quarta-feira, 4 de março de 2015

Antes da Tempestade (2)

                         

            No artigo anterior, expus de forma resumida o mecanismo político imperante no Brasil, que determinou a primeira eleição de Dilma Rousseff. Já , sua reeleição, lograda apesar de atuação decepcionante (abaixo itemizada),   foi obtida pelo aparelhamento do Estado pelo PT (o que inviabilizou à candidata Marina direito de resposta, mesmo no filmete em que a concessão de autonomia ao Banco Central era equalizada ao roubo da comida da classe trabalhadora), e pela vitória de Dilma no Norte e Nordeste, com o acréscimo de Minas Gerais. A derrota de Aécio no seu estado natal decorreu da pouca atenção por ele dada à disputa em Minas. Tal bastou para dar a Dilma vantagem de 3% no cômputo geral.

            Mas a lua de mel do eleitorado com Dilma não duraria muito. As pesquisas do Datafolha mostraram que Dilma alcançou a pior avaliação desde 1999.  Em dezembro último, tinha 42% de ótimo e bom e 24% de ruim e péssimo. No início de fevereiro, já tinha  23% e 44%. Despencara no positivo, e aumentara no negativo.

           Dentre as avaliações de comportamento, pouco menos de 50% a considera desonesta, falsa (54%) e indecisa (50%). Seis em cada dez entrevistados acham que Dilma mentiu para vencer. Quase 80%  dos entrevistados  acreditam que Dilma sabia da corrupção na Petrobrás. Para 52%, sabia dos desvios de dinheiro e deixou que continuassem.

           Para Lula, segundo a coluna de Noblat de nove de fevereiro último, há um golpe em marcha para depor Dilma. Mas o colunista comenta “Bobagem! O golpe já foi dado. Por ele, Dilma e o PT, ao encenarem a farsa eleitoral do ano passado.”

           Sem embargo, a avaliação de Dilma pela mídia a define como indecisa, incompetente, grosseira. Não controla nem a bancada do PT, que está em aberta revolta contra o ajuste fiscal – como se houvesse outra saída.

           O Ministro Joaquim Levy tem recebido notas negativas na imprensa, mas semelha bem intencionado. O problema talvez seja a própria juventude e o fato de não estar contido por personalidades mais experientes. A minha impressão é que deveria cuidar mais da linguagem, o que lhe evitaria problemas, como no caso do “grosseiro” para as desonerações. O cartunista Chico Caruso se tem  aproveitado bem da falha, mas, na verdade, se a orientação está certa, há que cuidar apenas da embalagem.

            Dilma, a mal-humorada, parece que aprecia e, por isso, pega leve em eventual escorregadela do Ministro.

            No entanto, ainda no que tange à Presidenta, há processo que não deixa de ser preocupante de relativa pulverização de sua liderança política e da autoridade como chefe de governo. Passada a curtíssima lua de mel pós-eleitoral, houve, por assim dizer, uma dissociação de realidades.

            Além de ter sido escassa a maioria da reeleição, os fatos do Petrolão se foram amontoando, com a rápida erosão do crédito outorgado à vencedora. Os podres desse outro tipo de aparelhamento da Petrobrás passaram a tornar difícil não acreditar que Dilma e a fortiori Lula, pudessem pretextar desconhecimento desses ‘malfeitos’ (para usarmos essa dílmica linguagem). No carnaval, para escrachar ainda mais, há foto de dois populares, com bastante parecença, que de faixa presidencial e tudo, desfilam sob os cartazes que assim proclamam: Lula ‘Eu e meus cumpanheiros gostamos mesmo é de reais, euros, dólar’ e Dilma ‘O Petróleo é nosso! A propina é deles).

            A economia não parando de trazer notícias ruins, com o aumento da inflação e das dívidas (tanto a pública, quanto a privada), se adensam as perspectivas de rebaixamento calamitoso de nota, passando ao grau especulativo, e por aí afora.

             No panorama político, o isolamento de Dilma se aprofunda, com o afastamento do PMDB. No último programa televisivo político do PMDB, encabeçado pelo Vice Michel Temer, ela sequer foi mencionada. O cenário da crise não para de piorar, e é aí que os céus se enfarruscam de vez, diante do encolhimento da liderança que resta à Presidenta.

             Tampouco as suas decisões tendem a desanuviar a atmosfera. Como referi em blog anterior, em entrevista à Folha na 2ª Feira, o grande advogado Modesto Carvalhosa, ao avaliar os ditos acordos de leniência, urdidos pelo TCU, e apoiados pelo Ministro da Justiça, AGU, Controladoria-Geral da União, afiançou que a Presidenta cometeria crime de responsabilidade, com viés de prevaricação, ao se negar a aplicar a Lei Anti-Corrupção.

              A  Lista de 54 nomes de políticos no Congresso Federal, elaborada pelo Ministério Público Federal  e encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, foi firmada pelo Procurador-Geral Rodrigo Janot. Ela contém 28 pedidos de abertura de inquérito com os ditos 54 suspeitos de participarem nos desvios da Petróleo Brasileiro S.A.  Por enquanto todos os procedimentos estão em segredo de justiça (há inclusive pedido de arquivamento de sete petições, por falta de provas suficientes para abertura  de investigação).

               É de notar-se que o Ministro Teori Zavascki, do STF, revisará a lista. Se a aprovar, ela se tornará ostensiva, passando-se à fase dos inquéritos propriamente ditos.

               Não desanuvia decerto o ambiente que os únicos dois nomes que já vieram a público, são o do Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, e o do Presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha. Ambos são como se sabe do PMDB. Que as duas maiores autoridades do Congresso Federal estejam por ser incriminadas formalmente já diz muito sobre a situação em termos de quase banalização da corrupção. Não há nenhum Cícero[1] disponível, mas a exclamação O tempora, o Mores[2] continua tristemente pertinente.

 

 

( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )   



[1] Marco Tulio Cícero era Cônsul quando pronunciou tal exclamação, no primeiro discurso contra Catilina.
[2] Ó tempos, ó costumes !

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