o Estadão, é que tal tipo de discurso, vindo do principal Ministro da área econômica e responsável por sanear as contas públicas do País, dificulta as negociações em torno do ajuste fiscal.

        Compreende-se, por conseguinte, que Dilma tenha ficado irritada e mesmo indignada ao tomar ciência de mais esta observação crítica do Ministro Levy.

         Nesse contexto, um membro da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) – o suplente José Serra – de que a audiência com Levy está marcada para amanhã, afirmou: “Do ponto de vista político, a fala do Ministro é temerária: ironiza a presidente em público.  Isso corrói ainda mais a credibilidade do governo a que pertence.”

         Por outro lado, o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF), igualmente integrante da CAE disse que perdeu o cargo de ministro da Educação por haver criticado o governo de forma mais branda de o que fez Levy. “Fui dizer coisas desse tipo sobre o Lula, sem citar o nome dele, e acabei caindo”. Na verdade, Lula faltou com o respeito ao então companheiro de partido, demitindo-o pelo telefone. Não obstante, é outra a importância de Joaquim Levy dentro da atual constelação política e os muitos percalços da administração Dilma II.

 

Entrevista de Frei Betto ao Estadão

 

          Expressão da antiga corrente do PT igrejeiro, Frei Betto não esconde o seu desencanto. Se reconhece que se assiste “ao começo do fim. O PT tende a virar um arremedo do PMDB”, em meio às suas declarações, se percebe ainda que bate o coração do velho militante que tem dificuldade em reconhecer que o destino do Partido dos Trabalhadores venha a ser  o que em momentos de desalento venha a admitir.

         Dessarte, frisa: “não tivemos em doze anos nenhuma reforma de estrutura, nenhuma daquelas prometidas nos documentos originais do PT. Nem a agrária, nem a tributária, nem a política. E aí poderíamos acrescentar nem a da educação, nem a urbana.  Em suma, o que falta ao governo – e desde 2003 – é planejamento estratégico.”

         A análise de Frei Betto desvela o militante do PT igrejeiro, com viés marcado de esquerda, que não se conforma com a evolução – ou involução – do PT transformado em governo.  “O grave do governo do PT – tendo sido construído e consolidado pelos movimentos sociais – foi ao chegar ao Planalto, ter preferido assegurar a governabilidade com o mercado e com o Congresso e escantear os movimentos sociais. Hoje, eles são tolerados ou, como no caso da UNE e da CUT, manipulados, invertendo o seu papel. Com isso, o PT ficou refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias. Agora o seu grande aliado, o PMDB, se rebela, cria – com a perdão da expressão- uma cunha renana (meu o grifo) para asfixiar o Executivo. (A saída é) o PT ser fiel às suas origens. Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Ou seja, o segmento organizado, consciente e politizado da nação brasileira. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB.”

        E frisa,  na parte relativa aos movimentos sociais que seria ainda possível recuperar a imagem do partido. Ao concordar com o papel fundamental dos movimentos para tal recuperação, Frei Betto afirma: “O PT precisa sair da posição de bicho acuado em que se colocou.  O partido, até hoje, não declarou se os envolvidos no mensalão são inocentes ou culpados; o partido, até hoje, não declarou se ele, que governa o Brasil, e, portanto, a Petrobrás, tem ou não responsabilidade na devassa que está sendo feita na maior empresa brasileira.” E numa alusão clara à corrupção que campeia no governo, “hoje me pergunto: onde estão os líderes do PT que, aos fins de semana, voltam para as favelas e periferias?  Onde estão os líderes do PT que não tiveram um assombroso aumento de seu patrimônio familiar durante esses anos, a ponto de não se sentirem mais à vontade em uma assembleia de sem-teto, em uma aldeia indígena, em um fim de semana em um quilombola? Onde estão eles?  Existem. São raros. Não vou citar nomes, mas tenho profundo respeito por militantes e dirigentes do PT que são muito coerentes com aquele PT originário. Mas, infelizmente, eles são exceção.”

        A entrevista de Frei Betto é importante sob vários aspectos. Primo, por desvelar os objetivos de sua corrente, a do PT igrejeiro, que teve muita importância nos albores do partido. Secondo, por reconhecer a corrupção – embora evite o termo – sem perder aquela inabalável fé no planejamento estratégico, que continua a fazer falta. E Terzo,ao lamentar o desaparecimento de “um projeto de Brasil minimamente emancipatório, como era o Fome Zero”, observa que “ próprio governo que o criou o matou, substituindo-o por um programa compensatório chamado Bolsa Família  - que é bom, mas não tem caráter emancipatório”.

        A feição romântica do Fome Zero faz Frei Betto louvá-lo, mas esse programa foi abandonado por problemas de gestão e não realização dos fins que se propunha o governo do PT. Já a Bolsa Família, ainda retirada do seu contexto, tornou-se um projeto de poder, com as consequências conhecidas, como o próprio mapa da votação do último pleito presidencial tende a demonstrá-lo.

        Diga-se, por fim, que por sua integridade e franqueza, as declarações de Frei Betto  constituem documento relevante para entender-se e aprofundar-se muitas coisas, inclusive a abissal distância entre os fins do PT igrejeiro e os do atual partido do poder e no poder.

 

( Fontes:  O Estado de S. Paulo, O Globo )

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