Paulo Francis
está fazendo falta. As suas notícias da Corte, com a peculiar verve, traziam
visão crítica da realidade de então, matizada pela luz da ironia, que a
iluminava com insinuantes lampejos.
Uma figura
que se sentira quiçá sem espaço em sociedade afeta pelo mal a seu tempo
incurável do provincianismo, ele seria sempre o jornalista incômodo que
aplicava os próprios critérios e o imanente anseio de mergulhar na arisca veracidade
de ideias, fatos e sentimentos ao alcance da pena. Pensava traçar o retrato
contemporâneo com os riscos impiedosos do colunista, sempre tingidos por
compromissos com a realidade dos fatos. Ou então recorria à voz absurdamente
empostada, que trazia das brumas de Manhattan
uma realidade impregnada de sua interpretação crítica.
A agressiva
mediocridade do entorno lograria expulsá-lo para bem longe, ainda que, sob as
regras do paradoxo a nortear-lhe a existência, o ‘exílio’ ele o desfrutaria na
Atenas da pós-modernidade, na ilha de Manhattan, com os seus bons restaurantes
e melhores conversas.
Dessarte, as
notícias da Corte seriam sempre tingidas por visão crítica, cujo compromisso
mais se fundava no estro do jornalista, que preferia os caprichos dos voos
solo, à rotina de esquemas de suporte.
Ceifariam a
vida do grande correspondente, seja a distorção cruel da então diretoria da
Petrobrás, seja o tratamento médico inadequado. Francis pagaria preço demasiado
alto pela sua franquia da crítica. Sob o olhar indiferente do então Presidente,
os que se acreditavam acusados por malversação de fundos, escolheram como foro a justiça de
New York.
O fora era impróprio
e sobretudo inadequado. Se a transmissão do programa era rotineiramente gravada
em Manhattan, ela não se destinava ao público americano e sim àquele do Brasil.
Nenhum magistrado americano tinha por que conhecer do pleito, eis que não concernia ao povo americano e sim
ao brasileiro, para quem a Manhattan
Connection era (e é) transmitida.
Não foi
decerto por acaso que essa peça seria pregada ao pobre panfletário. Adrede escolhida, para investir o cavaleiro
solitário, que nem Sancho Pança tinha para assisti-lo, a quem de repente se
comunicou a absurda escolha, que solertes advogados fizeram valer para que
conhecesse da ação juiz distrital de New
York, os especiosos pormenores de um programa que já se chamava Manhattan Connection ! De repente, a ele sozinho, o investe a
portentosa maquinaria com os absurdos custos judiciais de um processo na ilha
mais cara do Universo!
Mais tarde,
dos efeitos sobre a saúde já periclitante, os poucos meios cuidariam de fazer o
restante do trabalho maldito. Sem recursos e com inadequado assistência médica,
Paulo Francis seria triturado por um atendimento insuficiente.
A amarga
ironia que cercou o passamento do grande jornalista está em haver suspeito de
grossas irregularidades, e de grandes fundos desviados na Petróleo Brasileiro
S.A. Se o foram ou não, o que aconteceu com o posterior Petrolão, de marca
petista, não aclara se aconteceram ou
não sob FHC. Com o seu tino jornalístico, Paulo Francis se adiantou a seu
tempo. Uma frase que pensava inconsequente, faria pesados estragos. De qualquer
forma, não envolveria a administração tucana, mas restaria a determinar a
responsabilidade individual dos diretores de então. A par disso, como o deixa
meridianamente claro o ótimo documentário Caro Francis, de Nelson Hoineff,
quem matou o pobre Francis foi a armadilha de ação judicial no foro de New
York, ideada por Joel Rennó e os diretores da Petrobrás, tornada possível pela
placidez de FHC. Totalmente fora do solitário esquema de jornalista
independente, a ação se transformou em verdadeiro Leviatã que lhe consumiria a
saúde já frágil. Na entrevista filmada por Hoineff, o então presidente parece
tudo observar com um sorriso ausente, com aqueles ares de Buda com que, por
vezes, contemplava o que se lhe passava ao redor.
Sem embargo,
lhe bastaria um gesto quase de enfado para que a toda a armação se desmontasse,
naquela cruel jogada que permitira aos diretores da Petrobrás castigarem o
indômito jornalista com fundos que não eram seus.
Infelizmente, por natureza ou não, FHC continuou a sorrir e, no caso em tela,
nada fez, malgrado o pouco que tal lhe exigiria.
( Fonte: Caro Francis, de Nelson Hoineff )
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