Existem três partes na guerra da
Ucrânia, guerra essa de que Kiev não é a causadora, mas a vítima. Não há
dúvidas de que o agressor é a Federação Russa, sob a direção de Vladimir Putin.
O que ele pretende, além de enfraquecer o vizinho, resta a determinar.
Vítima da
corrupção do governo filo-russo de Viktor
Yanukovich, escorraçado pela rebelião da Praça Maidan, infelizmente este mais importante país dos o que os russos
chamam ominosamente de estrangeiro
próximo (a política e os objetivos do Kremlin
variam segundo tal cercania) registra duas fraquezas principais: (a) a sorte
madrasta de uma série de administrações corruptas e (b) tradicional
displicência quanto às províncias orientais, de fala russa.
Como se a
Ucrânia devesse ser castigada pela sua opção majoritária de preferir o Ocidente
(i.e., a União Europeia) ao invés da
União aduaneira de gospodin Putin, a
série de falsos movimentos autônomos, orquestrada por Moscou, constitui a
solução autoritária, modelo de entre-guerras (reporto-me aos ditadores Benito Mussolini e Adolf Hitler) que o cleptocrata
e ex-KGB (V. Putin’s Kleptocracy, de Karen Dawisha)[1] já
deu vários indícios de admirar e até imitar.
Petro Poroshenko foi eleito
democraticamente, vencendo a rival Yulia
Timoshenko, que Yanukovich, decerto inspirado pelo mestre russo, fizera condenar à
longa reclusão por um juiz de primeira instância. À Timoshenko de nada valeu o
singular elogio do Senhor do Kremlin (que a definira como o único homem com quem tratara no governo
anterior da Ucrânia – ela era então Primeiro Ministro).
Poroshenko,
que é um oligarca oriundo da região oriental, só pode ser responsabilizado
pelo Ocidente por causa da rebelião separatista e de outras desgraças na
Ucrânia, se utilizarmos a vara de mensurar de mestre Putin.
Através das
porosas fronteiras ucranianas, os
separatistas de Donetz e adjacências haviam recebido orientação e, sobretudo,
armas dos irmãos russos. Esse processo é endêmico naquela área – quando da
derrota do tzar Nicolau II, já irrompera nessa cidade um projeto independentista,
que foi esmagado pela tropa soviética, então sob a chefia de Leon
Trotski. Desta vez, seja pela fraqueza do governo interino de Kiev,
seja pela assistência dos ‘voluntários’ russos, criou-se o núcleo que
justificaria o ingresso de mais tropas e equipamentos de Moscou.
No entanto, no
ano passado, o ataque mais grave contra a soberania da Ucrânia foi a invasão da
Crimeia (que em 1954 Nikita Krushev transferira, dentro
da União Soviética, para o governo de Kiev). A movimentação russa funcionou
como experimento, tanto no plano tático, quanto naquele político. Precedida por
soldados não-uniformizados, a tomada da península foi rápida, sendo seguida em
curto espaço de tempo por um plebiscito fajuto (o uso do adjetivo é proposital,
para sublinhar a grosseria dos métodos empregados). Em coisa de mês, estava
tudo acertado, inclusive com o Senado russo aprovando a anexação. O próprio
arremedo de referendo tinha redação confusa, e falta de fiscais que lhe
atestassem a legalidade. Mais parecia eleição argelina, cujas totais
partidários eram conhecidos de antemão, inclusive com o requinte dos
percentuais exatos... Nada disso impediu esta gritante afronta ao Direito
Internacional Público e à regra pacta sunt servanda[2]. Nesse
aspecto, tanto o Itamaraty, que Dilma conseguiu o que nem os militares tinham
perpetrado, vale dizer, se prestar a validar tal afronta. A militante
ignorância petista e da atual Presidenta, ao enfraquecer princípio básico de
nossas fronteiras, terá mandado às favas o trabalho da diplomacia brasileira,
que sempre foi de Estado, na lição
dos diplomatas do Império e do Barão do Rio Branco.
