quinta-feira, 26 de março de 2015

A Licença Partidária desmoraliza a Democracia




       Tudo começara com sentença do Supremo que se poderia definir como teórico-romântica. O STF acolheu a contestação jurídica da suposta inconstitucionalidade de uma lei que estabelecia limites para o número de partidos políticos no Brasil.

       De início, seja dito que a referida lei não poderia ser acoimada de antidemocrática pelo fato de estabelecer barreiras para o número de legendas partidárias em nosso país. A República Federal da Alemanha, decerto tendo presente a fraqueza da constituição de Weimar que permitira o fortalecimento do nazismo no imediato período de entre-guerras, cuidara de estabelecer normas vinculantes para evitar a multiplicação excessiva de novas legendas, com a consequente fragmentação no Bundestag (assembleia federal) e a resultante dificuldade de alianças de governo.

       Na democracia alemã, o regime é o parlamentarista, e a cláusula mínima dos 5% da votação nacional tem funcionado a inteiro contento. Nela se alternam os gabinetes seja da CDU (União Cristã-democrática), seja da SPD (Partido Socialista da Alemanha). Em geral, essas grandes agremiações carecem para formar maiorias governantes da aliança de partidos menores, como são o partido cristão-democrático da Baviera (parceiro da CDU), e o Partido Verde (aliado da SPD).

       Na atual legislatura, como o FDP (partido liberal da Alemanha) não logrou preencher a quota de 5% na votação nacional, os sufrágios a ele destinados foram redistribuídos paritariamente aos partidos que tinham preenchido os requisitos legais.  Não é a primeira vez que o FDP tropeça nesta cláusula.  Sem representação nacional, nada o impede de retentar na próxima eleição federal alemã, e se lograr superá-la, voltará a ser restabelecido como partido.  No caso presente, o tropeço do FDP forçou a CDU e  sua candidata Angela Merkel a negociar a chamada grande coalizão com a SPD, e é por isso que o atual gabinete germânico está formado por aliança entre os dois maiores partidos, i.e.,  a União Cristã-Democratica (centro-direita) e o Partido Socialista da Alemanha (centro-esquerda).

        Com esta sensata cláusula, a Alemanha pós-guerra evitou a instabilidade do regime parlamentarista  da Constituição de Weimar, uma das causas do fortalecimento do nazismo, com as consequências que todos conhecemos.

        Alguém em mente sâ poderá declarar que vige na atual Alemanha  cláusula antidemocrática? Basta examinar a composição dos Bundestag seja na segunda metade do século XX, seja nas primeiras décadas do século XXI, para que a resposta sublinhe o traço essencialmente democrático do regime parlamentarista alemão.

         Essa modificação que poderíamos chamar evolutiva dentro do parlamentarismo obedeceu à necessidade de preservação da governabilidade. Tal requisito se via bastante dificultado no que definiria como parlamentarismo romântico, de que os principais exemplos foram a França, notadamente na 3ª República e a Itália, no regime parlamentarista do pós-guerra (em que os grandes partidos eram a Democracia Cristã, o Partido Comunista e, em menor grau, o Partido Socialista), e a já citada Alemanha, especialmente a do período entre 1919-1933, quando a entente democrática ruíu com a convocação pelo ancião Marechal Hindenburg do cabo Adolf Hitler para um governo que os mentores da manobra – em que sobressai Franz von Papen[1] - pensavam fosse temporário.

        Mas voltemos à determinação do Supremo e às suas consequências.  Ao dispor, em uma interpretação bastante larga, da Constituição Cidadã, de que não seria admissível estabelecer cláusulas de limitação do número de partidos – com a consequente derrubada da lei que estabelecia  barreira ao pluripartidarismo, a maioria do Supremo caíu na imprevista armadilha de uma interpretação stricto sensu da Constituição de 5 de outubro de 1988.

         Ao dispor sobre a falta de qualquer cláusula quanto ao número de partidos, a súmula do Supremo, sem dar-se conta, criava as condições para um contrassenso, que na prática desmoralizaria a sentença quanto à alegada impossibilidade de estabelecer um limite ao pluri-partidarismo.

          No momento existem 28 partidos políticos representados no Congresso brasileiro e 32 partidos reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral ([2]). Em consequência dessa luxúria partidária, já existem 40 ministros no gabinete ministerial, em número que além de inconveniente é escandaloso.

          Por outro lado, como se tal não bastasse, o Senhor Kassab, antes associado de José Serra e hoje de Dilma Rousseff, cuida no momento de criar mais uma agremiação. Aliás, Kassab é especialista em reviver velhas legendas. Trouxe de volta o PSD, que na Constituição de 1946 era o partido do poder (criado por Getúlio Vargas, era o oposto governista do então PTB, sigla trabalhista). Agora, com o apoio da Presidenta, Kassab tenta trazer de volta o PL (um dos que se desmoralizou por sua participação no primeiro grande escândalo petista, o Mensalão, com o deputado Waldemar Costa Neto).  É contrária a essa ressurreição a frente partidária PMDB, não por questões de princípio, mas por ver no futuro PL outra manobra de Kassab (na do PSD esvaziara o DEM). 

          Semelha que os políticos dessa floresta ou sopa partidária – com partidos grandes, partidos históricos, partidos mirins, legendas de aluguer, etc. - não logram ver nessa luxuriante criatura a desmoralização ou o deboche dessa racionalização dita romântica da explosão das legendas, que dariam contexto à liberdade das tendências políticas.

          Tal posição de abraçar esse crescimento weimariano (ou até congolês) parece ser do presente agrado da prisioneira Presidenta Dilma Rousseff. Como ela parece cativa de uma democracia pluripartidária (e põe pluri nisso), o seu comportamento semelha indicar que ela no caso é adepta do quanto maior, melhor.

           Não é de escapar aos observadores que todas essas manipulações tendem a desvirtuar a real vontade do eleitor. Com o derretimento na prática de sistema partidário que por ser crível e autêntico faça jus a ser considerado sério, o que presenciamos ora é  decorrência da decisão decerto bem-intencionada, mas infeliz nas suas consequências.

           Reporto-me, como é óbvio, à determinação do Supremo quanto à alegada impossibilidade de que cláusulas de barreira – como a assaz modesta estabelecida na lei declarada inconstitucional – possam ser erigidas para disciplinar o pluripartidismo.

           Com a devida vênia, creio que estão dadas as condições para que a sentença anterior do STF seja revista, para pôr cobro ao excesso de partidos e à excessiva manipulação da cláusula da liberdade da criação partidária.

   

( Fontes subsidiárias:  O Globo, Folha de S. Paulo )




[1] Que depois estaria no banco dos réus no Tribunal aliado de Nuremberg, quando foi absolvido. Von Papen (1879-1969) que era membro do Zentrum (partido católico) e pertencente ao círculo de Hindenburg, foi Chanceler do Reich entre julho e novembro de 1932. Teve breve participação no primeiro gabinete de Adolf Hitler, como Vice-Chanceler. A sua intermediação na manobra que abriu o poder para Hitler mostrou a falta de visão do respectivo círculo, ao abrir as portas para a ditadura nazista.
[2] Há um partido, no entanto, a Rede Sustentabilidade, propugnado pela candidata presidencial Marina Silva, que fruíu do dúbio galardão de ser rejeitado pela maioria do TSE (o Ministro Gilmar Mendes foi o único voto discordante).

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