A estripulia
de Putin, contudo, lhe sairia mal, não só pelas inúmeras sanções ad hominem da diplomacia americana, mas
também pela colaboração de Bruxelas. Até hoje, a lei internacional não se
aplica na Crimeia, nem tampouco essa península é servida pelas linhas aéreas
internacionais.
Mas o
presidente russo é homem pertinaz e, por
causa de sanções, não foge à luta.
Através dos chamados acordos de Minsk,
se sucede uma série de supostas tréguas, que não tem detido o invasor russo, nem
os bem-armados rebeldes, mas apenas lhes dado certo floreio legal para o seu
plano de assenhorear-se da parte oriental da Ucrânia, máxime aquela próxima da
Crimeia.
Se nos
afastarmos do dia-a-dia, forçoso é reconhecer que o plano de Putin por ora se
afigura com clara – posto que constrangedora – vantagem.
O exército ucraniano
não está equipado para enfrentar o poderio russo. Esta circunstância não é
culpa de Poroshenko. Soterrada de dívidas, Kiev não tem condições de armar-se.
A sua condição de devedora dá a seus ‘amigos’ ocidentais uma fácil, quase
embaraçosa, desculpa.
O único fator
que discrepa desse pacifismo à outrance, é
o atual comandante da NATO, o general Philip M. Breelove. Steve
Erlanger, no seu artigo no New York Times, indica a respeito: o general
disse que o Ocidente deve responder ao contínuo fornecimento por Moscou de
tropas e armas aos rebeldes. Nesse sentido, enfatizou: “Poderia ser desestabilizante? A resposta é sim. Também a inação pode
ser desestabilizante. É a inação a ação apropriada?”
Escusado
dizer que tais palavras do velho militar não é música agradável para os ouvidos
de altos funcionários na Europa e nos Estados Unidos.
A fraca
posição da União Europeia ficou muito clara no comparecimento ao 2º Minsk de
parte de Angela Merkel e François Hollande. Essa postura se torna até escandalosa na sua
passividade, quando se explicita que a U.E. não favoreceria o envio de armas
pesadas para a defesa de Kiev. No
entanto, a atitude fica tingida ou de derrotismo, ou de até mesmo de cinismo,
se, como se adianta, a U.E. não veta apenas as armas ofensivas ao exército
ucraniano. Também sequer considera o envio de armas defensivas.
Com amigos como estes de Bruxelas,
de que serviria à Ucrânia o apoio da União Europeia? O próprio Barack Obama, com a mesma
prudência, não tem sido de muita ajuda para o atribulado presidente Petro
Poroshenko.
As sanções americanas, por pontuais que sejam,
não têm detido o avanço russo. Agora,
Moscou estaria considerando o depósito de material nuclear na ‘sua’ Crimeia. O
escopo intimidatório é tão óbvio, que chega até a parecer provocação.
Vejam, além
disso, que a sorte, orientada ou não, persiste em favorecer Vladimir
Vladimirovich Putin. Não é que um opositor pertinaz opositor dessa guerra
não-declarada, Boris Nemtsov, que era personagem de peso (foi Primeiro Ministro
de Boris Yeltsin) saíu de cena há pouco, abatido por um contract-killer [3]. Para o final da semana em que
morreu, organizara ele uma demonstração de
repúdio à guerra não-declarada da Russia contra a Ucrânia.
Por fim, há
um elemento relevante, que decerto o general
Breedlove leva muito em conta – e que a apatia do Ocidente só contribui
para açular ainda mais as hordas invasoras orquestradas por gospodin Putin. Reporto-me à implícita
ameaça a muitos países que estão no próximo
estrangeiro, que continua a ser computado nos cálculos do Kremlin.
Rodeando o espaço vital do antigo
Império dos Tzares, estão muitos países que já sofreram sob as tropelias
soviéticas (como Finlândia e Polônia), e outros que eram repúblicas dentro da
defunta União Soviética, como a Estônia, Letônia e Lituânia, isto sem falar nos
pequenos países mais a leste, como a Geórgia e a Moldova, de que foram
recentemente retirados bons nacos pelo urso russo...
(
Fontes: The New York Times: Não se vê saída fácil para a Ucrânia; O Globo,
Folha de S. Paulo)
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